sexta-feira, 27 de março de 2009

Ouvir: Ver – A experiencia do som no cinema

A complementaridade entre som e imagem
Ciclo de cinema na Culturgest




A partir da próxima quarta-feira, dia 1 de Abril, às 18h30, o Pequeno Auditório da Culturgest receberá o ciclo de cinema “Ouvir: Ver – A experiencia do som no cinema”. Com programação a cargo de Ricardo Matos Cabo, este programa propõe a abordagem das relações entre o som e a imagem no cinema. De 1 a 6 de Abril, com bilhetes a 3.5 euros e um conjunto de 14 sessões de cinema.

Apesar do ponto de partida ser a relação do som e da imagem no cinema, este não é um programa que esteja restringido a isto, ao som no cinema ou ao desenvolvimento do sonoro, procura antes ser um “percurso por diversas formas de pensar as complementaridades entre o som e a imagem; por tentativas de harmonização/conflito entre os dois elementos; finalmente, por uma série de obras muito diversas entre si que privilegiam as questões relacionadas com a visualização da experiência sonora pelo meio da imagem.”
O cinema nunca terá sido realmente silencioso, foi mudo, como refere Hollis Frampton, mas a partir do final dos anos 20, dá-se uma expansão industrial da tecnologia de som no cinema. A própria mudança progressiva e generalizada para o sonoro instituiu uma tensão entre as duas entidades som/ imagem, exploradas agora neste ciclo, que retoma o título de um texto de Paul Sharits sobre a natureza das relações sonoras, a harmonização entre som e imagem, a composição visual, a complementaridade entre imagem e som, as descontinuidades e as rupturas entre os dois elementos.
O programa possibilita um percurso por alguns momentos e obras, reflectindo, entre outras questões, “a exploração das contradições latentes nas práticas industriais e meramente reprodutivas do som (Fisher), uma pesquisa "enciclopédica" sobre as relações entre o som e a imagem tendo por base os jogos de linguagem (Snow), a procura de uma síntese entre a representação e a música (Kagel), alguns filmes documentais em que o som é parte fundamental para a orquestração dos elementos da imagem (Cavalcanti, Wright), exemplos de fronteira na viragem do mudo para o sonoro (com o primeiro filme sonoro soviético, o espantoso Sozinha), explorações poéticas e orquestrais sobre a natureza da escrita Sonora, o privilégio do imagismo e do silêncio (Brakhage, Hutton) e o privilégio da observação visual e sonora como princípio de composição fílmica (Benning, Tsuchimoto).”
O ciclo terá nos seus 6 dias de duração sessões às 18h30 e às 21h30 (sábado e domingo também às 15h/15h30) que englobam sempre mais do que um filme e que têm sempre uma visão destas duas linguagens e da sua história.
A abertura do ciclo dá-se com “Histórias Sonoras”, de onde se desataca o filme Odna (Sozinha) de Grigori Kozintsev e Leonid Trauberg (1931), uma das referências mais importantes da transição do mudo para o sonoro. Na mesma noite “Os ouvidos, mais atentos do que os olhos” com Entuziazm (Sinfoniia Donbassa) de Dziga Vertov, 1930 (1972), entre outros. Um documentário de Dziga Vertov em três movimentos sobre o primeiro plano quinquenal soviético do final dos anos 20. É um trabalho de montagem e organização sonora das imagens numa crescente tensão entre o som e a imagem. O filme, redescoberto pelos movimentos de vanguarda da década de 60, é aqui apresentado no restauro feito por Peter Kubelka, que restituiu ao filme a relação original pretendida entre o som e a imagem.
Na quinta-feira, “Já sabemos ver, mas agora vamos ouvir a erva a crescer”, de onde destacamos Le Tempestaire de Jean Epstein (1947). O filme de Epstein é o culminar da reflexão cinematográfica do realizador e uma verdadeira revolução sonora. À noite, “A orquestração sonora” com documentários que evidenciam a criatividade da Unidade de Produção Cinematográfica dos Correios Britânicos na década de 30.
Sexta-feira, as propostas são “O sentido silencioso do filme: Stan Brakhage” e “Robert Beavers: a arquitectura sonora do cinema”, onde se apresentam filmes que abordam estas duas figuras do cinema.
No sábado, “Correspondências entre o som e a imagem”. A procura de uma equivalência entre o som e a imagem corresponde, na história do cinema, a um género particular de exploração das possibilidades contidas no próprio material fílmico. Os filmes apresentados nesta sessão investigam a complementaridade e interacção som/ imagem, a possibilidade de tornar visíveis os sons através da síntese sonora. Mais tarde, projectam-se filmes de Mauricio Kagel, e às 21h30, “A voz: série, repetição”, sessão organizada segundo um princípio comum a todos os filmes: a exaustão de uma forma através da repetição e da reverberação.
O último dia do ciclo conta com “Michael Snow e as relações som – imagem”, “Uma sinfonia urbana” e “Olhar e ouvir: James Benning”.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (27-03-2009)

A força de pensar e agir no momento

“A Mãe” de Brecht, no colectivo
19 a 22 de Março na Culturgest


“ (…) Deus poderá condenar-te no dia do juízo, a chorar de vergonha, recitando de cor os poemas que terias escrito, tivesse sido boa a tua vida.”. Pensar e agir hoje. Improvisar no momento. Pensar o futuro e fazer agora. Esta era a proposta. “A Mãe” que já foi de Brecht, foi, hoje, deste colectivo, impulsionado por Gonçalo Amorim, e procurou criar novas formas de teimosia, propondo uma revolução: a de pensar e agir hoje.

A ideia de ver a mesma peça nas suas quatro apresentações em Lisboa (19 a 22 de Março) pode parecer estranha, mas possibilita uma visão daquilo que nos destacavam no processo: a existência de improvisação, o trabalhar com a energia do momento, o fazer agora, tal como se comunica neste espectáculo. “E o nunca transforma-se em hoje ainda!”.
Gonçalo Amorim mostrou-se mais do que um encenador, um criador do espaço para um pensamento artístico de futuro, em colectivo. Actores, cenário, figurinos, luz, vídeo e música dialogam num só espaço que certamente não deixou ninguém indiferente, independentemente do que causou, pela sua capacidade de manifesto provocativo.
Num cenário de Rita Abreu, com soluções muito criativas, “A mãe” de Brecht é dita de forma integral, sem cortes, mas com ecos que tomam proporções gigantes ao longo de 2h30 de espectáculo. O estrado de madeira dá-nos a estrutura do chão, mas também se transforma em portas, e tem esconderijos de onde saiem objectos para a cena e para os actores. As linhas verticais criadas por elásticos e cordas fazem o contra-peso. As ventoinhas de repente tornam-se em impressoras de uma tipografia ilegal, ou do chão sai uma quantidade inóspita de objectos que criam uma cena inspirada em Godard, ou uma fábrica, onde as sombras se misturam com as projecções de vídeo.
Sente-se, através do cenário, mas também da energia dos actores, que existe uma ocupação total do espaço. Os elementos, sejam eles a arrumação do espaço/cenário, a música, o vídeo, ou a luz, estão integrados, sem criar grandes choques e fazendo com que a peça tenha a cadência certa nos seus movimentos. Estes elementos funcionam como ecos do exterior, entrando em diálogo, correndo-se muitas vezes o risco de ter demasiada informação para o espectador, mas o interesse passa também por uma situação de escolha, de participação do público.
Fala-se de linhas orientadoras das personagens, mas sem marcações cerradas, e essa liberdade de improvisação de que também Vânia Rovisco fala num dos textos sobre o processo, sente-se, quando temos a possibilidade de ver o espectáculo mais do que uma vez. Vemos que consoante a energia que corre, surgem elementos de representação novos, surgem novas pessoas, quando vemos Gonçalo Amorim a saltar para palco e dançar com o elenco numa das cenas mais fortes, ou quando percebemos que também Vânia Rovisco decide participar activamente no espectáculo, no momento, criando uma imagem nova em palco, juntamente com as árvores dos camponeses, percebemos de facto o sentido.
Esta presença da improvisação, não consciencializada pelo público ao visionar singularmente o espectáculo, sente-se de outra forma: na tensão que se cria, na força desta liberdade, na urgência que nos acaba por contagiar. Mesmo sabendo e vendo que nem todos os actores se lançaram neste processo de improvisação em palco, essa tensão está lá e os rasgos de genuidade que, no percurso do espectáculo, vão surgindo permitiram-nos perceber a proposta e viver mais o experimentalismo de Brecht.
O espectáculo respira num todo, sem grandes cortes entre cenas, com um ritmo alucinante, oferecido também pela forma como os actores vão tendo um papel mais físico, ou apenas de presença, como é o caso da morte quando assumida à boca de cena e depois presente em corpo, no palco, ou dos corpos que vão caindo ou correndo pelo espaço. São quadros que se vão construindo de forma subtil que dão ainda mais força à voz da história que nos vai sendo dada à boca de cena, por Pelagea Vlassova.
Este colectivo tinha algo para nos dizer. E disse. É a arte que volta e faz reflectir o quotidiano. “Temei menos a morte e mais a vida que não satisfaz”.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (27-03-2009)

segunda-feira, 23 de março de 2009

"A Mãe" de Brecht sobe a palco


Um processo colectivo, uma viagem estética e de emancipação
Ouve a tua Pelagea Vlassova


Na quinta-feira, dia 19 de Março, pelas 21h30, no Grande Auditório da Culturgest, terá lugar a estreia de A Mãe de Bertolt Brecht, com encenação de Gonçalo Amorim e música de Hanns Eisler, tocada ao vivo por João Paulo Esteves da Silva. O espectáculo será também apresentado nos dias 20 e 21, pelas 21h30, e no dia 22 pelas 17h00.

A Mãe não é encenada em Portugal há mais de 30 anos. Uma oportunidade para conhecer a história de Pelagea Vlassova, viúva de um operário e mãe de um operário. O background histórico é de crise, o período que antecede à Revolução Russa. Escrita por Bertold Brecht nos anos 30 e estreada em 1932, este era um espectáculo experimental. Agora volta a sê-lo.
Sobem a palco 10 actores: Bruno Bravo, Carla Galvão, Carla Maciel, Carloto Cotta, David Pereira Bastos, Mónica Garnel, Paula Diogo, Pedro Carmo, Raquel Castro e Romeu Costa, mas o projecto conta com muito mais contributos: música e vídeo completam o espaço cénico. Eles não são operários, como eram muitas vezes os grupos com quem Brecht trabalhava nas suas peças didácticas, mas são actores livres de modelos rígidos teatrais e de pensamento. Arriscam, improvisam, exploram-se a si e a este material que lhes foi concedido durante o processo de criação. Um processo colectivo, como numa fábrica em crise que entra em greve, partiram em residência para Guimarães, viram filmes, encontraram-se em palco praticamente todos os dias para experimentar coisas e pensar o futuro. Concluíram que o futuro só pode ser agora. Neste momento. Que pode existir uma Pelagea Vlassova em cada um de nós.

Falámos com Gonçalo Amorim (encenação) e Ana Bigotte (pesquisa dramatúrgica e apoio à direcção artística) no sentido de compreender esta visão de A Mãe.

Semanário: Quais as razões que te levaram à escolha de A Mãe?
Gonçalo Amorim: Escolhi A Mãe há dois anos. É certo que pode haver algumas ressonâncias com a crise mundial neste momento, ainda por cima porque Brecht escreve este texto em 31, com a Alemanha com a maior taxa de desemprego de sempre, e mais uma vez, agora, é a Alemanha a mais afectada na Europa.
Escolhia-a por várias razões. Principalmente por ser feita a partir da estrutura mínima, do núcleo familiar básico de uma família, da relação mãe-filho e por reflectir sobre opressores e oprimidos, um conflito constante e, parece que, perpétuo. Por outro lado, por ser uma viagem de emancipação, às vezes são as mães que se emancipam dos filhos para encontrar a felicidade.
Também porque as peças didácticas do Brecht, e esta é uma peça didáctica para ver, são peças de um período em que estava particularmente inspirado, escrevia muito rápido e criava muito. Todas as peças didácticas tinham música e eram estreadas em festivais de música experimental porque eram objectos difíceis de categorizar, e esses anos em que ele está a experimentar interessam-me particularmente.

Semanário: Foi esse experimentalismo que procuraste explorar também?
Gonçalo Amorim: A tal narrativa mínima permite-nos essa liberdade, criar também a nossa dramaturgia subterrânea. No inicio do trabalho propus à minha equipa que reflectíssemos sobre o futuro. Na altura tinha filmes na cabeça como o “Matrix” e andava à volta desses universos, mas depois acabámos por ir buscar outras referências cinematográficas ao longo do século XX, como o Pudovkin, o Kuhle Wampe, La chinoise, do Godard e o Opening Night, do Cassavetes. Vimos também a maneira do Brecht fazer, e pensamos o que poderia ser um corpo de 3000 e não sei quantos, em Marte.

Semanário: E o que é que é pensar o futuro?
Gonçalo Amorim: Pode ser básico, mas é fazer agora, é poder experimentar diferente todos os dias e ter uma margem de liberdade para o fazer. Isto acabou por ser o nosso reflexo do futuro, o nosso experimentalismo, por isso o espectáculo pode ser uma improvisação.
O futuro é agora, não só no palco, mas também em tua casa, transforma agora as coisas que achas que não estão bem e improvisa, com o teu património artístico e pessoal. Há um lado um bocado despretensioso, espero eu, ora se dança, ora se fala, não há um modelo teatral que seja o chapéu deste espectáculo. Acho que construímos uma viagem estética e de emancipação.

Ana Bigotte: Se chegávamos a um pensamento que se achava impossível, voltávamos às perguntas e à experimentação. Não vamos estar já cheios de preconceitos, vamos experimentar.

Semanário: Fala-se num dos textos de apresentação de “virar o presente e virar o teatro do avesso”, consideras que é uma peça de ruptura?
Gonçalo Amorim: Pondo-me de fora e tentando ser crítico, acho que não é uma peça de ruptura. Pode eventualmente ser de ruptura para mim enquanto encenador, ou para alguns dos artistas que estão aqui porque o processo foi longo e intenso, e fez-nos pensar muito como abordar o teatro e a nossa arte, a nossa vida. Acho que o objecto é fracturante porque põe em causa.

Semanário: Esperas que o público receba essa mensagem: “a ideia de mudar agora, no momento”?
Gonçalo Amorim: Eu não lhe chamaria mensagem, chamar-lhe-ia ressonância, porque faz-me muita confusão o teatro de mensagem, sigo antes um teatro comprometido, de fazer com quem está connosco. As matérias que se trabalham são amplas demais para conter uma mensagem, é quase uma bomba energética. Queremos antes mostrar inquietações, fazer com que cada um dos espectadores seja também um espectador emancipado, que olhe o objecto artístico, com opinião, para o tornar activo. Mais do que um teatro de mensagem, é um teatro de provocação, que enumera, que fala alto, que também fala baixinho, mas que fala e que não tem medo de dizer.

Ana Bigotte: Existe uma força colectiva para se mudar qualquer coisa. Não para ser uma tribo urbana ou um gueto artístico, uma força colectiva em que há velhos, desempregados, miseráveis e podem pôr as coisas de maneira decente.

Gonçalo Amorim: São novas formas colectivas de teimosia, não é tarde para pegares na trouxa e ir embora, para fazeres uma peça em tua casa, para fazeres o que te apetece.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (20.03.2009)

Goya viverá no Museu Rainha Sofia

Espaço de Artes Plásticas
Os “Caprichos” e os “Desastres” cedidos pelo Prado

Os “Caprichos” e os “Desastres da guerra”, de Goya, entrarão de forma permanente no Museu Rainha Sofia, cedidos pelo Museu do Prado. O acordo entre os dois centros foi confirmado esta semana pelo director do Prado, Miguel Zugaza. Este acto servirá a Manuel Borja-Villel, do Rainha Sofia, no sentido em que está a trabalhar na reordenação da colecção permanente da instituição, que começou há alguns meses. Com esta reorganização, mostra uma mudança substancial e histórica no discurso do Museu que preside.
Assim, em sua visão profundamente pessoal, o começo da história de arte moderna situa-se em Goya, e não no nascimento de Picasso, como tem vindo a ser entendido desde a fundação do museu em 1990. A ideia de mudança surgiu de Borja-Villel e se resolveu numa das reuniões entre os dois directores. Planeou-se uma actuação em duas frentes: conceptual e administrativa. Segundo as palavras de Zugaza “Goya explica como nenhum artista a arte do século XX.”.


No plano administrativo, era necessário mudar a normativa estabelecida no decreto de 17 de Março de 1995, que via no nascimento de Picasso um corte limpo entre as duas colecções. Não houve resistência na mudança por parte de nenhuma das administrações. Havendo acordo entre os dois museus seria absurdo que a lei se mostrasse inflexível, pelo que não se criaram obstáculos.
As 162 pinturas de Goya entre 1799 e 1810 fazem parte do depósito. O “Guernica”, propriedade do Prado estará no Rainha Sofia desde 1992, sendo uma das suas obras mais emblemáticas. Para Borja-Villel é claro onde situará Goya na sua visão do museu. A primeira mudança profunda é na colecção permanente desde meados dos anos 90 e que será apresentada ao público a 28 de Maio. Na nova ordem, as gravuras ficarão em diferentes espaços. O plano passa ainda por instalar “Os desastres da guerra” numa sala dedicada à “Espanha Negra”, junto a Zuloaga e a Gutiérrez Solana. Por trás desta decisão está a sua visão não formalista da história de arte, que fará conviver Goya com “A mulher azul” (1901) de Picasso, num grande espaço dedicado ao Modernismo e ao Decadentismo.
A segunda presença de Goya fará sentir-se na sala anexa, um espaço inspirado em “Luzes da Boémia”, de Valle-Inclán. Um exemplar original da obra estará junto a Darío de Regoyos, um dos novos vizinhos de “Os Caprichos”. “Este é o princípio de um diálogo constantemente entre as duas instituições”.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (20.03.2009)

terça-feira, 10 de março de 2009

Optimus Alive! 09 em Festforward


Planos para o Verão
Apresentação dos primeiros nomes

No final da passada semana, a Everything is New apresentou, em conferência de imprensa, o festival “Optimus Alive! 09”. Com já bastantes nomes confirmados, mas não todos, avançamos alguma da programação prevista para os dias 9, 10 e 11 de Julho em Oeiras.

Este ano o recinto contará com três áreas distintas: Palco Optimus, o principal palco do evento; Palco Super Bock, o palco alternativo patrocinado pela Super Bock; e o Epaço de Arte e Ciência, uma zona dedicada à arte e à ciência cujos projectos para a edição desta ano ainda não foram divulgados, mas que segundo Álvaro Covões, responsável pelo festival, serão anuciados em breve.
Confirmados estão os seguintes nomes. Dia 9 de Julho, Metallica, Slipknot, Lamb of God, Dave Matthews Band, Crystal Castles e TV On the Radio. No dia seguinte, Mastodon, Placebo e Erol Alkan. Dia 11, The Ting Tings e Los Campesinos!.
O dia 9 trará alguns dos maiores nomes do Metal. Os Metallica figuram nesta categoria desde que me lembro de existir. Com uma carreira profícua, editaram 9 álbuns, venceram 7 Grammys e tiveram 5 entradas directas para o primeiro lugar do top de vendas americano. James Hetfield, Kirk Hammett, Lars Ulrich e Robert Trujillo vão actuar pela primeira vez em Portugal desde a edição do último e aclamado disco de originais, “Death Magnetic”.
O festival conta com mais uma confirmação de peso para o dia 9 de Julho - os Slipknot. Os 9 mascarados de Des Moines, Iowa, actuam em Portugal depois de terem editado o quarto álbum de originais, "All Hope Is Gone". Nesse mesmo dia chegam também os Lamb of God, estreia em Portugal, que acontece depois do lançamento do quinto álbum de originais, "Wrath".
Ainda no dia 9, no mesmo palco, estará a Dave Matthews Band. Hoje, com 14 milhões de bilhetes vendidos e um Grammy ganho, a Dave Matthews Band é uma das bandas de top dos circuitos de concertos.
No Palco Super Bock estará o duo canadiano, Crystal Castles, que se apresenta pela primeira vez ao vivo em Portugal. A arrebatadora vocalista Alice Glass e o multi-intrumentista Ethan Kath são a dupla por trás de um dos mais originais projectos que surgiu nos últimos anos, alicerçado em samples corrosivos e vozes distorcidas. Os caóticos espectáculos ao vivo são uma das imagens de marca dos Crystal Castles e este é provavelmente um dos imperdíveis.
Esta semana, já depois da conferência de imprensa, a produtora Everything is New avançou outro nome para o dia 9. Os TV On The Radio estão há muito na boca do mundo. “Dear Science” é o mais recente registo de originais (2008) e esta era uma banda que alguém tinha de trazer a Portugal. As nossas preces foram ouvidas, e no próximo dia 9 de Julho vamos poder vê-los ao vivo, no Palco Super Bock do Optimus Alive!09.
No dia 10 o palco principal conta com os Mastodon, considerados uma das maiores certezas da cena metal, contando, inclusive, com uma nomeação para os Grammys na categoria de "Best Metal Performance", graças ao single "Colony of Birchmen", no qual colaborou Josh Homme dos Queens Of The Stone Age. O novo disco, "Crack The Skye", vai ser editado dia 23 de Março. Após um hiato de alguns anos, os Placebo regressam aos palcos, e escolhem o Optimus Alive!09 para apresentar as músicas do novo álbum, com edição prevista para Junho, no dia 10 de Julho. Formados em 1994, os Placebo demoraram apenas 2 anos para editar o primeiro disco, homónimo, que arrebatou o público e a imprensa especializada, graças a singles como "Nancy Boy" e "36 Degrees". Quatro álbuns de originais depois, os Placebo continuam tão actuais e originais como no início da carreira, tendo contado com David Bottrill na produção do novo disco.
O Palco Super Bock, neste mesmo dia, vai contar com um dos mais importantes DJ’s da actualidade – Erol Alkan. De descendência turca, o londrino é também um reputado produtor.
No dia 11, um dos nomes mais esperados. Com apenas um álbum editado, os The Ting Tings estabeleceram-se de imediato como um dos mais interessantes projectos ingleses da actualidade. “We Started Nothing”, o registo de estreia, entrou directamente para o primeiro lugar do top de vendas britânico, à semelhança do que aconteceu com o primeiro single, “That’s Not My Name”.
Katie White e Jules De Martino, são os dois The Ting Tings e actuam pela primeira vez em Portugal.
De Cardiff, no País de Gales, chega ao Optimus Alive!09, dia 11 de Julho, uma das mais entusiasmantes bandas britânicas da actualidade, os Los Campesinos!
Com o álbum de estreia, “Hold On, Youngster...”, os Los Campesinos! deram a conhecer ao mundo a sua pop frenética, cantada a duas vozes e com guitarras angulares. Passado pouco mais de um ano, numa prova de criatividade inquieta, editaram o segundo disco, “We Are Beautiful, We Are Doomed” onde levaram ainda mais longe o som característico que apresentaram no primeiro álbum.
Os bilhetes para o festival já estão à venda e custam entre 50 e 90 euros, bilhete diário e passe de 3 dias, respectivamente. Além de estarem à venda em Portugal, os bilhetes também estão à venda em Espanha e Inglaterra, o que revela a internacionalização do festival. Em conferência de imprensa, Álvaro Covões, afirmou estarem a receber propostas de concertos de países que nunca tinham recebido e que têm interesse em internacionalizar cada vez mais o festival, sendo que o ano passado tiveram 6000 visitantes estrangeiros e que o objectivo para este ano é atingir os 10000.
E mais está para vir, certamente. Aguardamos ansiosamente pelos próximos nomes.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (06.03.2009)

A crueldade depois do teatro


Retrospetiva de Angela Schanelec
Ciclo de cinema na Culturgest


Este mês, na Culturgest, será possível ver uma série de filmes de Angela Schanelec, enquadrados no ciclo “A crueldade depois do teatro”. Entre dia 12 e dia 15, o Pequeno Auditório recebe esta programação de André Dias. Uma visão do quotidiano das pessoas e dos momentos que fazem parte destas verdades comuns.

O cinema de Angela Schanelec define-se por uma atenção particular ao quotidiano das pessoas, principalmente a momentos em que existe uma reflexão sobre a sua vida. A realizadora vai ao seio das relações amorosas e familiares díficeis para encontrar personagens que lutam com as palavras, expondo-se aos limites que conseguem expressar. Plasticamente, o seu cinema tem uma beleza própria, revelando um cuidado extremo com a luz natural, oriundo da parceria com o director de fotografia Reinhold Vorschneider.
Os filmes têm também um teor autobiográfico e mesmo de feminista. Neles, mulheres emancipadas buscam uma vida com sentido. Mas tal nasce da intimidade, sem um discurso social que o justifique.
Angela Schanelec é uma das vozes mais importantes do cinema alemão contemporâneo. Nascida em 1962 na Alemanha ocidental, estudou representação em Hamburgo e foi actriz em vários grupos de teatro importantes, como a Schaubünhe de Berlim, até 1991. Desagradada com o modo de representação praticado, abandonou os palcos para voltar a estudar numa academia de cinema em Berlim – a dffb.
Desde 1995, Schanelec escreveu e realizou as cinco longas metragens de ficção, exibidas nos festivais de Cannes, Veneza e Berlim, que compõem esta retrospectiva integral.
O ciclo começa na próxima quinta-feira, às 21h30, com “A Sorte da Minha Irmã / Das Glück meiner Schwester” (1995, 35mm, 81’). “Ao começo da noite, à saída de um parque da cidade, Ariane conversa com Christian enquanto aguardam pelo autocarro. Ariane receia ser deixada por ele, que se apaixonou pela sua irmã Isabel... Com a própria Angela Schanelec como Isabel, esta sua primeira longa metragem centra-se na passagem do tempo sobre um doloroso triângulo amoroso.”
No dia seguinte, às 18h30 são projectados os seus primeiros filmes, “Bela Cor Amarela / Schöne gelbe Farbe” (1991, 16mm, 5’); “Muito Longe / Weit entfernt” (1992, 16mm, pb, 9’); “Praga, Março 92 / Prag. März 92” (1992, 16mm, 14’) e “Passei o Verão em Berlim / Ich Bin den Sommer über in Berlin geblieben” (1993, 35mm, 49’).
Realizadas no contexto escolar da dffb, estas primeiras curtas metragens, de natureza mais experimental, mostram a importância que o texto e a indagação dos lugares na cidade adquirirão na obra de Schanelec. A realizadora falará no início da sessão sobre as suas influências e o seu percurso.
Às 21h30 é projectado “Lugares nas Cidades / Plätze in Städten” (1998, 35mm, 117’). “Mimmi, jovem de amores incertos e relação difícil com a mãe, termina o liceu. Durante uma excursão a Paris, conhece um rapaz e passa a noite com ele. Ao voltar à Alemanha descobre que está grávida. Volta para Paris, onde hesita longamente sobre o que fazer. ”
No sábado, às 18h30, passa “Rainha de ouros / Queen of diamonds”, de Nina Menkes (1991, 35mm, 77’). Este filme foi integrado na programação, sendo a escolha de Schanelec para a apresentação de um filme de outro autor. Em vez de uma influência reconhecível, opta por uma realizadora sua contemporânea.
Às 21h30, poderá ver-se “De Tarde / Nachmittag” (2007, 35mm, 97’).Um retrato de família e de pessoas aprisionadas em si próprias nas tardes de Verão de uma casa de lago. A realizadora falará no início da sessão sobre os seus projectos e filmes mais recentes.
Domingo, 15, às 18h30, “A Minha Vida Lenta / Mein langsames Leben” (2001, 35mm, 85’). “Situações encontradas todos os dias, vezes sem conta. Uma tentativa de observar a vida de fora, em que a dispersão e a passagem entre personagens diferentes não impedem que se sinta a subtileza do que cada uma delas vive.”
Às 21h30, “Marselha / Marseille” (2004, 35mm, 95’). Sophie, uma jovem fotógrafa, passa uma temporada em Marselha, atenta à cidade e aberta aos encontros simples. Quando retorna a Berlim fica imediatamente submersa pela sua antiga vida, pela sua paixão pelo marido da melhor amiga, uma actriz desesperada pela falta de talento. Sophie volta a Marselha...
Este ciclo é uma retrospectiva do cinema desta singular realizadora. Não é um cinema de mutismo, é antes um cinema de luta pela palavra.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (06.02.2009)

segunda-feira, 9 de março de 2009

A arte como resposta à ideologia


Deus. Pátria. Revolução
Teatro musical com repertório ultrapassado

“Deus.Pátria.Revolução” resulta de uma recriação musical de um vasto repertório que marcou o período da ditadura salazarista e o período pós 25 de Abril. É uma mistura de temáticas, num universo umas vezes erudito, outras popular. O espectáculo é uma co-produção do Centro Cultural de Belém, do Teatro Nacional de São João e do Ar de Filmes. É agora apresentada no Pequeno Auditório do CCB, a 28 de Fevereiro, 1 e 2 de Março.

Um espectáculo de teatro musical da autoria de Luís Bragança Gil, que assina também a direcção musical e cénica. Luísa Costa Gomes é responsável pela dramaturgia, e a dupla, depois de divertidos recitais satíricos de música e poesia, como foi o caso de “Libentíssimo” e “Libentíssimo 2”, estreados em 1999 e em 2002, respectivamente, no CCB, apresenta uma nova criação.
Hinos, marchas, canções portuguesas de cariz fascista juntam-se a outras de timbre revolucionário ou religioso, numa viagem pelos diversos géneros musicais, formando um mosaico de imagens de Portugal. Este não pretende ser um espectáculo revivalista, nem apresentar um medley com as “Melodias de Sempre”, mas “Deus.Pátria.Revolução” procura trazer para um lugar contemporâneo, um repertório considerado ultrapassado e trabalha sobreposições de estilos musicais, que vão dos hinos da Mocidade Portuguesa às canções da resistência, do nacional cançonetismo às canções de Abril.
A história é esta: Luis Bragança Gil ouviu o ciclo “Marchas, danças e canções” de Fernando Lopes-Graça e surgiram-lhe uma série de questões. “Na altura, enquanto compositor, muitas interrogações invadiram o meu pensamento. O que acontece à Arte quando tem de cumprir um programa, uma ideologia? Até que ponto os modelos musicais das diferentes ideologias são irremediavelmente os mesmos, dada a sua eficácia? Será que escrever música ao serviço de uma ideologia corresponde realmente a um gesto de autenticidade artística? Será possível voltar a interpretar e ouvir essas músicas quando o contexto político e social mudou radicalmente? Como poderão hoje fazer sentido as palavras musicadas de hinos e canções que se referem a realidades que já não existem? Terá algum interesse?”
A partir de uma pesquisa que realizou, que passou pela investigação do espólio da Mocidade Portuguesa depositado na Torre do Tombo e pela recolha de partituras e de bibliografia sobre o regime do Estado Novo de Salazar, ao mesmo tempo que iniciava a investigação para a sua tese de mestrado subordinada ao tema “Canção da revolução entre 1960 e 1985: Tipologias Musicais”, que o levou a estudar todo o repertório de alguns cantores de intervenção dessa época, chegou a um novo bloco de questões: “Como se explica que todo um repertório retrógrado de propaganda fascista que todos os meninos e meninas deste país foram obrigados a aprender possa, ainda hoje, ser cantado alegremente tanto em privado, como em festas? Se deixámos de ouvir publicamente este repertório, que anteriormente foi cantado por tanta gente nas grandes manifestações de massas, fascistas ou revolucionárias, para quê desenterrá-lo agora, dar-lhe novamente voz, ainda por cima num palco?”
A partir daí o desafio estava lançado. O desejo de revisitar este espólio e estas histórias musicadas, sem cair numa interpretação histórico-musicológica era o mote desta criação. O que deu norte à dramaturgia de Luísa Costa Gomes foram as músicas, é aí que está toda a origem. Luís Costa Gomes afirma a propósito do procresso dramatúrgico: “Procurou fundamentalmente duas coisas: que a música falasse e que falasse (quase) sempre do nosso Portugal e dos nossos dias. Que a música mostrasse a sua força. Assim se foi criando uma espécie de história de Portugal em tempo de marcha, que se organiza em “quadros”, à maneira da revista à portuguesa; mas que procura as pontes, as ligações entre os sons, que ecoam e ressoam uns nos outros, uns contra os outros. “
O espectáculo assenta em diversas imagens, que nunca estão num só plano, existem diferentes visões e sempre passíveis de várias interpretações. Musicalmente os processos criativos são múltiplos. Uma colagem de músicas, numa recriação não só musical, mas também histórica e sociológica. Passa-se por sonetos de Camões, canções de José Mário Branco, José Afonso, hinos e outras ladainhas. A ver, como corre a revolução.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (27.02.2009)

Onde ficou o pulsar?


Nitin Sawhney em Lisboa
Concerto em retrospectiva

Nitin Sawhney esteve em Lisboa para um concerto global, mas sem a energia que se esperava. Na passada terça-feira, o Coliseu de Lisboa encheu e à hora marcada começou um concerto que durou pouco mais de 1hora e quinze minutos e que não se conseguiu aproximar da intensidade de qualquer um dos outros espectáculos já realizados, pelo músico, em Portugal. Valem-nos os álbuns que continuam a revelar um imenso talento.

O músico inglês de origem indiana Nitin Sawhney é considerado um dos mais talentosos e criativos nomes do panorama da música actual, tendo já desenvolvido trabalho como dj, produtor, músico, multi-instrumentista e orquestrador. Com uma linguagem musical única, incorpora na sua sonoridade influências de todo o mundo e uma série de géneros musicais – sonoridades asiáticas, ritmos latinos, drum n’bass, jazz, hip-hop, club, chill-out e world music. Com sete álbuns editados, todos aclamados pela crítica, Sawhney veio para promover o seu trabalho mais recente “London Undersound”.
Este álbum faz-nos reflectir, sendo ele próprio uma reflexão musical, sobre as mudanças sentidas na cidade inglesa nos últimos anos, principalmente desde os atentados de 7 de Julho de 2005. No interior do disco podemos ler: “London’s Heartbeat his Changed. Within that Heartbeat there lies a feeling, a collective consciousness, the uniting hum of disparate voices waiting to be heard. A sound.”. É verdade que Londres tem um carácter cosmopolita, que se traduz numa sonoridade muito própira, ecléctica, que revela diversidade, num pulsar de uma cidade onde a música está muito presente. Através deste álbum, Nitin procura uma vez mais a reflexão social e política, uma viagem a diversas identidades culturais, e muito pela quantidade e qualidade dos convidados que participam neste trabalho, consegue dar-nos uma colecção de pensamentos, de ideias e de sentimentos, exactamente como queria. Transmitir a imensa diversidade da cidade que ele próprio viveu e que sente que mudou.
Mas esse beat que consegue no disco, mesmo em canções que apresentou em concerto no Coliseu, como “Days of Fire”, com Natty (que infelizmente não veio a este palco) ou “October Daze”, cantada pela própria Tina Grace, acabou por se perder neste espaço lisboeta. O pulsar não ecoou pelo Coliseu e a energia estava em baixo.
Nitin Sawhney entrou no palco para encher de espiritualidade uma noite de quase primavera, pelo menos essa era a promessa. Os factores adversos em muito devem ter contribuido negativamente para a sua prestação: problemas vocais provocados pela inflamação da garganta, questões técnicas pouco favoráveis e a falta do vocalista indiano que o acompanha na digressão, deportado uns dias antes. Mas estes factores foram mesmo marcantes e parecem ter contribuido para uma perda de energia notória na prestação de Nitin Sawhney. O palco contava com a presença de Nitin, maioritamente na guitarra acústica, com apontamentos nas teclas de vez a vez; com o baterista, o percusionista e o violoncelista. Nas vozes estiveram Luci Jules e Tina Grace, a assegurar, com profissionalismo, as canções, mas foi notória a falta de uma voz masculina.
O concerto foi homogéneo, sem grandes pontos altos, mas com bastantes regressos a álbuns anteriores, como foi o caso de “Sunset”, de “Prophesy”, “Immigrant”, de “Beyond Skin”, dedicada ao vocalista deportado, e “The Conference” tirada também desse mesmo álbum. Mesmo estes recuos na sua história discográfica não faziam sentido e não encaixam na postura de Nitin, de alguém com um percurso marcado e com um novo álbum na bagagem. A procura de um ganhar de território, certamente já conquistado, fizeram com que se perdesse energia. Até “Dead Man”, de “Philtre” perdeu o seu rasgo na voz de Luci Jules. Até “Homeland” do antigo “Beyond Skin” foi tocada duas vezes, uma como despedida, o que de facto nos faz questionar qual o intuíto desta digressão. De “London Undersound” ouviu-se "October Daze", a acutilância de "Days of Fire", uma homenagem ao brasileiro Jean Charles De Menezes abatido a tiro por engano pela polícia no metro londrino, mas à qual faltou a intensidade de Natty, e "Distant Dreams".
É inegável a qualidade do músico, os momentos de fusão de músicas e a globalidade das sonoridades, mesmo neste concerto, mas parece ter sido tudo feito a lume brando, mas sem a capacidade de apurar. Espera-se um melhor regresso para uma próxima vez. Até lá ouve-se o heartbeat conseguido em “London Undersound”.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (27.02.2009)

Exploração do sentido de comunidade


O teatro como forma de capacitação
“A mulher que parou”


“A mulher que parou” é um espectáculo desenvolvido entre amadores e profissionais. Tiago Rodrigues é o autor, Cláudia Gaiolas e Pedro Carraca encenam, e o grupo de teatro Nu Kre Bai Na Bu Onda, da Cova da Moura, interpreta. A ideia, à partida, é interessante e de valor social e artístico. Estará em cena, no espaço alkantara, em Santos, até dia 15 de Fevereiro.

“Nu Kre Bai Na Bu Onda” significa, em crioulo, “Nós queremos ir na tua onda” e é um grupo de teatro que nasceu no âmbito do projecto com o mesmo nome, desenvolvido pela associação cultural alkantara, iniciado em 2007. Este é um projecto artístico desenvolvido na Cova da Moura, na Amadora.
NKBNBO avança no sentido da capacitação e desenvolvimento de competências em várias áreas artísticas, e tem a duração de três anos. Constituído numa parceria entre a Associação Cultural Moinho da Juventude, a Junta de Freguesia da Buraca, a Associação de Solidariedade Social do Alto Cova da Moura e alkantara, está incluído no Programa Escolhas do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural.
Na área do teatro são os encenadores Cláudia Gaiolas e Pedro Carraca que estão a desenvolver este projecto, tendo constituído um novo grupo, de raiz, e desenvolvido a encenação de um texto para a apresentação de um ensaio aberto intitulado “Confissões” no alkantara festival 2008 e agora “A mulher que parou”.
A história é esta: “Uma mulher decide parar. Deixa de trabalhar no café do bairro, de correr no grupo de atletismo, de cozinhar, de dormir com o marido, de conversar com as amigas. Passa os dias sentada numa cadeira à porta da sua casa. Não sabemos se desistiu ou se apenas agora começou a lutar.” Mas mais do que a história, que nos abre algumas janelas de reflexão, este projecto merece ser falado pela sua integração na comunidade, pelas energias que se criam e pelas sinergias que permitem os actores irem na onda.
Constituído através de um casting aberto a todos os habitantes do bairro em causa apresentaram o primeiro trabalho no festival alkantara 2008, que pretendeu ser “uma mostra do trabalho desenvolvido com não profissionais que emprestam as suas horas e energia a este projecto apenas pelo prazer de fazer, aprender e, quem sabe, mais tarde tomar em mãos a organização de um grupo profissional”.
É este prazer de fazer, de entrega de energia faz sentido explorar, para percebermos que é possível reforçar e vencer desafios do teatro na comunidade. Nove actores entregam-se a este projecto, neste momento específico, a esta história, de Marta que um dia decide parar. Várias questões se levantam: o que acontece quando alguém decide parar? Como podem a família, os amigos e a comunidade reagir a alguém que, pura e simplesmente, parou? Além do próprio texto nos colocar questões que abordam o sentido de comunidade, a integração do indivíduo num grupo social, num bairro, que exploram as relações humanas e a os reflexos das escolhas individuais na envolvente em que se inserem, o grupo e todo o projecto têm essa ideia de comunidade e de compreensão da envolvência inerentes à sua essência.
Esta peça foi escrita para este grupo de intérpretes, e discursa sobre uma comunidade, mais do que sobre Marta. Como uma tragédia grega, pela sua maior preocupação com os benefícios e malefícios para a cidade do que com o destino dos seus heróis, este texto fala-nos exactamente disso, dos frutos das decisões individuais no todo. Aqui o todo é sempre mais do que a soma das partes, sendo que é a ideia da comunidade, da totalidade de um espaço que prevalece, em detrimento do indivíduo. Por outro lado, e contrapondo esta ideia, ao ser escrito um texto para o grupo, sabendo quem faz parte dele, a importância do indivíduo sobressai. Quem diz “não” e recusa qualquer compromisso com a sociedade torna-se um marginal ou um herói. E é na linha entre as duas categorias que podemos compreender a forma como vivemos. Marta sempre foi bastante activa na sua comunidade e que de repente decide mudar de vida, parar. A peça debruça-se sobre as implicações desta decisão, tanto na comunidade onde se insere como na vida dos que a rodeiam e que dela dependem. Não sei se este projecto pretende uma escolha entre os seres marginais ou os seres heróicos, mas a verdade é que pelo menos apoia a reflexão de ambas as categorias e que possibilita o desenvolvimento de capacidades artísticas, mas acima de tudo, humanas e sociais, da vida comum e é um espaço e tempo para aprender e ser.




ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (13.02.2009)

Explorações da violência e auto-punição


Teatro da Garagem
Profundo Mar Azul

Integrado no ciclo “Try Better, Fail Better 09”, o espectáculo “Profundo Mar Azul” foi apresentado no Teatro da Garagem, entre 28 de Janeiro e 8 de Fevereiro. Interpretado por Carla Carreiro Mendes e Gonçalo Ruivo, com encenação de Maria Camões, o espectáculo baseia-se no texto de John Patrick Shanley, numa visão de uma nova encenadora, jovem, mas nem por isso pouco atenta à complexidade das relações humanas.

Num bar de Nova Iorque, no Bronx, Danny (Gonçalo Ruivo) e Roberta (Carla Carreiro Mendes) tentam viver de forma isolada do mundo, cumprindo rituais diários de auto-punição, através de existências vazias, solitárias e repletas de culpabilidade. O seu encontro parece fortuito, mas para quem não acredita em coincidências, percebe-se que eles tinham de se encontrar, para se tentarem resolver de alguma forma. A violência é muito presente neste espectáculo, em forma física e verbal é usada como forma de comunicação.
Tanto Danny, como Roberta parecem perdidos, traumatizados e agarrados a medos do passado. Ambos vivem num misto de culpa, de auto-punição, de vivência com fantasmas de relações familiares. Perdidos, encontram-se num bar e estabelecem uma ligação estranha. Aparentemente não têm medo um do outro e ligam-se de forma violenta e intensa, e durante o tempo que partilham, vivem amor, raiva, sonham com uma vida normal, o que quer que isso queira dizer. Imaginam um casamento, com arroz e a pureza do branco.
A origem destas explorações de violência e auto-punição está nos seus percursos, ele é um “animal”, resolve tudo partindo para situações de pancadaria, não conseguindo evitar um comportamento desequilibrado perante os primeiros obstáculos, até mesmo perante apenas a presença do “outro”, repetindo tantas vezes a ideia de que o chateiam. De facto Danny transmite intolerância. Procura um isolamento, mas na verdade confronta-se diariamente com o mundo que o rodeia. Não confia, não acredita.
Roberta vive assombrada pelo encontro sexual que teve com o seu pai, que lhe serviu na altura para o conseguir acalmar. Mãe a tempo parcial, divorciada, uma miúda, vive neste conflito familiar e com ela própria, por sentir que destruiu o seu núcleo (mesmo que ele já estivesse destruído anteriormente).
A partir de certo ponto, o desafio é complexificado através da sedução. Roberta leva Danny para sua casa e é no quarto dela que vivem o segundo acto. Se a primeira parte da peça é uma exploração dos medos, mais crua, desenvolvida através da violência e da raiva que espelham, na segunda parte, as inseguranças reflectem-se nas suas atitudes, na forma de viverem aquela noite. Sob a ideia de que também eles têm direito ao amor, à vida que consideram “simples” e “normal”, amam-se e vivem num universo diferente por uma noite. Partilham e entregam-se a essa simplicidade que não tocam há muito.
O último acto mostra a realidade do dia seguinte, o regresso dos medos de Roberta e a raiva de Danny por sentir que se deixou enganar pelo “teatro” de Roberta. Um dos momentos mais fortes da peça é a descoberta de que se Danny desculpar Roberta, se a fizer acreditar que já foi punida o suficiente, poderá libertá-la do seu passado, pelo menos enquanto universo castrador da sua vivência.
Para além da adaptação de um autor consagrado, o grupo Cena Palco trabalhou através da adaptação do processo de construção de um espectáculo a partir da técnica de Sanford Meisner, que centra toda a sua preocupação pelo alcance da verdade em circunstâncias imaginárias na relação entre os actores e na forma como reagem um ao outro, não devendo estes agir, mas reagir, nem pensar, mas sentir.
Este é um espaço de experimentação e o valor deste projecto, além do texto de John Patrick Shanley, é essa ideia de espaço para novos criadores, como Maria Camões. Em termos de trabalho de actor, tanto Gonçalo Ruivo, como Carla Mendes têm momentos de grande intensidade durante o espectáculo, mas por vezes sente-se a perda do foco, como se aquela realidade, durante alguns segundos ou minutos, deixasse de ser a deles. A saída das personagens, do corpo, mais do que do palco, transmite-nos uma ideia de reduzida fluidez dos processos e dos caminhos que fazem durante todo o espectáculo, com regressos e saídas bruscas. A intensidade está ali, porque o texto permite essa consciência. Acima de tudo, um projecto que nos permitiu questionar os nossos fantasmas, as nossas inseguranças, a capacidade de resolver.




ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (13.02.2009)