sábado, 29 de novembro de 2008

That Night Follows Day | Uma voz colectiva, um olhar adulto sobre as crianças


Já estreou a peça “That Night Follows Day (Que depois do dia vem a noite)” um espectáculo de Tim Etchells e Victoria. Esta é a segunda produção com crianças (embora para o público adulto) do Victoria, depois de “ÜBUNG”, de Josse Pauw, de 2001, que passou pela Culturgest em 2004. A peça poderá ser vista até sábado (sempre às 21h30) no Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa. Explorando a forma como o mundo das cri

anças é determinado pelos indivíduos em idade adulta, Tim Etchells consegue falar sobre paternidade, educação, disciplina, cuidados e bem-estar. Este é provavelmente o melhor

espectáculo de teatro para ver até ao final do ano na capital.

Esta peça cataloga as várias maneiras segundo as quais o mundo das crianças é determinado pelos adultos. De forma clara e com bastante humor, são investigadas as temáticas relativas aos sistemas de paternidade, educação, disciplina, cuidados e bem-estar que definem os mundos das crianças e dos adolescentes. Com actores jovens, belgas, em palco, o encenador consegue pôr os próprios jovens e a

dolescentes focados no texto a falar sobre si mesmos, ou sobre a forma como os adultos implicam nas suas formas de estar e de ser. Com um atitude lúdica, mas provocante, Tim Etchells põe os “pais” a ver e ouvir as crianças e adolescentes falar sobre a maneira como os adultos projectam neles o seu mundo.

Considerado pela crítica internacional uma representação “avassaladora: convincente, apaixonada, vulnerável, bela e verdadeira”, este espectáculo já amplamente reconhecido de qualidade faz-nos reflectir sobre o que é ser pai e o que é ser criança.

Tudo começou com Victoria a pedir a Tim Etchells, escritor e director artístico da famosa companhia britânica Forced Entertainment, para fazer um espectáculo com crianças. Tim Etchells acedeu a este pedido e criou “That Night Follows Day”, uma peça com dezasseis crianças com idades entre os 8 e os 14 anos, sendo a primeira vez que o director trabalha com um elenco deste tipo. O espectáculo baseia-se num texto escrito pelo próprio Etchells. O texto é um catálogo, um discurso anti-narrativo por excelência, dito muitas vezes em coro para que entre bem na cabeça daqueles que estão na plateia. Como é frequente no seu trabalho, Tim Etchells procura voltar o holofote para a situação em si, as expectativas e os problemas da própria apresentação do espectáculo. O resultado destas escolhas cénicas e dramaturgicas é uma visão do mundo muito exaustiva, comovente e implacável.

Pela presença das crianças/adolescentes em palco, já que os intérpretes têm entre 8 e 15 anos, este espectáculo relaciona-se necessariamente com os PANOS, o projecto da Culturgest de nova dramaturgia para o teatro escolar/juvenil inspirado no “Connections” do National Theatre de Londres; se bem que no PANOS as peças têm sido maioritariamente baseadas numa narrativa e na construção de personagens. Em “That Night Follows Day” há mais uma voz colectiva do que personagens, há mais um discurso que uma narrativa.

Em Abril do próximo ano, será apresentado um espectáculo que ecoa um pouco este “That Night Follows Day”. Chama-se “Once and for all we’re gonna tell you who we are so shut up and listen” e é da companhia Ontroerend Goed. Foi produzido na mesma cidade de Gent. O primeiro é feito com crianças, com um texto quase constante e com um discurso colectivo. O segundo apresentará um palco de adolescentes, onde não há quase espaço para a palavra e a dramaturgia é mais próxima da música. A mesma cena é repetida com variações e há uma inteligência formal que enforma a energia aparentemente incontrolável daqueles corpos (chocantes) em palco .

“Vocês alimentam-nos. Dão-nos banho. Vestem-nos. Cantam para nós. Observam-nos quando estamos a dormir. Fazem-nos promessas de que acham que não nos vamos lembrar. Contam-nos histórias com final feliz e histórias sem final feliz e histórias com um final que nem sequer chega a ser um final. Explica-nos o que é o amor. Explicam-nos as diferentes causas da doença e as diferentes causas da guerra. Sussurram quando acham que não devemos ouvir. Vocês explicam-nos que depois do dia vem a noite”. Um espectáculo perdível só com razões muito fortes ou impossibilidades comprovadas.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (28.11.2008)

Veneno, duração e desinibição


Três coreografias num espectáculo - Dança no Teatro Camões

Integrado no ciclo de dança com 6 Companhias Portuguesas convidadas pela Companhia Nacional de Bailado, será apresentado “Veneno/ Eurídice e o Instante/ Finale” no Teatro Camões, pela Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, nos dias 5 e 6 de Dezembro.

“Veneno” tem coreografia de Rui Lopes Graça e é uma peça no limite. Segundo Rui Lopes Graça: “É a ideia que criamos acerca de nós próprios e dos outros. Como um vírus, que nos contamina sonhos e convicções; Separa-nos e isola. Torna-nos ilhas de coração pobre e vacilante. No espelho da vida criam-se as proporções exactas do antídoto.”. O veneno da Tarântula, “cuja picadela torna os homens muito sonolentos, frequentemente podendo também por vezes ser fatal. A Tarântula é assim chamada a partir do nome da cidade de Taranto, onde podem ser encontradas em grande número. Muitas pessoas acreditam que o veneno da Tarântula varia em característica de dia para dia ou de hora a hora, pois induz grande diversidade de paixões naqueles que são picados; alguns cantam, outros riem outros choram, outros choram incessantemente; alguns dormem enquanto que outros são incapazes de dormir; alguns vomitam ou suam ou tremem; outros caem em terrores contínuos ou em frenesins, raivas e fúrias. Este veneno provoca paixões por diferentes cores de tal forma que alguns têm prazer com o vermelho, outros com o verde e outros com o amarelo.”, pode ler-se no dicionário universal de 1690, por Antoine Furretière. Dizia-se que em alguns casos a doença poderia durar até 50 anos e que a música podia curar o seu veneno. Este espectáculo mostra-nos então essas situações de limite, de tensão, em que se vivem experiências contraditórias. Sete figuras dançam em cena e evoluem ao ritmo da música. Esta é uma dança envenenada pela própria tarântula, porque estão lá a alucinação, a aproximação da morte, a dor, o humor e o amor. Rui Lopes Graça consegue pegar no conceito de veneno, especificamente o da tarântula, e explorar as sensações da vida a partir da aproximação ou semelhança de estados humanos a estados de intoxicação com o  veneno da tarântula. A exploração deste universo leva-nos a imagens de permanente tensão e de limite, tal como alguém que foi picado por uma tarântula ou alguém que vive no limite do seu ser individual.

“Eurícide e o instante” tem coreografia de Vasco Wellenkamp e música de Philip Glass. Nesta peça Vasco Wellenkamp trabalha sobre o próprio conceito de duração. Sobre o tempo e o seu fluir, a partir da linha desenhada pela música de Glass, que repete motivos e ritmos, onde Vasco Wellecamp procura uma segunda linha. Entre o desvio e a entrega, o movimento do homem e da mulher percorre a música como um lugar. O lugar-comum entre o público e o palco parece ser a música que acaba por ser a base dos movimentos. A cadência e o ritmo são eles que levam a esta movimentação em palco, de duas pessoas que se entregam e se afastam tendo em conta a corda musical onde caminham.

Em “Finale” temos a coreografia de Henri Oguike e música de René Aubry. A partir das cadências latinas do compositor francês René Aubry, “Finale” é um bailado divertido e de rápido andamento que fecha o programa apresentando toda a companhia. Este espectáculo transborda vitalidade, divertimento, prazer, alegria. Um conjunto de bailarinos desinibidos e que espalham ideias frescas pelo palco. Uma forma de terminar leve, mas sensorial e que sopra energia.

Três olhares sobre a dança, três temáticas diferentes, em que se apresenta na totalidade a Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo.

O espectáculo, a ser apresentado no próximo fim de semana, terá início às 21h30, sendo composto por três espectáculos diferentes, com a duração de 1h30 no total. Os bilhetes custam entre 5 e 15 euros.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (28.11.2008)

Dorfmeister no Casino Estoril


Richard Dorfmeister, nasceu em Viena e é oriundo de uma família com tradições na formação clássica dos filhos, tendo chegado a estudar flauta antes de, já adulto, ter feito uma parceria com Peter Kruder, sendo ambos reconhecidos como expoentes do downbeat. É este estilo que promete invadir o Salão Preto & Prata do Casino Estoril, já no próximo dia 29. O espaço converter-se-á numa vasta pista de dança, a partir das 00h30, com a actuação do famoso DJ Richard Dorfmeister, o qual se apresentará rodeado de performers e de bailarinos.

A participação na festa é aberta ao público em geral que, mediante o pagamento de 5 euros (com direito a duas bebidas) terá acesso a uma pulseira de ingresso no evento. Adicionalmente, quem adquirir a pulseira antes de 26 terá direito a um bilhete para assistir ao espectáculo “Visions – Espírito dos Sonhos”, ao domingo, no Salão Preto & Prata. Dorfmeister já trabalhou com Kruder, com quem já editou álbuns de sucesso, e também se envolveu com Rupert Huber na Tosca, um projecto que reforçou a sua notoriedade. Nesta vinda ao Estoril, Dorfmeister actuará a solo no Salão Preto & Prata, beneficiando dos recursos tecnológicos de primeira linha deste espaço prestigiado do Casino Estoril que volta, assim, a abrir as suas portas a um público predominantemente jovem.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (28.11.2008)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pessoa de saltos altos



Feminine, de Paulo Ribeiro

Este fim-de-semana, o coreógrafo Paulo Ribeiro apresenta o espectáculo “Feminine”no Grande Auditório da Culturgest. Depois de “Masculine”, apresentado no Teatro Maria Matos (2007) o coreógrafo mostra-nos a sua visão do universo de Pessoa de saltos altos. Através de um quinteto de cinco mulheres (quatro bailarinas e uma actriz) viaja sobre as preocupações mais superficiais do sexo feminino: o cabelo, os saltos altos, os homens. Elas dançam com os corpos que transpiram sensualidade, em movimentos contidos que desaguam num prazer prolongado.

Paulo Ribeiro aproximou a dança de Pessoa, em 2007, ao criar “Masculine”, onde abordava o universo, de forma a mostrar as idiossincrasias de um homem: coisas quotidianas, mas não só. Uma bola de futebol e energia masculina estavam presentes a partir das vozes e corpos de quatro bailarinos. A pesquisa desenvolvida sobre a obra de Fernando Pessoa acabou por revelar a vontade de abordar a sua relação com as mulheres. Assim nasceu “Feminine”. Paulo Ribeiro substituiu a bola pelos saltos altos e mergulhou na beleza estética, na emocionalidade. Antes da estreia deste espectáculo no Teatro Nacional São João, o coreógrafo disse em entrevista: “A ideia de trabalhar Fernando Pessoa já me persegue há muito tempo. Mas pensei sempre em trabalhar não em torno da obra, mas do homem: aquele homem em particular, com os seus defeitos. Uma pessoa, não apenas um génio escritor. As pessoas são essencialmente humanas: à volta daqueles momentos geniais há muitos outros momentos, normalíssimos, banais.” Este quotidiano já era experienciado em “Masculine”, mas agora é muito mais claro, revelando o poeta das horas banais.
Pessoa é coreográfico no sentido em que vai escrevendo em sequência, existe uma evolução nos seus textos e Paulo Ribeiro explora muito bem essa visão. Em “Feminine” ele vai mais longe e o que acaba por surgir é o olhar de Pessoa sobre a mulher. A peça tem, tal como “Masculine”, uma componente muito humorística, e um lado muito sexual, explorado na fisicalidade: Ser o meu corpo passivo a mulher – todas – as mulheres; Que foram violadas, mortas, feridas, rasgadas pelos piratas; Ser no meu ser subjugado a fêmea que tem de ser deles; E sentir tudo isso – todas estas coisas duma só vez pela espinha!
As palavras do poeta desafiam as das mulheres em palco, que se deixam perder pelas suas próprias narrativas. A poética do movimento feminino percorre a peça, misturada com o ardor colocado em cada gesto. O espaço de sensações é apenas interrompido pela força maior do coreógrafo, de brincar com as suas criações, de as colocar a rir de si próprias.

No processo de trabalho de construção desta peça, a diferença entre homens e mulheres acentuou-se. Paulo Ribeiro afirma que “(…) com os homens havia uma grande margem de interpretação, apesar de os parâmetros estarem definidos, tanto que foi necessário refreá-la, travá-la. Em “Feminine”, pelo contrário, a peça está coreografada ao milímetro. As estruturas iniciais são mais sólidas e mais severas.” Neste espectáculo há um trabalho muito pop, no cenário, nos figurinos sentem-se os anos 70. Há uma certa nostalgia que passa não só pelo facto de Pessoa ser um escritor dessa época, mas também por Paulo Ribeiro se inspirar na respiração da esperança existente nessa altura.
O coreógrafo entrega tudo nas suas criações e isso transpira para quem o recebe com abertura. “Tenho a impressão de não viver se não morrer para voltar a viver”, diz Paulo Ribeiro. “É um combate permanente de que preciso. E salpico isso para os meus intérpretes.” Tanto em “Feminine” como em “Masculine” sente-se um esgotamento por parte dos intérpretes, que depois nos possibilita ver a sua verdade, mostrando sempre actividade. A sua natureza é essa, a de mexer com as pessoas através de abanões efervescentes.


Há questões que nos acompanham sempre, há pessoas que estão sempre presentes, há dúvidas que não devem ser esclarecidas, elas são a razão para se estar atento. Não são precisas respostas. Precisamos sim de encantamento, precisamos de praticar a simplicidade para atingir o fascínio da multiplicidade.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 21.11.2008)
Fotografias de José Alfredo

Espaço para o espectador activo


Entrevista Damião Porto

O Espaço Cultural Serv'artes, Habiserve Arte e Design tem estado a expor exposições individuais de pintura. Debruçamo-nos sobre a mostra de Damião Porto, denominada “Obra Aberta”, que estará patente até ao final do mês de Novembro. O conjunto de obras que apresenta parte do processamento de discutir acerca da abertura e proximidade das obras. O Semanário explorou este conceito.

Ana Maria Duarte: Em que momento se enquadra esta exposição. Defina-me um pouco o seu processo e o porquê de expor estas obras especificamente.
Damião Porto: Começo por dizer que que tal exposição, a convite do espaço Servartes, me fez recuar no tempo, por colocar discursos diferentes para públicos diferentes. Ou seja, interessava-me uma exposição (desenho e pintura) que mostrasse a obra actual, “aberta” a conceitos, e mostrar toda esta liberdade criativa, a diversidade de processos utilizados e de classificação de diferentes obras perante o público.
Poderiam ser outras obras, do mesmo período, no sentido de estabelecer esse ciclo itinerário que se prolonga nas telas mais recentes, como referências literárias e musicais onde se transformam pela liberdade da pintura. Todo o meu processo passa pela incerteza, indeterminação, pela existência como inventor de ideias, de ideias plásticas, de formas. Até quando? Até aos 99 anos de idade, se me deixarem. (risos)

AMD: A sua exposição "Obra aberta" revela uma certa vontade de abertura, de mostrar, de criar proximidades. Esta proximidade deve ser encarada de uma forma mais ligada ao conceito da obra ou do artista ao público?
Damião Porto: Bom, diria que esta proximidade das minhas obras se “arrasta” como fio condutor para o próximo. Esta proximidade, no fundo, de estudos e experiências já narradas por outros pintores, aparece num momento crucial da minha obra. Em ultrapassar certos limites, na liberdade de momentos episódicos e vibrantes e de capítulos temáticos a desenvolver. Estou a pensar, por exemplo, nos “cavalos” em confronto com Dom Quixote, na possibilidade de manifestar a identidade com a figura, sem qualquer comparação pictórica. Ou então, o ruído da “Prova de velocidade” com a música de Jazz. Estas mudanças temáticas, ou o aparecimento de um interesse por este ou aquele “assunto” não são diferentes das outras mudanças. Estas sensações que aparecem, sinto-as e estou consciente do que me acontece, tudo sucede naturalmente. Daí dizer sempre que a minha obra só fica completa quando encontrar o diálogo com o seu público. O espectador tornar-se activo, a inventar os seus próprios discursos e histórias pela pintura feita. É talvez este o convite mais importante que esta obra vos pode trazer.


AMD: O seu texto sobre a exposição fala-nos de opostos e de novidades, de recomeços. O que procura na sua pintura acima de tudo? É essa oposição constante de conceitos?
Damião Porto: Arrisco em dizer que a pintura hoje nos fala da “mudança constante”, ou seja, hoje, o importante para o artista plástico, é que se trate de mudanças que nascem de necessidades profundas. Acima de tudo é isso que se passa na minha obra. Um processo indefinido de questões que permanecem ao longo de todo o meu percurso, tais como a definição da composição do quadro enquanto resultado de diferentes tensões e estrutura do mesmo num pormenor ou num detalhe. Esta exposição poderá originar novas leituras e interpretações para um trabalho que se exerce como uma arte combinatória de possibilidades sempre em aberto.

AMD: Como se enquadra a sua obra neste espaço?
Damião Porto: Vejo-a como uma pequena fatia do meu percurso. A minha actividade como pintor, um ciclo, um registo, um reviver de leituras. Lamento não ser um número maior de obras. Porque todas as dúvidas e questões seriam mais preciosas.

AMD: Onde gostaria de expor no futuro?
Damião Porto: Queria dizer que, por estranho que pareça, o que me faz pintar ou ter vontade de desenhar não é pelo facto de querer expor aqui ou ali. Faço-o da mesma forma que escrevo. A pintura é uma viagem sem fronteiras, onde tiver que parar para ser vista e dialogada, ela fá-lo por si. O interesse em expor nas grandes galerias ou museus está em que aquilo que nós chamamos “carreira”. Estou mergulhado nela, resta-me esperar que a minha obra seja um motor que faça andar o público atrás dela, independentemente do espaço.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 21.11.2008)

Extensão do DocLisboa no Porto


Depois do sucesso do ciclo dedicado à obra de Manoel de Oliveira, que trouxe a Serralves cerca de 4 mil espectadores em quase 60 sessões, o cinema volta a marcar presença no Auditório de Serralves. Trata-se de uma extensão do festival DocLisboa em Serralves, que durará 4 dias e que surge como uma oportunidade dos públicos do Porto verem algum do melhor cinema documental que se faz pelo mundo. A mostra tem início hoje, quinta-feira, com a projecção do filme “High School” de Frederick Wiseman, um retrato do sistema escolar norte-americano.
Amanhã, às 21h30, o público terá a oportunidade de ver “End of the Rainbow” de Robert Nugent. O filme francês venceu o Grande Prémio Cidade de Lisboa para a melhor longa metragem. “End of the Rainbow” é um retrato sobre as mudanças trazidas pela mina e o universal desejo humano por uma vida melhor. Revela um mundo em constante mudança e descreve a intimidade de um povo que luta em resposta a essas mudanças, tratando o conceito de conflito.
Sábado serão projectados 4 filmes. Às 15h30, “The Women of Bruckman”, de Isaac Isitan, que venceu dois prémios: o prémio RTP 2 para melhor documentário de Investigação e o prémio Doclisboa/IPJ para melhor filme da Competição Investigações. “The Women of Brukman” conta o caso único de uma cooperativa formada durante o caos económico argentino, com o objectivo de devolver às operárias o seu emprego.
Às 18h, “Queria ser”, de Sílvia Firmino, que foi galardoado com o prémio Sony para melhor primeira obra portuguesa. Conta-nos a história de uma escola primária em risco de fechar no interior de Portugal. Dez alunos, do primeiro ao quarto ano lectivo, numa mesma sala. Um filme que vai à procura de um programa de reforço à leitura e encontra a força, as ambições e os medos destas crianças.
Às 21h30 “Must Read After My Death”, de Morgan Dews - prémio Odisseia para melhor primeira obra e “The Rest of a story” de António Prata, que venceu o Prémio Johnnie Walker para a melhor curta-metragem documental.
No domingo, será projectado Bab Sebta, de Pedro Pinho e Frederico Lobo. Bab Sebta significa em árabe “a porta de Ceuta”, e é o nome da passagem na fronteira entre Marrocos e Ceuta. É o local para onde convergem aqueles que, vindos de várias partes de Africa, procuram chegar à Europa. O filme “Bab Sebta” percorre quatro cidades ao encontro dos tempos da espera e das vozes desses viajantes. Este último venceu o grande prémio Tobis para o melhor documentário português de longa-metragem. Estes dias são uma oportunidade para quem não viu estes filmes. Ainda vão a tempo.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 21.11.2008)

O regresso do carisma


Uma boa notícia chegou esta semana. Os Tindersticks voltarão a Lisboa. A cidade ansiava pelo regresso e agora sabe-se que a banda, liderada pela voz inconfundível do carismático Stuart A. Staples, apresentará o novo álbum “The Hungry Saw” no Coliseu de Lisboa, num concerto agendado para dia 13 de Fevereiro de 2009.
Os britânicos Tindersticks são um daqueles casos raros de amor que o público português devota a uma banda. Desde que editaram os dois primeiros álbuns, ambos homónimos, que os Tindersticks têm vindo a ser alvo de um culto crescente em Portugal. O sucesso mais alargado surgiu com o quarto álbum, “Simple Pleasures” (1999), onde os Tindersticks acrescentaram alguns elementos soul à sua música, como o uso de coros femininos.
Em 2005, Stuart A. Staples decidiu fazer música por conta própria e editar dois álbuns de originais: “Lucky Dog Recordings 03-04” e “Leaving Songs”. Nessa altura veio a Lisboa, para um concerto a solo na Aula Magna. O homem tem mesmo Groove no corpo. Apesar de muito se ter especulado sobre o final dos Tindersticks, a banda regressou aos concertos em 2006.
Com a formação reduzida a três elementos, editaram em Abril deste ano o sétimo álbum de originais, “The Hungry Saw”, que vêm apresentar a Portugal, dia 13 de Fevereiro no Coliseu de Lisboa. Bilhetes entre os 22 e os 40 euros. Imperdível, imperdoável ausência.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 21.11.2008)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Uma semana de antestreias e revisões cinematográficas




Estoril Film Festival ‘08
Destaque para o cinema de Bertolucci

O Estoril Film Festival está de volta. 2008 é o ano da segunda edição, que começa hoje, com uma gala em que o foco estará no realizador italiano Bernardo Bertolucci. Com direcção de Paulo Branco, este festival divulga cinema de origem europeia e americana e conta com secções de competição e de homenagem. Haja sempre espaço para o cinema. Cada vez mais.

A gala de abertura acontecerá no Casino Estoril, pelas 22 horas. O realizador Bernardo Bertolucci será homenageado com um prémio que o distingue como autor incontornável no panorama do cinema contemporâneo. Aguardado com expectativa, o evento reserva, ainda, para os convidados, um concerto de Rita Redshoes, reconhecida já como um dos novos talentos da música nacional.
Até 22 de Novembro, serão exibidos os 14 filmes europeus em competição, entre os quais o único português, "4 Copas", de Manuel Mozos, que serão avaliados por um júri composto pelo escritor sul-africano J.M. Coetzee (Nobel da Literatura 2003), a actriz francesa Catherine Deneuve, o escritor norte-americano Paul Auster, a escultora espanhola Cristina Iglesias e o artista plástico português Julião Sarmento, a quem caberá atribuir o prémio de Melhor Filme, no valor de 20 mil euros. O Auditório do Casino Estoril projecta a maioria dos 14 filmes em competição. O filme de abertura será "Mesrine", de Jean-François Richet, numa sessão que contará com a presença do cineasta francês e do actor principal, Vincent Cassel.
Fora de competição serão exibidos em antestreia nacional 15 filmes, entre os quais as mais recentes obras dos norte-americanos Woody Allen, "Vicky Cristina Barcelona", e David Mamet, "Redbelt", do alemão Werner Schroeter, "Nuit de Chien", e dos franceses Agnès Varda, "Les Plages d'Agnès", e Philippe Garrel, "La Frontière de l'Aube".

No âmbito da homenagem a Bernardo Bertolucci, o Estoril Film Festival propõe uma retrospectiva da obra do cineasta italiano. O Auditório do Casino Estoril exibe, logo no dia 14, as películas “Partner”, “La Strategia del Ragno” e “Último Tango em Paris”, para o dia seguinte está agendado o filme “Novecento”, a 16, será projectado “O Último Imperador” e, a 17, “La Luna”.
Além da homenagem a Bertolucci, com a projecção dos seus principais filmes, destaca-se, do programa do festival, a homenagem a Paul Newman (1925-2008). Falecido recentemente, o famoso actor será lembrado na sua faceta de realizador. É este outro lado do actor, menos conhecido do grande público, que o Estoril Film Festival distingue. O Auditório do Casino Estoril acolhe “Rachel, Rachel”, no dia 19, e “The Effect of Gamma Rays on Man-in-the-Moon Marigolds”, no dia 20.
Luis Buñuel será também homenageado, no 25.º aniversário da sua morte, com a exibição do documentário "El Último Guión - Buñuel en memoria", de Javier Espada e Gaizka Urresti, e ainda haverá uma retrospectiva da obra do realizador norte-americano Tim Burton. O Auditório do Casino Estoril recebe “Beetle Juice”, no dia 18, e “Edward Scissorhands”, a 19. O ciclo prossegue com “Mars Attacks!”, a 20, “Batman”, “Batman Return”, “Big Fish”, “Sleepy Hollow” e “Ed Wood”, a 21, encerrando com “Vincent, Frankenweenie & The Nightmare Before Christmas” e “Planet of Apes”, a 22 de Novembro.
Os realizadores Stephen Frears (Reino Unido), Agnès Varda (França) e Jerzy Skolimowski (Polónia) e os escritores Paul Auster e Siri Hustvedt são algumas das personalidades que participarão em encontros com o público e sessões de leitura durante o certame, bem como os actores franceses Vincent Cassel, Louis Garrel e Mathieu Amalric, que farão workshops para actores. O festival incluirá ainda uma secção dedicada às principais escolas de cinema europeias e uma espécie de "Estados Gerais" da crítica cinematográfica, com a vinda de 40 dos mais importantes críticos de cinema do mundo, além do segundo encontro da Europa Distribution, rede criada em 2006 formada por 60 distribuidores independentes de 20 países europeus.
A encerrar este Estoril Film Festival, haverá no dia 21 uma gala no Casino Estoril, em que serão entregues os prémios e que contará com um concerto da banda portuguesa Deolinda, e a 22 será projectada a última longa-metragem do norte-americano Jonathan Demme, "Rachel Getting Married".
Além da sala de cinema do Casino Estoril, remodelada no ano passado para poder projectar os filmes do festival, outros dois espaços acolhem o certame: o Centro de Congressos do Estoril e o Teatro Municipal Mirita Casimiro, em Cascais. Um bilhete para um filme custa três euros e um passe que dá acesso a tudo, 25 euros. Para mais informações consulte http://www.estorilfilmfestival08.com/.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 14.11.2008)

Legendas imagens:
La strategia del ragno, de Bernardo Bertolucci
Rachel Getting Married, de Jonathan Demme

O universo frágil de Lisa Ekdahl


Lisa Ekdahl tem uma fragilidade de menina que deixa a minha sensibilidade vir ao de cima. Sueca, compositora e letrista das suas canções, acaba por se revelar uma mulher sensual e forte que se move à vontade nas áreas do pop e smooth jazz. Ela é um dos maiores nomes da nova geração deste universo hábil. Passará por Lisboa, Porto e Alcobaça, este fim-de-semana.

Tinha apenas 23 anos quando lançou o seu primeiro álbum, de nome “Lisa Ekdahl” (1994) e que a fez chegar ao sucesso, atingindo, na Suécia, a quádrupla platina ao fim de poucos meses. Em 1996 lança “Med kroppen mot jorden” e, em 1997, “Borton Det Bla” pela RCA/ BMG, numa linha de música pop.
No ano seguinte a sua voz passa a ser acompanhada pelo trio de Peter Nordahl, com quem já cantava jazz desde 1990, e grava o disco “Back to Earth” (1998) que veio confirmar o seu lugar no universo musical, tendo-a consagrado como uma das mais fascinantes vozes femininas contemporâneas. Nessa altura gravou principalmente repertório standard norte-americano com o trio no disco “When Did You Leave Heaven” e conquistou a Europa. Foram muitos aqueles que se renderam à doçura do seu dom vocal, nomeadamente a coreógrafa alemã Pina Bausch, que escolheu algumas das suas canções, para partilhar o “palco” ao lado de Nina Simone, Caetano Veloso ou Prince, tendo em conta que passou a integrar o alinhamento dos espectáculos da coreógrafa, espectáculos esses que vimos recentemente em Lisboa. Sendo frequentemente comparada a cantoras como Norah Jones, Diana Krall, Stacey Kent ou Jane Monheit, Lisa Ekdahl possui um tom profundamente carregado de emoção e conquistou já por três vezes os prestigiados Grammy Awards. É normal que seja comparada porque é o que acontece muitas vezes a estes meninas-mulheres que se aventuram pelo mundo da música, procuram-se semelhanças ou simplesmente pontos comuns nas sonoridades. As comparações entre Lisa Ekdahl e outras mulheres do panorama do jazz mais soft, como Diana Krall ou Norah Jones pode vir da suavidade da sua voz, mas provavelmente a essência da proximidade estará na fusão sonora entre as áreas da pop e do jazz que a sua música apresenta.
Assinou pela EMI, mas já lançou discos mais pop por outra editora. Mais recentemente regressa às criações originais, destacando-se o trabalho com o songwriter e guitarrista Salavadore Poe, que a relançou em 2000, quando lançou o disco “Sings Salvadore Poe”. As sonoridades pop com influência da bossa nova não lhe trouxeram senão mais sucesso e qualidade. De facto, a música “Daybreak” é brilhante e, provavelmente, continua a ser uma das melhores no seu repertório.
Até agora lançou um total de oito álbuns, seis cantados em sueco e dois cantados em inglês, para além de ter tido algumas participações em álbuns de outros artistas. O seu último disco de originais data de 2006, de nome “Pärlor av glas”. Carregada de emoção, a sua voz de menina consegue ultrapassar a indiferença de um disco que toca numa sala como música ambiente e leva-nos a viagens diferentes pelo facto de ela própria ter vários registos.
Lisa Ekdahl estará em Portugal para três concertos: 14 de Novembro, no CCB em Lisboa, 15 de Novembro, na Casa da Música no Porto e 16 de Novembro no Cine Teatro de Alcobaça. O concerto em Lisboa será no Grande Auditório do CCB, às 21h, numa co-produção com o Lado B. Os bilhetes custam entre 10 e 30 euros.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 14.11.2008)

Concerto de Nina Nastasia em Famalicão


Nina Nastasia, singer-songwriter Nova Iorquina, começou a sua carreira musical no início da década de 90, mas o seu primeiro registo discográfico, que documenta aquilo que já era uma sólida e coerente carreira, surge apenas em 1999. Em finais de 2000 surge “Dogs”, pela editora Socialist Records, provavelmente o álbum mais marcante na carreira da artista. Esgotado num instante, também pela reduzida capacidade da editora, começou a ser ainda mais desejado pelos fãs, tendo sido reeditado em 2005 pela Touch & Go Records, também responsável pela edição do álbum “Run to Ruin”. O seu percurso continuou na mesma linha, a de um estilo muito seu, onde se destacam os arranjos de viola delicados e que entram em perfeita harmonia com a simplicidade da sua voz. Ao quarto álbum de originais, lançado pela F-Cat Records, continua nessa tranquilidade e renova a sua emoção, soltando a sua voz. Intimista, arrepiante e sensível é como Nina Nastasia se apresenta. Com apenas uma data marcada para Portugal, na Casa das Artes de Famalicão, esta é uma oportunidade de assistir a um concerto intimista, levando-nos a uma viagem a este seu universo. Ali vai revisitar, a solo, “Run to Ruin” e “On leaving…”. Dia 16 de Novembro, a promessa de uma noite áspera, mas suave.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 14.11.2008)

Dois Tempos


Esta noite e amanhã, o Teatro Camões recebe mais uma companhia convidada. O espectáculo está integrado no ciclo de dança que a Companhia Nacional de Bailado promove até Dezembro, que consiste em receber 6 companhias de dança portuguesas. Desta vez o nome que avança é o Quorum Ballet, com direcção artística de Daniel Cardoso. O espectáculo intitula-se de “Dois Tempos” e terá lugar nestas duas noites de Novembro, às 21h.
“Dois tempos” engloba “The Other Side” e “Relações”. A coreografia de “The Other Side” é assinada por Daniel Cardoso, Jonathan Hollander e Thaddeus Davis, directores artísticos do Quorum Ballet, Battery Dance Company e Wideman/Davis Dance, respectivamente. O principal objectivo deste espectáculo é a fusão da dança e da arte de Nova Iorque e de Lisboa. É explorado o tema da opressão, através da colaboração entre os três coreógrafos que unem os seus discursos, tendo como ponto central a existência da opressão a um nível global. “The Other Side” oferece uma experiência inédita e é uma peça fruto da colaboração dos três coreógrafos que juntam as suas experiências numa trilogia que representa o início de muitas e inovadoras criações artísticas. O programa conta também com a música original do compositor norte-americano Polar Levine.“Relações” apresenta uma coreografia de Daniel Cardoso. Cada bailarino vai construindo um carácter específico, baseando-se nas experiências e vivências do quotidiano e procurando definir uma determinada personalidade. Quando esboçadas essas personalidades criam ligações entre si, através da interacção que se vai desenvolvendo de forma tão espontânea quanto previsível ou incutida, que consequentemente determina outras interacções, como um ciclo. A determinado momento o público dá-se conta de que ele próprio faz parte das relações e se encontra em sintonia com a música e os bailarinos, e o que mais o prenderá, à partida, será essa consciência. “Relações” pretende levar as personalidades numa e a uma viagem coreográfica.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 14.11.2008)

Jazz na Culturgest


Este sábado, pelas 21h30, no Grande Auditório da Culturgest, terá lugar o concerto de Steve Coleman & Five Elements apresentado em colaboração com o Festival de Jazz de Guimarães. Ele é um dos músicos mais influentes do jazz contemporâneo, tendo uma abordagem muito singular à música, marcada por uma especial concepção metafísica do mundo.
Steve Coleman nasceu em Chicago em 1956 tendo aí feito a sua formação musical. O seu primeiro instrumento foi o violino, que cedo trocou pelo saxofone alto, quando tinha 14 anos de idade. Em Maio de 1978 mudou-se para Nova Iorque. Tocou com as Big Bands de Thad Jones-Mel Lewis, de Sam Rivers, de Cecil Taylor, entre outras, e participou em gravações como sideman com os líderes dessas bandas e outro grandes músicos como David Murray, Doug Hammond, Dave Holland, Mike Brecker e Abbey Lincoln.
Com uma extensa discografia, como líder, produtor ou sideman, uma larga experiência como professor, Steve Coleman é um dos músicos mais importantes no panorama do jazz contemporâneo, o que ainda torna este concerto mais apetecível. O preço dos bilhetes é de 20 Euros; jovens até aos 30 anos pagam 5 Euros.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 14.11.2008)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Joan As Police Woman - O vento que atravessa a floresta

American Soul Music por Joan

Ela é americana, sensual e tem uma voz densa. Chama-se Joan Wasser, mas é mais conhecida como Joan As Police Woman, nome retirado de uma série de TV doa anos 70. Tem um percurso profissional que brilha em qualquer crítica: já tocou com Antony Hegarty (Antony and the Johnsons), Rufus Wainwright, Lou Reed, Nick Cave, Laurie Anderson, The Scissor Sisters, entre muitos outros. Outra das etiquetas que lhe colocam é a ter sido namorada de Jeff Buckley, mas isso dá-lhe mística, é a verdade. Depois do disco de estreia “Real Life” (2006), sobe agora aos palcos para apresentar o segundo álbum em nome próprio, “To Survive”, lançado no passado mês de Junho. Este fim-de-semana toca em Guimarães, no sábado, e em Sintra, no dia seguinte.

Compositora, cantora, violinista, pianista e guitarrista, Joan Wasser desafia os limites do rock, jazz, soul, punk e r&b. Dona de uma voz quente, a sua música vai viajando por canções aconchegantes, que fazem parte de um universo soul-indie. Influenciada por Nina Simone, começou a criar música brilhante, que tem recebido aplausos da crítica internacional. Podemos falar de todos os nomes que já a influenciaram e com quem partilha momentos de música de incrível qualidade e vamos fazê-lo. Tocou com Lou Reed no fabuloso «The Raven», foi recrutada por Hal Willner para a banda de suporte da sua homenagem a Leonard Cohen, esteve na formação de Anthony & The Johnsons, faz parte do grupo de Rufus Wainwright e, antes que o fôlego acabe, também tocou com Nick Cave e teve bandas como os Dambuilders, Black Beetle ou Those Bastard Souls.
No entanto, diz que “quem a influencia é a vida, e que a sua música soa como o vento que atravessa a floresta.” A sua música transborda histórias e manifesta essa ideia de que a vida influencia a arte, pelo menos quando o artista assim o deseja. A sua música é difícil de categorizar, porque bebe influências no jazz, no soul. Ela própria acaba por o fazer melhor: “Já lhe chamei R&B Punk Rock, mas American Soul Music é melhor. Sinto que a minha música é o resultado da junção dos dois estilos de que mais gosto: Soul, aquele género que engloba desde Al Green a Nina Simone e Isaac Hayes, e depois tudo aquilo que veio do Punk – os Smiths, os Grifters, a Siouxsie Sioux.”. Joan cresceu numa grande proximidade a um clube de punk, o Anthrax, onde viu os Sonic Youth, os Black Flag e os Bad Brains.. Tudo isso deu-lhe vontade de ser ela própria uma participante activa no mundo da música e o seu violino, que começou a aprender desde os seis anos, depressa se juntou às bandas onde participava.

Joan tem também um interesse político muito forte e isso acaba por se respirar no seu trabalho. Ela gosta de vocalizar as opiniões que tem e de marcá-las de alguma forma. Esse interesse na política está manifestado no seu mais recente álbum, «To Survive», escrito depois do falecimento da sua mãe. Talvez por estas perdas na sua vida, muitas vezes as suas composições falam de amor e perda. Mas as suas canções são acima de tudo momentos sonoros em que Joan tenta ultrapassar a raiva que nasceu de sentimentos com os quais não sabia lidar. Ao vivo, a gestão desses sentimentos é o seu cenário. As pessoas sentem-se atingidas, porque ela sopra ventos fortes de sentimentos e sensações que nos atingem. E respira-se a verdade que ela mantém, depois de um percurso longo em que tentou fugir de si mesma. Sublime e sofisticado, profundo, sensorial, bom, é como se espera o concerto. Artistas assim não aparecem todos os dias e, no entanto, ela existe e está cá: Joan As Police Woman. Não é a primeira vez que vem a Portugal, já veio tocar ao Santiago Alquimista e fez a primeira parte de um concerto de Rufus Wainwright. Agora tocará no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra. E vale a pena a viagem a qualquer um dos sítios.
Ela é especial, prova-o a canção “Everybody here wants you” que Jeff Buckley lhe escreveu.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 07.11.2008)

O tempo moderno é velocidade


Do lugar onde estou já me fui embora
“VLCD!” pelo Teatro Meridional

“VLCD!” é um espectáculo que fala sobre a velocidade actual, do ponto de vista temporal. Dois conceitos que são atravessados através de um olhar humorístico. A verdade é que desde que o homem começou a medir o tempo, o tempo também o começou a medir a ele e às suas capacidades. De 12 Novembro a 21 de Dezembro no Teatro Meridional, com Carla Maciel, Fernando Mota, Luciano Amarelo e Miguel Seabra.

A velocidade que nos conduz nos tempos modernos é aquela que conduz o ser humano a um nível de vida material que se dissocia da sua própria felicidade. É aquela que surge como truque de uma sociedade moderna, a de consumo. “O Homem mede o tempo e o tempo mede o Homem”, diz um provérbio italiano.” É verdade que temos aumentado a produtividade, a riqueza e a prosperidade, tudo porque se começou a usar o tempo de forma cada vez mais intensa. Mas não nos afastamos de nós, da nossa essência? É o homem moderno mais feliz, por ser mais rápido? Hoje, o mais capaz é o mais rápido. Aquele que é o melhor empresarialmente é aquele que melhor usou o seu tempo, que fez mais coisas em menos tempo. Falar em tempo, hoje, significa acima de tudo compreendê-lo em velocidade, impõe-se uma nova ordem do mundo. Independentemente da qualidade, do valor intrínseco, da beleza, do afecto, o melhor é o que chega primeiro.
Claro que a rapidez com que se vive implica também que as vivamos mais superficialmente, sem aprofundamento algum, sem vivência interior, sem a essência imaterial dos objectos que suscitaram algures o nosso interesse.
No mundo em que vivemos as cidades acertam horas entre si, existem horários de verão e horários de inverno e o tempo mede-se por relógios, por telemóveis, por agendas. A capacidade de um transporte vê-se pela sua capacidade de nos fazer usar menos tempo. Tempo e velocidade. Mesmo que não haja tempo para abrir um livro no comboio mais rápido do mundo. Já chegámos? Onde queremos chegar afinal? Andamos sempre a correr.
“Anda-se tão apressado que tudo e todos os que possam atrasar essa marcha se transformam no inimigo. “- escreve Nuno Pino Custódio, responsável pela direcção cénica deste projecto.
Há muito que o tempo se tornou mensurável, espartilhável em todos estes meios: horários de escola, horários de trabalho, calendários, pda’s. “Não tenho tempo” é uma das expressões que mais entram nos nossos ouvidos, que mais dizemos por aí. Tempo é escasso e um recurso de luxo. Mas ao mesmo tempo que tomamos consciência destas coisas, também procuramos a felicidade. Há que ser feliz, aqui e agora, não numa vida depois da morte. Há que ser feliz, agora que por volta dos quarenta anos existe todo um tempo de vida que, do ponto de vista da reprodução da espécie, se tornou redundante.

Foi destas premissas que nasceu um espectáculo, feito do encontro de todos os seus criadores. Nuno Pinto explica-nos: “Um espectáculo edificado e projectado dramaturgicamente no espaço contemporâneo dos ensaios e que também ele se debateu, na sua fase de criação, com as mesmíssimas questões que eram, afinal, o seu objecto. Das alegrias, descobertas, dificuldades e também tantas angústias resultou uma oportunidade de crescimento e de valorização humana inesquecível. Como falar do tempo? Como traduzir através de acções essa sensação tão concreta e tão aguda de que já partimos do lugar onde acabámos de chegar? Como repetir emoções que, debaixo dos nossos narizes, no quotidiano, já nem damos por elas ou tornaram-se tão banais que são tidas como normais? Como fazer Teatro mais uma vez? “ A forma que encontraram foi partir da técnica de clown, trabalhando através do gesto e da criação colectiva.
Para o Teatro Meridional, hoje, responder à questão do teatro significa pensar através da relação dos que estão. Afinal, a maior viagem é aquela que vai de uma pessoa a outra e pode não ter fim. Se hoje pouco ou nada se experiencia, a forma melhor de contrariar isto é trabalhar a relação, porque o Teatro Meridional quer trabalhar a arte do presente.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 07.11.2008)
Fotografias © Margarida Dias

Tensão dos corpos em “Random”

Hoje e amanhã no Teatro Camões, às 21h, será apresentado o projecto Random, com coreografia de Rui Lopes Graça. Este espectáculo é fruto da colaboração entre duas estruturas: “Objecto Ansioso” e “Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo”.
Um espectáculo criado para cinco intérpretes, com aproximadamente uma hora de duração, cujo propósito é especular sobre uma experiência limite como a morte. Random tem origem exactamente nesse limite, sendo um exercício em torno desse último momento, essa última respiração, própria de um encontro com o limite. Por viver nesse limite, os corpos são tensos, provocam momentos soltos, desconexos e até destituídos de uma narrativa. Fazem fotografias, imagens que são de alguma forma depositadas num espaço de memória que se recria. Imagens que se precipitam de forma aleatória.
Random é um espectáculo onde a pulsão que emana dos corpos dos bailarinos contrasta com a inércia dos objectos que por vezes habitam o palco. Também existe contraste nas sonoridades, que vão desde o ambiente soturno aos ritmos dubstep, electrónica minimalista e experimental, até à música ambiente e acústica enraizada no folk. O ambiente sonoro criado impõe à obra momentos marcadamente distintos entre si e momentos que por vezes se diluem da forma etérea na atmosfera criada. Random é uma obra tensa, obscura e emocional. A estreia de Random é hoje no Teatro Camões a 7 de Novembro às 21 horas com repetição no dia 8 à mesma hora.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 07.11.2008)
fotografias © Adriano Lira

Teatro, Prazer e Risco

Vera Borges entrevistou cinquenta pessoas que se dedicam ao teatro. Este livro é exactamente o conjunto de cinquenta histórias da vida artística de actores e encenadores. “Teatro, Prazer e Risco. Retratos sociológicos de actores e encenadores portugueses”
“Como chegaram ao teatro? O teatro é uma paixão, um prazer, um apelo forte pela arte? Porque razões perseguem até ao limite e “pagam o seu sonho”: fazer teatro? O que fazem hoje aqueles que conseguiram vencer as adversidades e trabalham nos grupos de teatro?” – estas são algumas das questões que colocou, porque afinal a arte é uma forma de estar.
Vera Borges é investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS-UL), doutorada em sociologia e a sua investigação avançou sobre a actividade teatral em Portugal – inédita no nosso país – que envolveu 102 grupos de teatro e 140 profissionais do meio e concluiu que a incerteza quanto ao futuro é uma das tónicas dominantes do discurso de todos aqueles que trabalham no meio. Para isso, muito contribui a ausência do reconhecimento, por parte do Estado, de qualquer condição de distinção ou de enquadramento legal da profissão.
A falta de meios, de condições de trabalho e de estatuto profissional são os maiores problemas que hoje se levantam aos actores e encenadores portugueses. Nota-se uma marca comum nos seus discursos: o risco, a instabilidade e a incerteza das suas carreiras, os “contratos a recibos” durante anos com o mesmo empregador.
Ainda assim o número de artistas não pára de aumentar. Este aumento exponencial deve-se entre outros factores: ao prazer, à componente de realização pessoal e vocacional associada a estas actividades, e às exigências de criatividade e inovação das sociedades contemporâneas. Sendo em grande número, os artistas são cada vez mais competitivos nos mercados e procuram chamar a atenção do público.
Alguns destes grupos de teatro chegaram ao fim do seu percurso mas não aconteceu o mesmo com as pessoas que os fundaram, que neles trabalharam como actores permanentes do elenco ou actores convidadosEsta obra surge na sequência do livro ‘O Mundo do Teatro em Portugal’, publicado em 2007, que retrata uma extensa e aprofundada investigação sobre a actividade teatral do nosso país, no que se relaciona com a profissão de actor, as organizações e o mercado de trabalho.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 07.11.2008)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Nneka e Thievery Corporation agitaram as noites

Mood dança, dádivas de energia

Lisboa anda a ser invadida por concertos inacreditáveis com festas garantidas. Tanto os Thievery como Nneka tinham estado este ano em Portugal, em festivais de Verão. Ambos voltaram ainda mesmo antes do final de ano. No passado dia 19 de Outubro, o Coliseu encheu para receber os Thievery Corporation. Na passada 3ª feira, o Lux apresentou uma casa cheia para ouvir e sentir a música de Nneka. Com linguagens musicais totalmente distintas, estes dois mundos apresentaram coisas em comum: noites inesquecíveis, dádivas de concertos de qualidade onde se transpirou boa vibração e onde se dançou até não se poder mais.


Thievery aquecem a noite
Depois de terem encerrado a edição deste ano do festival Paredes de Coura, Eric Hilton e Rob Garza, mais conhecidos como Thievery Corporation, regressaram a solo nacional para um concerto em nome próprio. Trouxeram na bagagem uma mão cheia de convidados para apresentar o novo álbum “Radio Retaliation”, através de temas como “Vampires”. A multiculturalidade do projecto foi tomando voz através de vários sotaques de diferentes vocalistas, passando por momentos de percussão africana, sons orientais, dança do ventre e reggae. No fundo do palco, junto à dupla que deixou a boca de cena para o foco nos vários convidados, passavam imagens de populações de vários países e da própria banda, que já no fim confessou que Lisboa é uma das suas cidades preferidas, com a mística inerente de ter sido a urbe de estreia onde tocaram quando vieram pela primeira vez à Europa.
A festa foi-se fazendo de sorriso nos lábios e muita dança nas ancas. O calor que se fazia sentir no Coliseu misturava-se com o espírito de intervenção de “Revolution Solution” e "El Pueblo Unido", apresentado já quase no final do espectáculo. Já no encore, depois de duas horas e muito de concerto, tocaram "The Richest Man in Babylon", mas as almas estavam sedentas de mais e os corpos queriam dançar até ao fim da noite. A banda regressou para um segundo encore no qual oferece o intimista “Marching the Hate Machines”, antes de saírem. As luzes do tecto acenderam, mas eles voltaram para mais um tema não programado, apresentado pela cantora brasileira, que veio “substituir” Seu Jorge em alguns temas. “Sol Tapado” foi a canção escolhida para o fim de um concerto suculento. Extasiante, essa noite de domingo, em que quando saímos ainda se sentia o calor.


Animal de palco, Nneka tem atitude
Nneka esteve este verão no Sudoeste. Voltou agora para dois concertos. Veio da Nigéria, passando pela Alemanha e aterrou no Porto. A invicta foi convencida na noite anterior ao Lux. O piso inferior da discoteca estava a rebentar pelas costuras mesmo antes do concerto começar. Ao som dos ritmos reggae, hip-hop e soul, a artista revelou-se uma mulher, com cara de miúda, cheia de atitude e feeling na voz. «No Longer at Ease» era o mote. De punho erguido, foi usando os interlúdios para os seus manifestos políticos. Apesar de muitos não estarem claramente com vontade de os ouvir e estarem apenas lá para a festa, essa é a essência de Nneka e sem ela seria tudo menos intenso. É por essa vontade de se manifestar, de protestar contra as petrolíferas e de sentir tão penosamente a fome em África, que Nneka se torna tão genuína.
Com ritmo na cintura e de olhos fechados, ergue os seus pensamentos e canta com alma. Nneka é muitas vezes comparada a Lauryn Hill ou Ursula Rucker, mas ela é um pouco delas e muito mais que isso. Entre o comprometimento político e uma linguagem sonora muito bem conseguida, conquistou o seu espaço. O palco do Lux fica-lhe bem, melhor ainda se fosse um ainda mais pequeno ou estreito clube nocturno. Na sala estremeceu-se e transpirou-se dança em versão rendida. Eu rendi-me à sua atitude de manifestação de quem balança num mix urbano-africano. Ela é transversal. A sua entrega tão imensa num corpo tão pequeno, mostra-a enquanto animal de palco. As suas canções são lançadas ao mundo. O modo como as recebem é que pode ser diferente. A rapariga volta em Março.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (ed.31.10.2008)

A argentina em Lisboa, na voz de Cristóbal Repetto


Uma viagem a Buenos Aires dos anos 30

É a primeira vez que o argentino Cristóbal Repetto vem a Portugal. Promete-se uma viagem a Buenos Aires dos anos 30, em que o meio de transporte utilizado é um conjunto de tangos que nos contam histórias de amores e desamores, de encontros e desencontros. Segunda-feira, dia 3 de Novembro, pelas 21h30, no Grande Auditório da Culturgest.

Cristóbal Repetto é um nome que ainda é meio desconhecido, mas é urgente conhecê-lo. Com 29 anos, o argentino apresenta um estilo único e sublime. Afastado do que é comum, parece ter a voz mais velha e mais nova do tango ao mesmo tempo. É velha quando canta, quando recupera canções antigas, quando lhes dá um toque viciante; é nova porque as completa com uma visão e uma perspectiva de modernidade, pela sua inovadora maneira de interpretar, sem deixar de estar incrivelmente bem enquadrado na história do tango argentino.
Nascido em Maipú, Crisóbal Repetto é dono de um canto invulgar, que vai muito para além da idade e dos géneros. Quando o ouvimos lembramo-nos de Gardel e do som das grafonolas. Descoberto por Daniel Melingo, um dos mais conhecidos inovadores do tango, foi com ele que dividiu uma série de concertos em diferentes palcos de Buenos Aires e Montevido. Em 2001 começa um percurso mais individualista e lança o seu primeiro disco em 2004, com produção artística de Gustavo Santaolalla, que foi nomeado para os Prémios Gardel para “Melhor Álbum Masculino de Tango”. Com o lendário cantor Juan Carlos Godoy gravou o disco Café de los Maestros, também produzido por Santaolalla e nomeado para os Grammy latinos 2006.
"Em Lisboa vou apresentar canções do meu primeiro álbum, mas também algumas do próximo, além de mostrar canções campesinas, o que não é muito vulgar num repertório de tango", disse Cristóbal Repetto à Agência Lusa. Repetto afirmou que o seu canto "pretende unir a música do campo com a da cidade", já que, acrescentou, "na origem do tango está o folclore argentino". Antigas canções esquecidas recuperadas que são diferentes pela sua maneira diferente de cantar o tango. Síntese entre o crioulo e o urbano, apresenta-se neste concerto acompanhado apenas por uma guitarra, recuperando canções que estavam destinadas a permanecer no esquecimento ou na recordação de muito poucos.

Quando fala do seu canto, avança que a sua voz espelha um misto do que foi – cantor de folclore – com o que é hoje – cantor de tangos. Cristóbal gosta de recuperar canções situadas entre os anos 20 e os anos 40 e que foram cantadas por mulheres, demonstrando-lhes respeito e admiração, sendo o tango principalmente cantado por homens. Aliás em entrevista à Lusa, Repetto fala do respeito que sente que os portugueses têm pelas mulheres no universo do canto, falando de nomes como Cristina Branco. O fado e o tango têm pontos em comum, são canções que são oferecidas ao público e géneros com história, que fazem parte de uma memória cultural efectiva. O tango é parte de uma herança cultural, como o fado. Ambos demonstram identidades de povos. O ritmo, os temas abordados e a forma como a poesia se interliga com a melodia, são outras características comuns aos dois géneros musicais. "Tanto o fado como o tango - disse - são canções de alma, estão no coração das pessoas, nunca estão na moda e são intemporais".

Relativamente ao seu próximo álbum, que será mais nostálgico e que fala mais de relações entre pessoas, de várias naturezas, estará pronto no final do ano e no mercado em princípios do próximo. Por agora apresentará algumas canções na segunda-feira. Para o concerto trará poetas contemporâneos e algumas composições suas. Homenageará a cantora chilena Violeta Parra, uma das suas influências e trará tangos e canções sul-americanas. Ele quer ser "um embaixador da canção argentina, tanto a urbana como a campesina, como as milongas campaneras, entre outros estilos", tendo-se aproximado do tango, ainda jovem, pois encontrou nele a identidade cultural da Argentina. Parece-me que é óbvio que Cristóbal vive a canção argentina, vive o tango e tem uma capacidade inata para transmitir. Sente-se na sua voz e por isso, certamente, apresentará um concerto de momentos intensos, acompanhado apenas pela sua guitarra.


ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (ed.31.10.2008)

A crise no mercado da arte


Nem o mercado de arte escapa da crise financeira global. Os coleccionadores elevaram os preços das obras de arte. A retirada de um quadro de Picasso do leilão da casa londrina Sotheby's, anunciada a terça-feira passada e o cancelamento das contratações pelo MoMA de Nova York são alguns indícios de que a actual crise financeira passou definitivamente a afectar o mercado da arte. Lembremo-nos que há anos que se questionava quando iria acabar o boom dos últimos anos provocado por uma procura com contornos histéricos que levou a preços astronómicos das obras de arte.
A própria Sotheby's não conseguiu vender, no passado dia 17, uma importante pintura do artista alemão Gerhard Richter, por vários anos considerado o artista mais caro ainda vivo. Ninguém ousou pagar os cerca de 9 milhões de euros pedidos pelo quadro Jerusalém (1995). No mesmo leilão, a pintura Caveiras (1976), do americano Andy Warhol, trocou de dono por 5,5 milhões de euros, bem abaixo dos esperados 8,75milhões de euros. Por receio que as turbulências dos mercados financeiros também se repitam no mercado de arte, a casa londrina de leilões anunciou a retirada da pintura cubista de Picasso Arlequim (1909), avaliada em 24 milhões de euros, do leilão que realizará na próxima segunda-feira.
Por depender principalmente de patrocínio privado, sobretudo a cenaartística norte-americana está propensa a ser atingida pela crise. Neste contexto, o director do Museu de Arte Moderna de Nova York, Glenn Lowry, declarou ao New York Times: "Nós sabemos que uma tempestade está sobre o mar e que chegará à terra. Não temos ainda ideia da sua dimensão e de quando chegará".
Na semana passada, o MoMA cancelou ainda novas contratações de pessoal. Ainda neste ano, o orçamento será reduzido em 10%. Outras instituições também tomaram medidas de economia, tais como o Museu de Arte Contemporânea de Honolulu, no Havai, que teve de demitir 25 pessoas, mais da metade de seu pessoal.
A dependência da arte norte-americana do dinheiro privado é enorme.Somente em 2006, os americanos doaram cerca de 10 bilhões de eurospara instituições culturais. Por outro lado, a contribuição do governonorte-americano para o fomento à arte e à cultura representa somenteuma fracção desta quantia. Em comparação, na Alemanha, os subsídiosfederais, estaduais e municipais para a cultura perfazem cerca de 8bilhões de euros.
Max Hollein acredita no futuro da arte. Entre as instituições alemãs mais prejudicadas pela falência do grupo financeiro norte-americano Lehman Brothers, estão a Schirnhalle e o Museu Städel de Frankfurt, dirigidos por Max Hollein, filho doarquitecto austríaco Hans Hollein.
É longa a lista de patrocinadores privados de Hollein, que agora senteos efeitos da crise. Comentando seus efeitos no mercado da arte, odirector declarou, em entrevista à Spiegel Online, que o mercado daarte não é algo autónomo e, como no final dos anos de 1980, a bolha domercado da arte também estourou devido a uma crise financeira.Optimista quanto ao futuro, Hollein acresceu: "Mas isto não quer dizer que, em tempos difícil, nada mais é possível. O Museu de Arte de NovaYork foi criado no ano da crise de 1929".


ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (ed.31.10.2008)