sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Norberto Lobo e Lula Pena - A não comunicação em palco



Esferas individuais impenetráveis

Imaginámos dois dos melhores músicos portugueses em palco, uma guitarra e uma voz inabaláveis. O convite da ZdB estava feito, Lula Pena e Norberto Lobo juntos, num só palco. O concerto foi no passado sábado, um pouco depois das 23h, e o resultado não foi o esperado, pelo menos para o público. Foram momentos de falta de comunicação espelhados nos sons que se perdiam entre um lado e o outro do palco, apesar da proximidade física, própria de um espaço pequeno como a Galeria Zé dos Bois.

Esperava-se intensidade. As expectativas valem o que valem, há que saber geri-las, mas a verdade é que a julgar pelo momento de que se falava do Festival BOM, de empatia e simetrias, de improviso, a expectativa era de comunicação entre os dois. Mesmo que uma dupla improvável, faria sentido dar continuidade à experiência. Assim se ouviu e se leu por aí.


O concerto começou com muitos problemas técnicos, numa sala cheia, onde as pessoas esperavam de certeza um começo melhor. As questões pairavam no ar: ter-se-ia feito um sound-check antes do concerto? Alguém vai fazer alguma coisa ou vamos continuar a ouvir estes zumbidos insuportáveis?
Lula e Norberto continuavam a tocar. O problema era com a ligação à guitarra de Lula Pena, mas mesmo vendo espelhado no seu rosto o incómodo da situação, continuou a tentar sobrepor a sua voz ao problema técnico. Passado algumas músicas e já com o desespero a sentir-se na plateia, o técnico de som decide trocar o cabo.
Mais tarde, o amplificador de Norberto Lobo também tem os seus problemas, mas ele é mais perspicaz. Assume essa falha técnica e passa rapidamente para a guitarra acústica, alterando um pouco a forma como iria tocar aquela canção. Este episódio poderia não ser contado, mas a verdade é que serve para explicar a atitude dos dois músicos em palco, tão distinta e, talvez por isso, tão pouco empática. Lula Pena apresentou as suas canções, no seu tom, num universo fechado, em que, apesar da qualidade do seu trabalho, se sentia que não havia respiração ou espaço para deixar Norberto partilhar as mesmas canções.
Por sua vez, Norberto apresentou-se com menos força, talvez por não ter espaço para isso, mas com uma dificuldade enorme (apesar da vontade) em entrar naquele universo que não era o seu. Apesar disso, a perspicácia, a vontade e a luta contra o individualismo foram notáveis no músico, durante todo o concerto.

É verdade que os dois músicos trabalham habitualmente sozinhos. A voz de Lula Pena é exploratória, mas muito centrada em si, fechada, sem dar espaço a quem a acompanha. Norberto Lobo é uma guitarra acústica. Neste concerto também muito uma guitarra eléctrica. Apesar da sua qualidade inegável enquanto músico e artista, a sua força neste concerto parecia ter sido apagada. O dedilhado não foi aproveitado e a experimentação não parece mesmo ser o seu universo. A intensidade desvaneceu-se ali, em palco, lado a lado com Lula Pena. Ela estava num altar e Norberto não conseguia entrar, não por incapacidade artística ou por não estar à altura, mas porque a quebra de comunicação entre os dois era irremediável.

De notar que, apesar de globalmente ter sido um concerto com pouco sentido, a verdade é que houve momentos de beleza musical, mas que tinham sido igualmente bonitos no bar Maria Caxuxa, em 2008, quando Lula Pena apresentou maior parte destas canções a solo. Nos espaços em que Norberto se soltou, deu ares da sua graça e lembrou-nos da sua capacidade de nos fazer viajar nas notas da sua guitarra.

A admiração que nutrem um pelo outro também tem alguma mística e por isso o concerto deverá ter sido um bom momento para ambos. A desolação foi o não funcionar. Esperavam-se inéditos e surpresas como tinham apregoado, mas para quem viu o concerto de Lula Pena no Maria Caxuxa, foi uma repetição, mas de menos qualidade e intensidade da parte da cantora e acompanhada por um músico que merecia ter tido outro destaque. “La Isla Bonita” também ficou pelo caminho. Diziam que seria de improviso, sem grande alinhamento, a deixar as coisas correr. Não foi assim, o alinhamento estava lá e as coisas não fluíram. A fragilidade passou para o público, mas não como se esperava. Este não foi um concerto de Lula Pena e Norberto Lobo, foi um concerto de Lula Pena, com toques de Norberto Lobo, duas esferas que acabaram por não se tocar, nem nos tocar a nós. Resta-nos a consolação de que ambos continuarão a fazer um bom trabalho sozinhos e a tocar-nos dessa forma.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (30.01.2009)

A festa da música folk


Ciclo cinema, música e dança na Culturgest
“Hootenanny na folk, como jam session no jazz”

“Hootenanny” era usado no início do século XIX na América servindo o significado de coisas cujos nomes tinham sido esquecidos ou eram desconhecidos. Também era usado com o significado de festa. Hoje o termo serve para referências a festas de música folk. A Culturgest apresenta, entre o dia 2 e o dia 7 de Fevereiro, o Ciclo Hootenanny, com um conjunto de iniciativas que darão a conhecer e a explorar o universo folk americano.

O termo “hootenanny” está indissoluvelmente ligado à figura de Pete Seeger. A primeira vez que ouviu este termo, disse o próprio, foi no final da década de 1930, em Seattle, onde fora adoptado por um clube popular ligado ao New Deal rooseveltiano para designar as suas iniciativas mensais de recolha de fundos. Mais tarde Seeger, Woody Guthrie e os seus companheiros dos Almanac Singers viriam igualmente a adoptar a designação para dar nome aos espectáculos que semanalmente passaram a realizar no quadro da cooperativa de artistas e cantores Peoples Song, Inc., fundada em 1948 com a finalidade de apoiar sindicatos, organizações sociais e de esquerda. Aqui já podemos ver a ligação ao termo “festa” a fazer algum sentido.
Claro que a génese do termo é polémica, pensando-se que possa ter origem em colonos franceses dos EUA, mas a verdade é que acabou por se impor como referência a festa musical popular mais ou menos informal. Com este sentido viria a ser adoptada pelos Almanac, a designar programas de rádio e televisão surgidos nos anos 60 e a generalizar-se como sinónimo de espectáculo de música folk e old time.

É neste universo, com este significado, que se insere o ciclo organizado pela Culturgest e comissariado por Ruben de Carvalho. A ter inicio na segunda-feira, dia 2 de Fevereiro e a terminar no dia 7, a programação avança com eventos diários, sempre às 21h30, com o objectivo de apresentar um conjunto de espectáculos de vários géneros (da música ao cinema), tendo como tema central a música “folk” norte-americana e a designada “old time music”. Esta é só a primeira vez, pois é objectivo da Culturgest manter este evento na sua programação anual, devendo ser organizado sempre com este intuito de projecção e exploração da dimensão da festa americana popular e a old time music.



Nesta primeira edição do Hootenanny serão apresentados os seguintes eventos: 2 de Fevereiro, uma Projecção Vídeo “American Patchwork - Appalachian Journey”, de Alan Lomax;
3 de Fevereiro, o concerto de Mike Seeger; dia 4, a projecção de “Dreadful Memories, The Life of Sarah Ogan Gunning”; a 5 de Fevereiro “Appalachian Roots – Ira Bernstein e Riley Baugus”, no universo da dança; no dia seguinte, uma nova projecção vídeo: “Flatpicking e fingerpicking
A guitarra de Doc Watson: uma antologia”; e no último dia, a música de Tony Trischka – Double Banjo Bluegrass Spectacular.
Haverá ainda um workshop orientado por Richard Greene sobre fiddle, o tradicional violino popular, dirigido a alunos do Conservatório Metropolitano de Música de Lisboa e da Escola Profissional Metropolitana, ambos da AMEC – Associação Música, Educação e Cultura.

Destes eventos destaca-se o concerto de Mike Seeger, da família que significa música popular norte-americana e trabalho de recuperação e divulgação da música tradicional.
Durante a adolescência e juventude, Mike revelou-se um notável multi-instrumentista aprendendo a tocar, além de guitarra, fiddle, dulcimer, banjo, bandolim, harmónica, praticamente todo o instrumental da música folk. Em 1958, com Tom Paley e John Cohen, constituiu um dos mais influentes e duradouros grupos folk, os New Lost City Ramblers que desempenhariam um papel determinante no segundo revival folk, nos anos 60, com 15 discos gravados.
Compositor, músico, cantor, conferencista, investigador, Mike Seeger mantém-se como uma das figuras centrais da folk americana, tendo gravado em 2007 um álbum com Ry Cooder e participado no aplaudido trabalho Raising Sand de Alison Kraus e Robert Plant.

Foco ainda nas projecções de vídeo, que permitem conhecer não só partes e personalidades do folk, mas a envolvência histórica e social deste estilo de música, que passa pelos blues tradicionais, pelo bluegrass, pelas cowboy songs e typaical songs, folk revivals e country music.
Com certeza uma semana diferente, onde o folk chegará ao espaço da Culturgest. A entrada para os filmes é gratuita, mediante levantamento de senha de acesso 30 minutos antes do início da sessão, no limite dos lugares disponíveis. Os espectáculos de dia 3 e 5 têm o preço único de 5 Euros. Os bilhetes para dia 7 têm o preço de 18 Euros; jovens até aos 30 anos têm um preço único de 5 Euros.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (30.01.2009)

“Alpha” e “Aquele querido mês de Agosto" em Roterdão

O Festival Internacional de Cinema de Roterdão é considerado um dos grandes acontecimentos culturais do país e os índices de popularidade apontam-no como um dos mais atractivos, e portanto respeitados, festivais a nível mundial. A segunda longa-metragem de Miguel Gomes e a curta de Miguel Fonseca, ambas produções de O Som e a Fúria de 2008, foram seleccionadas para a 38.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Roterdão, que está a decorrer desde 21 de Janeiro, e termina a 1 de Fevereiro. “Aquele Querido Mês de Agosto” integra a secção “Brigar Future” e “Alpha” um programa que resulta de uma compilação de curtas denominada “Hidden Futures”.
A edição de 2009 do festival divide a sua vasta selecção de filmes por três secções: “Bright Future”, “Spectrum” e “Signals”. A primeira, uma secção competitiva que engloba curtas e longas-metragens, é aquela que pretende caracterizar-se como plataforma para os “realizadores do futuro”, bem como “departamento” em que o festival apresenta os mais importantes, individuais e audazes novos trabalhos desenvolvidos por realizadores de todo o mundo, onde enquadram Miguel Gomes
Relativamente à secção em que se inscreve “Alpha”, “Hidden Futures”, trata-se de uma muito restrita compilação de curtas-metragens – apenas três outros filmes se juntam ao de Miguel Fonseca – que tem por linha de orientação a fronteira entre o real e a ficção científica: “O mundo mágico na fronteira entre as histórias verdadeiras e a ficção científica”.
Depois de Roterdão, “Aquele Querido Mês de Agosto” estará presente no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires, que se realiza de 25 de Março a 5 de Abril.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (30.01.2009)

Agência da Curta Metragem no 24º Mercado de Clermont-Ferrand


A Agência da Curta Metragem vai estar presente no 24º Mercado de Curta Metragem de Clermont-Ferrand, que se realiza entre 2 e 6 de Fevereiro, no âmbito do Festival consagrado a esta modalidade cinematográfica.
Para a edição deste ano, a Agência apresentará no Mercado as suas produções mais recentes e as novas aquisições do catálogo, com cerca de duas dezenas de filmes.

Desde 2001 que a Agência participa regularmente neste Mercado com o intuito de assegurar a divulgação de curtas-metragens portuguesas, quer sejam ou não representadas pela Agência.
O mais recente filme "Paisagem Urbana com Rapariga e Avião" de João Figueiras foi seleccionado para a competição internacional do 31ª Festival Internacional de Curtas Metragens de Clermont Ferrand, que decorre de 30 de Janeiro a 7 de Fevereiro. O filme, que estreou em 2008, conta já com participações no Torino Film Festival, Pusan International Film Festival e IndieLisboa onde arrecadou o Prémio para Melhor Curta-Metragem Portuguesa e uma Menção Honrosa no Prémio RTP2 Onda Curta.
João Figueiras nasceu em 1969, é licenciado em Edição na E.S.T.C. (Lisboa). Para além de "Paisagem Urbana com Rapariga e Avião", realizou mais dois filmes: "Olhar Para Cima" (2003) e "Contra Ritmo" (2000).

O Festival Internacional de Curtas Metragens de Clermont-Ferrand é considerado o evento mais importante do mundo no género. A participação da Agência no Mercado de Curta Metragem de Clermont-Ferrand conta com o apoio do ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual, do Instituto Camões e da Fundação Calouste Gulbenkian.A participação da Agência passa por um conjunto de actividades: a presença em stand promocional próprio, a distribuição de catálogo com informação sobre os filmes produzidos (que inclui um DVD) destinado a distribuidores, televisões e festivais, a realização no stand de actividades diárias de promoção e divulgação da cinematografia nacional e uma Happy Hour no Stand.

Saiba mais sobre o festival em
http://www.curtas.pt/agencia/pt/ e http://www.clermont-filmfest.com/.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (30.01.2009)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Intensidades: voz e guitarras


Norberto Lobo e Lula Pena
O primeiro concerto juntos

Imaginem dois dos melhores músicos portugueses. Esta coisa de dizer os melhores tem sempre um risco associado, mas Norberto Lobo é mesmo um dos melhores guitarristas contemporâneos e a voz de Lula Pena é inabalável. Imaginem agora os dois juntos num só palco. Acontecerá. Dia 24 de Janeiro, na Galeria Zé dos Bois, às 23h. Imperdível para quem procura intensidade.

A ideia de juntar estes dois músicos para fazerem música um com o outro surgiu de Nelson Gomes e Pedro Gomes, da Filho Único. Pela simetria no que fazem, porque há algo que os aproxima, talvez o processo, ou a maneira de fazer as coisas. Na altura, o concerto acabou por não acontecer. Pena ou não, assim tem uma beleza diferente, porque é fruto do acaso.
Lula Pena viu o Norberto no Festival BOM, no Barreiro. Depois trocaram. Ele foi para os bastidores, ela para a frente do palco. Quando ela terminou o seu concerto, acabaram por tocar uma música, juntos, de improviso. Nessa actuação a empatia foi notável, não é das duplas mais improváveis, nem das mais prováveis, mas acabou por fazer sentido, ali. O melhor foi que quem viu gostou e entre o público estava Sérgio Hydalgo, da ZdB que acabou por lhes propor um concerto juntos, para poderem explorar este processo de tocar no mesmo palco, dar continuidade à experiência.


Dois músicos que trabalham habitualmente sozinhos. Lula Pena expressa-se muito através do seu corpo, com uma voz que funciona como instrumento e que explora como um rio, como terra, como céu. A sua voz apela a todos os sentidos, canta as memórias mais antigas e as suas raízes, com uma pronúncia que nos faz questionar a sua origem. Um dia brasileira, outro árabe, outro africana. Funde musicalmente linhas comuns e distintas.
“Phados”, o seu primeiro e único disco, continua a ecoar em palco e a ser fonte de outras explorações. Ela canta a fatalidade. Conceptualmente mexe na raiz do fado de Amália, na música de Caetano e Chico Buarque, e na morna de Cesária Évora. Brinca e trabalha com os sons, com aquilo que consegue fazer com a sua voz, com a sua respiração, com o seu corpo enquanto jarro de água que vai deixando cair uma voz/água límpida e fresca, quente e cheia de aparas de lápis coloridos, que misturados resultam em músicas de uma unicidade extrema. Lula Pena é como o universo que junta todas as músicas, como “terra mãe”. Intensa.


Norberto Lobo é uma guitarra acústica. De tenra idade e citadino fez um disco de uma qualidade inegável e que nos faz viajar de bicicleta pelo seu universo de acordes perfeitos. “Mudar de Bina” tem uma duração de mais ou menos 30 minutos, um pouco mais, e reúne em si dez canções, sempre instrumentais, de uma maturidade rara. Ele compõe com a presença do background de Carlos Paredes, dedica-lhe o disco aliás, mas também evoca melodias da música popular brasileira. De incrível dedilhado, que recorda os ensinamentos de John Fahey e a escola de Takoma tem uma carreira curta, mas nem por isso pouco importante. Já partilhou palcos com incontornáveis músicos contemporâneos como Devendra Banhart, Larkin Grimm e Lhasa. Norberto Lobo muda-nos a vida. Intenso.
Os dois músicos aceitaram em boa parte o desafio da ZdB por causa de uma simples canção, que funcionou de improviso e que permitiu que ambos acreditassem neste projecto. Os dois abrem novos horizontes.
O concerto espera-se com inéditos e surpresas, com poucas músicas conhecidas dos seus projectos individuais, mas a “La Isla Bonita” de Madonna será alvo de uma versão. Os dois à viola, com base no improviso, terão apenas um esboço do alinhamento, mas deixarão as coisas correr. Existirão canções inéditas e recentes, cantadas em línguas diferentes, com letras da sua autoria e de outros O que ambos garantem é que vai ser um concerto assente no improviso. É suposto que essa fragilidade passe, transpareça para o público.
Eles admiram-se, o futuro é incerto; ambos acreditam que os caminhos se continuarão a cruzar. É verdade que preparam a edição de discos individuais e têm outros projectos planeados, mas no entretanto vão viajando pelos lugares comuns, passear juntos. Depois de um fortuito encontro no Barreiro, encontram-se em Lisboa para um concerto em conjunto. Estabelecem relações emocionais e conceptuais musicalmente. O momento vai ser o momento do concerto. Só pode ser assim.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (23.01.2009)

Ritual culinário como acontecimento social

Laika e Peter De Bie - Teatro dos sentidos



Laika é teatro dos sentidos, teatro sensorial para crianças, jovens e adultos. O universo deve ser entendido como espaço de exploração, não só de sentimentos e de ideias, mais conceptual, mas também de cheiros, sons, sabores, texturas, imagens, activando todos os sentidos. Desta vez o espectáculo chama-se “Me Gusta” e apresenta-se como um ritual culinário. Até 25 de Janeiro, no Centro Cultural de Belém.

Teatro para os mais novos ou para os mais velhos que continuam a deslumbrar-se com o universo infantil. “Me gusta” desta vez até é para maiores de 12 anos. Os artistas participantes são oriundos de todas as áreas e são responsáveis pelos espectáculos sensoriais, que convidam o público a absorver e saborear histórias e explorar este universo.
Esta não é a primeira vez que Laika vem ao Centro Cultural de Lisboa, com quem mantem uma relação de proximidade artística. “Me gusta” é uma co-produção com Le Volcan, scène nationale du Havre (França), Cultuurcentrum Genk (Bélgica), Linz 2009, capital europeia da cultura e SCHÄXPIR Festival/Land Oberösterreich (Áustria). Estará no CCB até ao dia 25 de Janerio, na Tenda, às 20h30.
Laika tem como directores artísticos Jo Roets e Peter De Bie. Eles definem as grandes linhas mestras, descobrem os temas que lhes interessa para os explorar em conjunto, e depois trabalham, de acordo com o imaginário pessoal, de modo a desenvolver projectos individuais ou colectivos. O conceito e os temas das suas performances são muitas vezes extremamente simples. Para De Bie, a composição e a disposição do público são de uma importância fundamental, tentando sempre imbuir o espectador neste mundo, em que cada pormenor foi pensado, nesta estética.
“As mais belas experiências gastronómicas brotaram da memória genética colectiva da humanidade. Contrariam as fronteiras nacionais e raciais, e deixam de fora as questões relativas ao gosto, cultura, tradição ou costumes.” (excerto de The return of the man who ate everything de Jeffrey Steingarten).
Peter De Bie entendeu romper com a tradição teatral e envolver o público através dos sentidos. Depois dos espectáculos “Patatboem” (2002) e “PEEP&EAT” (1998), De Bie inova com um dos seus instrumentos de investigação preferidos, debruçando-se em “Me gusta” nas tradições culinárias e rituais relacionados com países longínquos. Aqui explora-se a dimensão social da confecção e partilha de uma refeição, sendo, por isso, dinâmica a relação que cria com o público, até pelo sentimento que surge quando se partilha uma refeição com pessoas que não se conhece. O próprio acto de comer pode ser uma experiência estimulante, sobretudo num espaço teatral.
Quem assistiu a “Patatboem” ou a “PEEP&EAT” sabe que os espectáculos de Laika não são apenas um prazer para os olhos e para os ouvidos. De facto, para saborear plenamente os seus espectáculos, não basta ver e ouvir. Também é preciso sentir, saborear e tocar. Cada espectáculo põe em questão as relações entre o público e os actores. Acontece o mesmo em “Me gusta”, um ritual culinário, uma experiência gastronómica nova que se adapta bem à cozinha exótica e é feita para conquistar o paladar.

“Me gusta” alimenta-se de uma série de entrevistas a pessoas de todas as idades e contextos culturais, em que se focaram sobre o que pensam das tradições culinárias, e também o que mudou, com questões sobre a influência da internacionalização, sobre o desaparecimento de certos rituais culinários e sobre os ingredientes que foram progressivamente abandonados.
“A interpretação teatral de todas estas informações é, como sempre em De Bie, mensageira de um espectáculo transparente e cheio de cor, altamente interactivo e reforçado por uma paisagem sonora pouco banal.” Para De Bie, o teatro é antes de tudo um acontecimento social que elimina determinadas barreiras. Este propõe quebrar barreiras ligadas aos actos de confeccionar uma refeição e de comer.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (23.01.2009)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Som e a Fúria – Sete de Abril, 1928

Leitura de uma colecção de memórias
Um capítulo complexo em cena


Na sexta-feira, dia 16 de Janeiro, pelas 21h30, no Palco do Grande Auditório da Culturgest, terá lugar a estreia europeia de “The Sound and the Fury (April Seventh, 1928) ” – O Som e a Fúria (Sete de Abril, 1928), um espectáculo de Elevator Repair Service que leva à cena o primeiro capítulo do romance de William Faulkner com o mesmo título. O espectáculo será também apresentado no sábado, 17, às 21h30 e no domingo, 18, às 17h00.

Em 2008, esta mesma companhia apresentou neste mesmo espaço uma encenação do texto integral de “O Grande Gatsby”, de Fitzgerald. “Gatz” foi considerado o melhor espectáculo do ano por parte da crítica nacional.

O grupo, que nas suas produções combina comédia slapstick, cenários de alta e baixa tecnologia, textos literários ou found-texts, objectos encontrados e mobília deitada fora, assim como um estilo coreográfico altamente desenvolvido, tem-se concentrado ultimamente em textos literários e regressa agora com a estreia europeia de “The Sound and the Fury (April Seventh, 1928) ”. Internacionalmente, o espectáculo estreou a 15 de Abril do ano passado no New York Theatre Workshop, com o apoio do Dartmouth College. Segundo o encenador, trabalhar com o New York Theatre Workshop foi um prazer, mas, simultaneamente, assustador. “Foi-nos fornecido espaço para ensaiar e imenso apoio, e tudo isso ajudou-nos a fazer uma peça muito ambiciosa. Mas eu estava nervoso porque, embora “Gatz” não tivesse sido visto por muita gente em Nova Iorque, tinha ganho uma grande reputação. E aqui estávamos nós, experimentando outro grande romance – e um muito mais difícil – com toda a gente à espera de algo como “Gatz”. E ainda por cima era garantido que teríamos muito mais público para esta peça, já que estaríamos a apresentá-la off-Broadway (em vez de off-off-Broadway).”


Depois da encenação de Fitzgerald, continuava a existir uma atracção pelo estilo claro, simples e modernista deste autor. A escolha de outro romance do mesmo período surgiu do abandono da ideia de escolher uma obra do mesmo autor, pelo risco associado de confronto com as soluções apresentadas anteriormente em “Gatz”. Desta forma, seguiram por uma opção que fosse próxima, mas que acaba por trazer um estilo e uma estrutura totalmente diferentes para o espectáculo. A prosa de Faulkner é enigmática e emocionalmente intensa. O capítulo escolhido, segundo John Collins apresentava o problema formal mais desafiante e o que abarcava mais tempo de narrativa, já que é composto da colecção de memórias de uma personagem ao longo de 30 anos. “O próprio Faulkner afirma ter escrito o capítulo de Benjy primeiro e insiste que apenas escreveu os capítulos seguintes como tentativa de explicar o primeiro.” É portanto a essência do livro.
Escrito em 1929, este texto vai contando a história do declínio da família Compson do condado ficcional de Yoknapatawpha, no Mississípi.
Descendente de um herói da Guerra Civil, o clã é vitimizado pelas limitações do Sul reconstruído – racismo, ganância e egoísmo. Desta forma Faulkner consegue mostrar que os ideais e a vida do velho Sul não se podiam manter ou preservar com facilidade depois da Guerra Civil. Sete de Abril, 1928, a primeira parte do romance, é contada do ponto de vista de Benjy Compson, que é mudo e tem a idade mental de uma criança. Esta primeira parte é uma das passagens mais temíveis da literatura americana. William Faulkner é conhecido pela complexidade estrutural da sua escrita.


A primeira parte de “O Som e a Fúria” é uma das passagens mais temíveis da literatura americana. Ao entrar na cabeça de Benjy – que descreve como “verdadeiramente inocente” – Faulkner escolheu saltar no tempo de um acontecimento para outro sem transição e, por vezes sem qualquer pista sobre o que está a fazer. A companhia transformou as dificuldades de levar à cena um texto literário tão complexo numa oportunidade. Nas palavras de John Collins, este capítulo “É uma incompletude narrativa (criada pela mente de Benjy, que salta constantemente de um tempo para outro, de uma memória para outra) que cria, através da acumulação, uma personagem completa (Benjy). Também cria um retrato completo daquela família. Na sua imperfeição, um conjunto de cenas desconjuntadas e cheias de arestas, este capítulo atinge o seu próprio tipo de perfeição. Ou, se não perfeição, atinge algo que é profundamente verdadeiro na sua desarrumação.”
Com Mike Iveson, Vin Knight, Aaron Landsman, April Matthis, Annie McNamara, Randolph Curtis Rand, Greig Sargeant, Kate Scelsa, Kaneza Schaal, Susie Sokol, Tory Vazquez e Ben Williams.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (16.01.2009)

Companhia Nacional de Bailado - A dança em movimento


Digressão e criação de públicos

A Companhia Nacional de Bailado dá continuidade à digressão nacional, depois de ter passado por Almada, Beja e Faro no último mês de 2008. A digressão continua em Janeiro e Fevereiro, em Santa Maria da Feira, Lamego e Évora. Estas foram as cidades escolhidas para dar continuidade à digressão nacional da CNB iniciada com o bailado “O Quebra-Nozes.” Agora retomam a digressão com um programa de repertório contemporâneo dando assim a conhecer a versatilidade dos bailarinos numa programação diversificada. Os espectáculos que partem agora para digressão nacional são “Isolda” de Olga Roriz, “Lento para quarteto de cordas” de Vasco Wellenkamp e “Cantata” de Mauro Bigonzetti.


“Isolda” de Olga Roriz foi estreado em Lisboa a 31 de Janeiro de 1990 no Grande auditório da Fundação Calouste Gulbenkian pelo extinto Ballet Gulbenkian. Com música de Wagner, figurinos de Vera Castro e desenho de Luz de Orlando Worm é uma criação de Olga Roriz, agora interpretada por bailarinos da CNB, que nos deixa em suspenso. Tudo se passa entre o universo onírico e a morte, numa recordação de dor e prazer. Balança-se entre o prelúdio e a morte. Nas palavras de Olga Roriz: “Agarrei no tema da Isolda sem tragédia, mas de uma forma dramática no sentido teatral. Afinal, é a mulher quem reina no amor. A dramaticidade de Isolda foi encontrada por uma expressividade puramente física, não emocional. O movimento tanto é lento e suspenso como veloz, térreo e brusco. Os figurinos decoram o corpo, concedendo-lhe um ar tratado e criando uma atmosfera operática. Quero mostrar o progresso do cansaço através dos fatos pesados e pedi às bailarinas para não lutarem contra esse cansaço. Pretendi que sobressaísse a energia de cada uma delas e é aí que pudera acontecer a beleza deste trabalho. (…)”.
“Cantata” é uma homenagem à cultura e tradição musical italianas, uma criação popular, no sentido mais elevado do termo. Utiliza música italiana dos séculos XVIII e XIX, desde as canções de embalar ao Salentine pizziche e às serenatas napolitanas. Neste bailado, criado a partir de um encontro inesperado com um grupo de músicos de Nápoles e Puglia, a dança e a música misturam-se e interligam-se. Original e tradicional do sul de Itália, “Cantata” é uma coreografia plena de cores vibrantes, típicas do sul. Os gestos apaixonados evocam um tipo de beleza mediterrânica e selvagem. Uma dança instintiva e vigorosa explora as várias facetas da relação entre homem e mulher, estando muito presentes a paixão e a sedução.


“Lento para quarteto de Cordas” é a prova de que “viver fisicamente a música pode ser a mais sublime das emoções”. Aqui a dança surge dentro do canto e das imagens oferecidas.
As apresentações serão dia 31 de Janeiro no Europarque, em Santa Maria da Feira; no Teatro Ricardo Conceição, no dia 4 de Fevereiro, em Lamego e no dia 7 de Fevereiro, em Évora, no Garcia de Rezende.
Simultaneamente, a CNB apresenta espectáculos para escolas. A Companhia Nacional de Bailado tem sempre presente na sua programação espectáculos dedicados ao público escolar desempenhando assim a função pedagógica que lhe cabe junto das escolas, procurando introduzir o público jovem no mundo da dança e dar-lhes a conhecer a arte do movimento.
A mesma “Cantata” será apresentada dias 11, 12 e 13, às 15h no Teatro Camões (para maiores de seis anos). Nos dias 18, 25 e 26 de Março, às 15h, é apresentado “Coppélia ou A Rapariga dos Olhos de Esmalte”, uma coreografia de John Auld segundo Arthur Saint-Léon, Marius Petipa e Enrico Cecchetti e música de Léo Delibes. “Coppélia ou a Rapariga dos Olhos de Esmalte” é um bailado com história sem recurso à palavra, onde a ilusão e fantasia comunicam facilmente com o público.
Swanilda, a jovem namorada que fica com ciúmes da bela rapariga colocada à janela do fazedor de bonecos Dr. Copélius, e por quem Franz se deslumbra, resolve pôr à prova a fidelidade de Franz através de uma espiga. A trama simples e perfeitamente de acordo com o imaginário do sonho, aliadas às características encantatórias de todo o ambiente criado pelos cenários, figurinos e pela dança clássica, tornam este bailado um potencial espectáculo para todas as idades.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (16.01.2009)

Capitais Europeias da Cultura 2009 - Vilnius e Linz em foco

A Pérola do Báltico e as margens do Danúbio

Começou um novo ano e este tem em foco Vilnius, na Lituânia, e Linz, na Áustria. 2009 será, certamente, um ano de extrema importância para estas cidade e estes países. Ambos traçaram um ambicioso plano tanto para seduzir seus próprios habitantes quanto para atrair a atenção de potenciais visitantes de todas as partes do mundo nos próximos 12 meses, nos quais dividem o título de capital europeia da cultura. Para tanto, cada uma delas investiu mais de 50 milhões de euros em 340 projetos culturais – 220 em Linz e 120 em Vilnius.
Vilnius, a aposta da Lituânia
A aposta em Vilnius espelha a sua vontade em se afirmar como um país virado para o novo milénio através de uma dinâmica cultural que promove o desenvolvimento pessoal, social, turístico e económico não apenas de uma cidade mas de toda a Lituânia.
Apelidada de “Pérola do Báltico”, a Lituânia é o primeiro dos recém entrados países na União Europeia a acolher este ambicioso projecto, cuja inauguração no passado dia 1 de Janeiro coincidiu com a comemoração do milénio da Lituânia. A organização de Vilnius Capital Europeia da Cultura prevê mais de três milhões de visitantes, estimando que o fluxo turístico aumente em 15% e que a percepção geral do país e da cidade aumentem em 3%. As expectativas são elevadas, não fosse também assim o orçamento para 2009. Com valores na ordem dos 19,5 milhões de euros, a organização irá repartir o investimento em projectos culturais e artísticos (14 milhões), marketing e comunicação (3,5 milhões) e custos administrativos (1,5 milhões). Também contemplada está a reconstrução e remodelação de vários edifícios e estruturas públicas como a Galeria Nacional de Arte, o Centro de Arte Contemporânea ou a Academia de Vilnius em Design e Inovação, no valor de 54 milhões de euros. Vilnius é a cidade mais ao leste da Europa a ser eleita capital europeia da cultura e a primeira metrópole de uma ex-república soviética a possuir este título. Além de sua herança cultural, a cidade festeja também o primeiro registo histórico do país há exactamente mil anos nos Anais de Quedlinburg. Por sorte, Vilnius escapou de grandes projetos arquitectónicos ou de infra-estrutura durante a ocupação soviética, acabando por, em 1994, ser incluída na lista do Património Mundial da Unesco. Contudo, nem todos estão contentes com a nomeação da cidade. Recentemente, um artigo publicado no principal jornal diário Lituano acusava personalidades conhecidas da capital de anti-semitismo e racismo. Os ciganos de etnia rom aproveitarão a atenção internacional para salientar a dificuldade da sua situação, de habitações precárias fora da cidade, num limbo político, na ilegalidade e separados do resto da sociedade. Segundo Augustinas Beinaravicius, que participa da organização de um festival de música, dança e folclore típicos rom, minorias são oprimidas pelo Estado lituano. "Decidimos fazer o festival, pois as minorias na Lituânia não são tratadas muito bem política e socialmente", critica.
Num programa que contará com mais de 900 eventos, dos quais 2/3 são de entrada livre, Vilnius Capital Europeia da Cultura 2009 procura expressar a sua multiculturalidade através de 120 projectos únicos em termos artísticos e culturais, divididos em seis campos temáticos: Eventos Especiais, a Celebração do Milénio ou Lux - o Festival de Luzes; Conferências e Convenções; Arte Europeia; (Re)Descobrir a Cultura; História Viva; e As Pessoas.


Linz, nas margens do Danúbio
A cidade, situada na Áustria, aposta numa concepção semelhante à de Vilnius, nesta maratona cultural: uma programação multifacetada com forte destaque para a arte contemporânea, a música e o teatro. Grande parte dos investimentos foi dirigida à infra-estrutura cultural. Linz, conhecida internacionalmente pelo festival de arte e media “Ars Electronica”, inaugurou o Ars Electronica Center, local onde vai passar a decorrer o festival.
Contudo, também Linz recebeu algumas críticas. Há um esforço notável em apagar ou pelo menos atenuar a sua reputação de provinciana, mas também pelo seu teor de cidade fascista, tendo em conta a preferência que Adolf Hitler tinha por ela. A primeira vez que foi mencionada decorria o ano de 799 e foi caracterizada como um centro medieval de comércio, tendo permanecido como uma pequena província até ao século XX.
Estudos afirmam que poucos austríacos conhecem as suas ruas medievais e a maioria associa-a à Voestalpine, siderúrgica fundada como parte do complexo industrial da Alemanha nazista em 1938, após a anexação da Áustria ao Terceiro Reich.
Até Março, a exposição Capital Cultural do Führer exibe os grandiosos planos de Hitler de transformar a cidade em metrópole cultural, algo que nunca chegou a acontecer. Mesmo assim, quem visitar a cidade, situada a 190 km de Viena, terá sempre este background presente.

Capitais Europeias da Cultura
Desde 1985, que pelo menos uma cidade é agraciada anualmente com o título de capital europeia da cultura. A escolha é feita pelo conselho de chefes de governo da União Europeia, a partir de indicações da Comissão Europeia. O objectivo é "salientar a riqueza, a variedade e as semelhanças da herança cultural europeia e contribuir para uma maior compreensão entre os cidadãos europeus". Até 2019, a fim de integrar os novos países-membros da UE, a escolha incluirá sempre duas cidades vencedoras, uma pertencente aos antigos membros e outra aos novos membros do bloco. O ano passado o foco esteve em Liverpool e na cidade norueguesa Stavanger. Em 2010, as capitais culturais serão Istambul, na Turquia, Pecs, na Hungria, e Essen, na Alemanha.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (09.01.2009)

A Fábrica das Artes - Espaços de sensibilização às artes


“A mudar se continua, a continuar se muda.” É assim que começa a comunicação de Madalena Wallenstein, que assumiu, já quase no final do ano passado, o lugar de Madalena Vitorino no Centro Cultural de Belém, no Centro de Pedagogia e Animação (CPA). A Fábrica das Artes procura ser isso mesmo, a vinda de algo novo, próprio da passagem. O ano novinho em folha lembra-nos os tempos que vivemos e o tempo de ter tempo. Neste tempo de inverno, a Fábrica das Artes do CCB vai fazer todas as artes, para pessoas de todos os tempos: crianças, jovens, adultos e seniores.

Tudo começa já em Janeiro. Do dia 24 ao dia, no Jardim das Oliveiras, haverá uma Oficina de nome “Clube Jazz para miúdos”, com Maria Morbey e Zé Soares. Basicamente abrem-se as portas de um lugar misterioso, desconhecido. Procura-se uma entrada num ambiente fascinante, provocando emoções intensas oriundas da música. Um clube de Jazz que espera grandes intérpretes e públicos solenes.
Este sítio pode ser caracterizado como exótico, improvisado, entre o presente e o futuro. Proporcionam-se experiências em som e imagem. Convidam-se os miúdos a experimentar o jazz como algo que pode ser vivido na primeira pessoa, partindo do universo infanto-juvenil através do cinema, das histórias que o jazz tem para contar, atravessando os elementos musicais específicos desta linguagem, e terminando numa experiência de improvisação colectiva. No fundo, cada criança descobrirá um pouco da música jazz através não só dos sons, mas de todo o ambiente que a envolve.

De 26 a 28 de Janeiro, no mesmo jardim, a mesma oficina mas para “muito, muito graúdos”, destinada como se pode perceber a adultos na terceira idade, mas com vontade de experimentar esta arte. Uma aproximação ao jazz que parte das suas próprias representações e memórias, dos bailes das big bands, do glamour dos musicais dos anos cinquenta, até ao jazz em português. Aqui, o elemento de renovação será o improviso, procurando-se chegar ao prazer da Jam Session. No final, surge o tal clube de jazz, onde se encontrarão públicos e intérpretes para viverem juntos esse momento.

De 28 de Janeiro a 1 de Fevereiro, na Sala de Ensaio, será apresentado um espectáculo: “Palavras de Caramelo”, de Títeres de María Parrato. A origem desta história é no deserto. Uma investigadora de histórias parte para o deserto à procura de uma história. Acaba por encontrar a história de Kori, um menino surdo, e de Caramelo, um jovem camelo. Através da amizade dos dois, Kori descobre a poesia.
Agora vem contar-nos essa história, que pela sua forma de contar, nos transporta para o universo de um modo de vida, o dos sahrauis, os nómadas do deserto. Elementos sempre presentes são a terra, o vento e a chuva. Os espaços, as formas e as personagens armam-se e desarmam-se com os objectos da sobrevivência diária, de latas laminadas pelas rodas do deserto e pauzinhos cinzelados pelo ar. Tudo regressa à terra. A direcção do espectáculo é de Mauricio Zabaleta, com autoria de María José Frías.

No último dia de Janeiro está programada uma outra oficina de “Modos de Aparição das Artes”. Entre as 15h e as 18h, Madalena Wallenstein e Manuela Pedroso dedicam-se a “Preparar um Atelier – O Caçador de Ideias Luminosas”.
Um ateliê é um espaço e um tempo, com fronteiras definidas, mas o ponto de partida é sempre o principal desafio. Este ateliê explora a preparação, o que nos sirva para entrar e sair velozmente, concretizando a experimentação e a aventura próprias de um espaço e de um tempo como este.
Olhamos, por agora, apenas para os eventos de Janeiro, porque é este o tempo que vivemos e porque teremos outros tempos para falar dos outros, mas deixamos a curiosidade a cozinhar: desmontar-se-á música, far-se-ão experiências, entrar num bunker e gravar bandas sonoras do medo, viajar até Buenos Aires, onde se poderá dançar e ouvir tango. Acima de tudo sentir e viver. Este será um espaço para alimentar a sensibilidade e para abrir às artes.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (09.01.2009)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Olhar sobre 2008

2008 foi mais um ano de espectáculos. Foi de maior equilíbrio em quase todas as áreas, mas foi também um ano de cortes e isso notou-se nas mais diversas esferas artísticas. Apresentamos uma lista daqueles que consideramos os melhores momentos de 2008. Esta lista não é exaustiva e deve ser encarada como um olhar sobre momentos de qualidade artística e de criatividade, tendo consciência de que ficam muitos outros bons discos, concertos e palcos para recordar.

Melhores espectáculos de dança de 2008

1. “Cafe Müller” de Pina Bausch
2. “Glow” de Chunky Move (Fundação Calouste Gulbenkian)
3. “Beautiful Me” de Gregory Maqoma (Culturgest)
4. “Come together” de Rui Horta (Teatro Camões)
5. “Tempo76” de Mathilde Mannier (Culturgest)


A história de “Cafe Müller” é a história de uma excepção: 40 minutos de duração e seis intérpretes, entre os quais a própria Pina Bausch. A acção é despojada e cortante, no cenário pesa a angústia de uma solidão remota.
Levada pelo som dilacerante da música de
Purcell, Malou Airaudodança movimentos entrecortados, e as mesmas sequências são retomadas pela coreógrafa, que faz o papel de duplo, mas com um tempo sempre desfasado circula às cegas na selva de mesinhas e de cadeiras, que vão sendo retiradas por Borzik, assim traçando o seu percurso.
Cafe Müller é uma lamentação de amor, uma metáfora doce e inquieta sobre a impossibilidade de um contacto profundo. Impressiona pela sua pureza e violência. Uma obra sobre a mortalidade do amor.


Glow”, um corpo de luz em palco. 30 minutos de intimidade intensa juntando dança e tecnologia. O espectáculo veio ao Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, pela mão da companhia australiana Chunky Move, fundada em 1995 por Gideon Obawzanek, ex-bailarino da Sidney Dance Company, que assinou esta coreografia criada em 2006.
O espectáculo ficou certamente na memória de quem o viu. Uma dança energética, ao longo da qual a própria intérprete é que constrói a música e a iluminação. As sombras levantam a bailarina do chão, a bailarina eleva as sombras, tudo num jogo de luz, de imagens de angústia, de excitação, de empatia. Uma experiência intimista, com detalhe.


Beautiful Me”, com coreografia e interpretação de Gregory Maqoma, é um solo que leva três coreógrafos em si mesmo. O coreógrafo sul-africano desafia a noção de dança, na procura de uma definição ou redefinição da sua própria linguagem coreográfica. Maqoma subiu ao palco para dançar sozinho, mas levou três coreógrafos em si mesmo, reflectindo o seu trabalho e as suas linguagens. Akram Khan, Faustin Linyekula e Vincent Mantsoe foram os mestres que escolheu para o inspirar. Maqoma absorveu as suas ideias, juntou o seu brilho e humor e dá-lhes voz, no sentido corporal do termo.

"Come together" marcou a estreia do coreógrafo Rui Horta na criação para o elenco da Companhia Nacional de Bailado. Aqui, Rui Horta trabalhou uma das suas temáticas mais marcantes - a posição do indivíduo na sociedade e aquilo que representa. Rui Horta saiu da sua cápsula e explora este universo fora da sua escala mais pessoal. Além dos bailarinos usou outros elementos em palco: o vídeo e a música.


Tempo 76”, o espectáculo de Mathilde Monnier, desenvolve-se em torno da pesquisa em torno do uníssono e que faz reflectir o universo da dança contemporânea. Inovação em palco através de um corte com os tabus e da contradição intencional que nos faz reflectir. “Tempo 76”, cujo título se refere às 76 pulsações por minuto, explora as possibilidades da mesma organização de movimentos em corpos diferentes.
Nove bailarinos em cena rompem com os padrões dos mecanismos rítmicos através de uma releitura dos padrões sincrónicos e dos gestos repetitivos do quotidiano.


Melhores concertos de 2008

1. Nneka (Lux)
2. Thievery Corporation (Coliseu de Lisboa)
3. Kings of Convenience (Cidadela de Cascais)
4. Cat Power (Coliseu de Lisboa)
5. Omara Portuondo (Aula Magna)


Nneka é um animal de palco. Tem atitude. Veio da Nigéria, passando pela Alemanha e aterrou no Porto. A invicta foi convencida na noite anterior ao Lux. O piso inferior da discoteca estava a rebentar pelas costuras mesmo antes do concerto começar. Ao som dos ritmos reggae, hip-hop e soul, a artista revelou-se uma mulher, com cara de miúda, cheia de atitude e feeling na voz. «No Longer at Ease» era o mote. De punho erguido, foi usando os interlúdios para os seus manifestos políticos. Apesar de muitos não estarem claramente com vontade de os ouvir e estarem apenas lá para a festa, essa é a essência de Nneka e sem ela seria tudo menos intenso. É por essa vontade de se manifestar, de protestar contra as petrolíferas e de sentir tão penosamente a fome em África, que Nneka se torna tão genuína.
Com ritmo na cintura e de olhos fechados, ergue os seus pensamentos e canta com alma. Na sala estremeceu-se e transpirou-se dança em versão rendida. Eu rendi-me à sua atitude de manifestação de quem balança num mix urbano-africano. A sua entrega tão imensa num corpo tão pequeno mostra-a enquanto animal de palco.


Os Thievery Corporation aqueceram a noite de 19 de Outubro deste ano. A festa fez-se de sorriso nos lábios e muita dança nas ancas. O calor que se fazia sentir no Coliseu misturou-se com o espírito de intervenção de “Revolution Solution” e "El Pueblo Unido", apresentado já quase no final do espectáculo. Já no encore, depois de duas horas e muito de concerto, tocaram "The Richest Man in Babylon", mas as almas estavam sedentas de mais e os corpos queriam dançar até ao fim da noite. A banda regressou para um segundo encore. As luzes do tecto acenderam, mas eles voltaram para mais um tema não programado, apresentado pela cantora brasileira, que veio “substituir” Seu Jorge em alguns temas. “Sol Tapado” foi a canção escolhida para o fim de um concerto suculento. Extasiante, essa noite de domingo, em que quando saímos ainda se sentia o calor.


Poderia ser a mesma coisa ouvir os Kings of Convenience ao vivo ou em disco, mas não é. O duo norueguês é de uma qualidade excessiva em estúdio, e em palco assume-se como algo inédito. O primeiro imprevisto aconteceu e foi a origem de uma noite com muito e bom humor. A demora em chegar o capo para a guitarra lançou Oye para uma performance além da música.
Mais tarde outra surpresa, além das canções novas que foram mostrando. Passaram a quatro instrumentos de cordas, com a junção do contrabaixo e do violino, e o piano passou a ser regra. “Stay Out of Trouble” deu início ao primeiro show improvisado de “mouth trumpet” de Erlend Oye. Parecia ele que já estava a desejar que pudesse não tocar guitarra durante esse concerto. E isso acabou por acontecer. A guitarra estragou-se. Não havia outra e deu-se nova mudança no alinhamento. O “trompete” foi ganhando espaço no improviso.


Quando chegaram ao espaço deles para tocar, a ansiedade já era grande. Finalmente subiu ao palco a banda Dirty Delta Blues Band, que começou mesmo sem Chan Marshall. Tomaram os seus lugares e tocaram na penumbra, até à chegada da mulher que todos queriam ver. Quando se começou a ouvir a sua voz, mesmo sem a ver, quase que se ouviu o suspiro de alívio generalizado a ecoar pela sala. A espera já ia longa, mas rapidamente ela começou o espectáculo, dançando e deslizando sobre os seus sapatos brancos, de sapateado. A primeira fase do concerto passou-a Cat Power nessa estranha e sensual dança, na boca de cena, pescando corações, numa postura que escondia sorrisos entre as canções. Da espécie de desaquação ao palco, daquela que também não consegue viver sem eles, nasce um charme incrível que conquista muitos dos amantes de Chan Marshall. O concerto foi crescendo, terminando num agradecimento louvável.


Omara Portuondo esteve em Lisboa para um concerto inesquecível. Há quem fale de falhas técnicas e de que a voz dela já não é o que era. A verdade é que a diva cubana de 78 anos tem uma presença invejável e ritmo na alma. Entrou em palco a dançar, com uma fita e flor no cabelo, com um vestido leve, de cor clara.
Portuondo canta de uma forma que por vezes chega a ser teatral, de tão expressiva, representando as histórias e os sentimentos que vai recordando através das letras das suas canções.
Bendita Omara. Que inquietude. Até o segurança da Aula Magna dançava, meio direito, mas era inevitável reparar no sorriso de quem estava a viver aquele momento de luxo. A embaixadora de Cuba não veio para uma despedida. De passos incertos e voz intensa e emotiva, Omara promete continuar a cantar. E nós agradecemos.


Melhores espectáculos de teatro de 2008

1. “Vita Mia”, de Emma Dante (Centro Cultural de Belém)
2. “Curtas”, Primeiros Sintomas (Espaço Ginjal)
3. “As Criadas”, de João Garcia Miguel (Centro Cultural de Belém)
4. “Mona Lisa Show”, de Pedro Gil (Centro Cultural de Belém)
5. “Kamp”, de Hotel Modern (Centro Cultural de Belém)


Vita Mia” foi apresentado no ciclo dedicado ao trabalho de Emma Dante, que apresentava três perspectivas diferentes sobre o tema da família, oferecendo-nos simultaneamente, reflexos da cultura siciliana e da sua imagem de família.
O público entra e encontra um quarto vazio, apenas com uma cama ao centro. O quarto não é confortável, tem um ambiente denso. Um buraco negro, um salto para o vazio. A mãe olha para os seus três filhos com doçura e tristeza, passa-lhes o ensinamento de que a vida é efémera e por isso tão preciosa. A vida é uma corrida à volta desta cama: será um refúgio, um espaço de tranquilidade e repouso, um início ou um fim em si mesmo? Este quarto e esta cama transbordam tristeza e loucura. Este espectáculo é uma vigília fúnebre, é nada mais nada menos que uma tentativa de adiar esta dança que antecede a morte, que transborda de loucura. Um olhar sobre a história através dos olhos da personagem.


Curtas” é uma mostra teatral de peças de curta duração. Produzida pela “Primeiros Sintomas” junta um conjunto de autores, actores e encenadores que mostram o seu trabalho durante uma peça com alguns minutos. No Espaço Ginjal, foi um dos espectáculos mais interessantes deste ano, pela sua capacidade de mudança, de integração do espaço e das pessoas, pela fluidez do discurso artístico conseguido numa peça tão fragmentada como esta, que no fundo são várias peças. O todo além das partes.


A peça “As Criadas” trouxe uma nova abordagem ao texto de Jean Genet, que no final da primeira metade do século XX causou tanta polémica pela sua forte crítica à hierarquia das classes sociais e às relações de escravatura. João Garcia Miguel misturou o teatro com o audiovisual, num palco repleto de boas soluções de encenação e de cenografia.
O espaço cénico transmite, nesta encenação, o sufoco do próprio texto. A encenação de Garcia Miguel cria uma espécie de nova linguagem teatral, através da repetição, presente não só no discurso (por exemplo, os actores repetem várias frases que são ditas nas três línguas), mas presente na música que vai surgindo em diferentes versões, na movimentação do cenário e por vezes no vídeo.


Kamp” significa barbárie. Kamp trata de um dos campos de concentração mais bárbaros da história: Auschwitz. Reconstrução de uma realidade histórica. Esse é o objectivo que Hotel Modern tenta atingir em “Kamp”.
Este espectáculo é mais do que teatro, é uma mistura forte de animação, teatro e até cinema. “Kamp” mostra a tragédia, a dor, o pânico. É algo que nos sufoca, que nos faz revolver o estômago e as entranhas, tal como a própria história. Talvez por o sabermos tão perto da realidade. É tão real, as imagens doem e têm um silêncio sufocante.


Eles falam de si próprios, abrem-se ao público como se fosse um reality show. Como se de uma montra se tratasse. No fundo falam de nós ou de pessoas que conhecemos, em diálogos cruzados, que por vezes se tocam, dando respostas uns aos outros, criando dúvidas. Diálogos murmurados que nem sempre estão em foco. A certa altura estão todos a falar ao mesmo tempo. “Mona Lisa Show” é assim.
Tudo acontece entre a passadeira, os projectores e as personagens. Em termos temáticos não nos traz nada de novo, mas dá-nos flashes, fragmentos que podem fazer a diferença. Clichés e frases que toda a gente já disse ou já ouviu: “Quero acabar contigo. Não é sobre ti, sou eu. Preciso de espaço. A comida é quase tão boa como a da mamã. Não desistas de mim.” É de um naturalismo pop soberbo.

Ana Maria Duarte
Artigo publicado em Jornal Semanário (31.12.2008)

Uma representação do canto do Brasil


Maria Bethânia em 2009
Referência obrigatória da música brasileira

A incrível cantora brasileira, Maria Bethânia vem a Portugal apresentar um espectáculo onde revisitará todos os grandes êxitos de uma carreira recheada de sucessos. Ao longo da sua carreira, colaborou com músicos de referência no Brasil como Edu Lobo, Gilberto Gil, Tom Zé e o irmão Caetano Veloso.
Os seus trabalhos de originais mais recentes são “Pirata” e “Mar de Sophia” de 2006, num dos quais a cantora baiana canta o mar da poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen. Distinguida com o Prémio Shell de Música, Bethânia é uma das cantoras que mais disco vende no Brasil, alguns dos quais “Alibi” (1978), “Talismã” (1980), “Âmbar” (1996) e “A força que nunca seca” (1998), entre outros.
Os concertos realizam-se nos dias 27 e 28 de Fevereiro no Coliseu de Lisboa. Os bilhetes já estão à venda, nos locais habituais, e custam entre 20 e 65 euros.

Maria Bethânia é referência obrigatória em qualquer citação à música brasileira a partir dos anos 60. Conforme bem observou a escritora e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon, no seu ensaio sobre a artista, “há que se ouvir esta brasileira universal. Cantora maior da cena humana, cuja arte, incorruptível, explica um país e um povo. Porque quando Maria Bethânia entoa seu canto, ela representa o Brasil. Ela consolida no palco a língua das nossas emoções”.
Aquela que é considerada uma das divas da Bahia, Bethânia saiu de lá em 1964, era uma menina com 17 anos. Partiu para cantar no show “Opinião” e alcançar o sucesso, traçando a partir daí uma trajectória singular na história do espectáculo brasileiro. Actualmente, aos 44 anos de carreira, que está no seu auge.
Ao longo dessas mais de quatro décadas, seja tornando-se a primeira cantora brasileira a romper a marca de um milhão de discos vendidos, seja arrebatando plateias mundo fora, com o seu jeito único de estar em palco – o “padrão Bethânia” de espectáculos, que coaduna música e elementos de teatro, Maria Bethânia, sempre coerente e fiel às suas escolhas artísticas, conquistou e manteve um público fiel.
Com o passar do tempo ela amadureceu, melhorou, cresceu enquanto pessoa e enquanto artista, e, actualmente, conquista cada vez mais novos admiradores que acompanham atentamente cada novo passo da sua arte, ou como resumiu o jornalista e produtor musical Nelson Mota, “uma incessante criação de beleza e emoção, ao longo de uma carreira que fez dela uma das artistas mais respeitadas e admiradas não só pelo público e pela crítica, mas pelos compositores, letristas e cantores de vários e estilos e gerações”.
Dois eventos, só para citar os mais recentes, ambos realizados em Setembro do ano passado, no Rio de Janeiro, comprovam-no no dia 9, Maria Bethânia recebeu o Prémio Shell de Música, tornando-se a primeira intérprete agraciada com um prémio antes restrito somente a compositores.
Já no dia 25, a cantora apresentou o seu show Brasileirinho numa noite de beneficência em prol do Hospital Pró-Criança Cardíaca, no Theatro Municipal. Nos dois casos, patrocinadores e instituições envolvidas tiveram um excelente retorno mediático e agregaram credibilidade e prestígio às suas respectivas propostas, mesmo sendo de naturezas completamente opostas.
Nos últimos anos, Maria Bethânia tem-se debruçado em projectos inovadores que, em comum, falam muito sobre o Brasil: segundo o poeta Ferreira Goulart, “uma de nossas cantoras mais brilhantes, criativas e autênticas, em que se juntam a sensibilidade musical e a profunda identificação com seu povo, sua cultura, suas raízes brasileiras”.
Esta maneira muito própria de cantar a alma brasileira vem rendendo à cantora não só a consagração junto do público e da crítica, mas também os mais importantes prémios da música nacional: Prémio TIM de Música; APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e Prémio Rival, só para citar os principais. Como definiu o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, “Bethânia traça, há mais de 40 anos, música por música, disco após disco, show a show, a mais inteligente história sentimental do brasileiro”.
Duas noites possíveis, uma escolha entre duas, mas uma certeza. Vale a pena ir ver a diva Maria Bethânia e deixar ecoar a sua voz.
Ana Maria Duarte
Artigo publicado em Jornal Semanário (31.12.2008)