quinta-feira, 4 de junho de 2009

Xangai Brasilerança: cantador de autenticidade

Canções da Bahia chegam a Lisboa
“O que eu canto é a presença de minha própria realidade”




Pegará no seu violão e espalhará os ritmos do nordeste brasileiro pelo Grande Auditório da Culturgest. Xangai Brasilerança está em Lisboa, para um concerto, sexta-feira, às 21h30. Acompanhado por Fabrício Rios, Eugénio Avelino possibilitará uma viagem à sua aldeia e aos sons que aí nasceram. Um dos principais cantadores e violeiros do Brasil, com um repertório cheio de canções nordestinas, de raiz popular.

Ele é ainda pouco conhecido em Portugal, mas a admiração que vive no seu país é notável, contando já com uma longa carreira de mais de 35 anos e uma discogragia de aproximadamente 40 álbuns. Os seus ritmos passam pelo forró, rastapé, xote, ligeira, baião, coco, galope, mas também ritmos próprios de canções românticas, onde se sente a força da sua voz.
Eugénio Avelino nasceu no sertão da Bahia, é filho e neto de mestres tocadores de sanfona, o nome popular para o acordeão, mas ele preferiu o violão.
A influência musical familiar é óbvia, mas foi também contagiado pelos cantos dos vaqueiros, os aboios, assim como pela própria imagem e energia dos vaqueiros, tendo sido também um deles. “Eu sou da linha dos pastores, dos cuidadores de rebanhos de cabra, gado, sou vaqueiro também e adestrador de cavalos”. O cantador herdou não só a música, mas também o nome. Tanto o seu avô, como o seu bisavô se chamavam Eugénio Avelino.
Quando tinha 18 anos trabalhou numa sorvetaria chamada Xangai e foi aí que Eugénio Angelino foi buscar o nome que hoje o identifica e que na altura lhe deram. Foi ainda influenciado pelo compositor e cantor Elomar, seu primo, que o albergou durante algum tempo na sua fazenda. Mas o dom já lá estava, independentemente de todas as influências que possa ter sofrido. “Sou de um berço de tocadores de sanfona, mas não foi isso que me fez artista, porque tenho plena consciência de que esse dom já estava comigo; apenas, e cada vez mais, venho buscando apurar, melhorar o meu envolvimento com a música, a poesia” são as palavras de Xangai.
Começou com “Acontecivento”, o seu disco de estreia, lançado em 1976, e depois disso compôs 40 discos a solo, em parceria ou com participações especiais. Aliás, Xangai toca com diversas formações, mas é sozinho que se liberta mais na sua forma única de tocar violão. Nesses concertos canta coisas antigas, novas, consagradas, coisas suas ou de outros, ao sabor do momento, da inspiração presente, já que dá muita importância à ligação com o público. “Preciso estar ligado com quem está me assistindo, sentir o que eles querem ouvir e aí vem a situação”. É esta autenticidade que é esperada de Xangai e que ele próprio assume como característica do seu trabalho. Essa aproximação à realidade que se sente por exemplo nas composições que tratam os elementos relativos ao homem e à natureza, não fosse também ele um homem com uma ligação extrema à natureza.
Xangai é um cantador, que é diferente de cantor, porque o primeiro é o que exprime a sua arte de forma verdadeira, de dentro para fora, sem concessões às tendências do mercado musical e artístico. Essa manutenção da sua essência tem feito a diferença, afirmando a sua substância, conteúdo poético, que lhe permite ficar na memória de quem ouve. “O que eu canto é a presença de minha própria realidade. Eu não me sinto muito confortável em cantar músicas de outros povos longe daqui, principalmente dos países ricos, tão em moda, tão apregoados, cantados e decantados por muitos brasileiros, inclusive. Eu acho muito melhor cantar músicas de Cartola, Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, João do Valle, Jackson do Pandeiro do que dos Estados Unidos ou da Inglaterra. (…). Acho que eles também não ficam cantando Paulinho da Viola”.
Não se rendeu às evidências, mantendo-se sempre um pouco à margem, das editoras e dos meios de comunicação. Aliás, Xangai gravava para a editora independente Kuarup e produz e apresenta o programa “Brasileirança” na Rádio Educadora da Bahia e na TVE-Bahia, onde leva nomes da música popular que não passam nos grandes meios de comunicação, partilhando sons e possibilitando também o conhecimento de outros músicos, num sentido quase educativo-musical.
Agora está em Lisboa para um único concerto, no Grande Auditório da Culturgest, acompanhado por Fabrício Rios, no bandolim e violão. Ele vem para se dar a conhecer ao público português, talvez nem para encantar, mas para partilhar a sua cultura musical, os seus sons nordestinos e as suas composições e histórias da Bahia. As suas cantigas retratam muito da sua aldeia. “Minhas cantigas (…) retratam a minha aldeia, aquilo com que me identifico, porque gosto de falar a respeito do ambiente que tenho conhecimento, das situações do ser humano à minha volta”. É este ambiente que se criará nesta sala de espectáculos.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (05-06-2009)

O trauma e a dor como forma de reinvenção individual

“Os Europeus” de Howard Barker
A continuidade da aproximação ao universo do conflito



O Teatro Carlos Alberto, no Porto, recebeu o espectáculo “Os Europeus”, de Howard Barker, com encenação de Rogério de Carvalho. Foi a primeira adaptação desta obra realizada em Portugal, num espectáculo que valia de antemão pelo texto, mas também pela continuidade da incursão de Rogério de Carvalho pelo universo de Barker.

Howard Barker é o autor do “teatro de catástrofe”, que assenta no conflito, na dor e na crueldade, no êxtase da tragédia, explorando muitas vezes os temas da violência, da sexualidade, do desejo de poder. O “teatro de catástrofe” toma como elemento essencial o indivíduo, a sua capacidade individual, em conflito com o colectivo. É neste momento de confronto que Barker encontra a beleza do teatro. O dramaturgo rejeita, aliás, a ideia de que o público deve partilhar uma única resposta relativamente àquilo que acontece em palco e por isso as suas obras fragmentam as repostas, quase que obrigando cada individuo a explorar sozinho aquilo que sente relativamente ao que recebe do espectáculo. O caminho é pessoal, e muitas vezes longe da felicidade, porque essa só faz sentido se for de crescimento, afastada da procura e da usurpação do poder, do reconhecimento público.
Escrito em 1990, “Os Europeus” é um texto que nos integra neste “teatro de catástrofe”. A peça passa-se num contexto histórico muito marcado, o da última ofensiva turca na Europa. Estamos em Viena, devastada pelos turcos, no ano de 1683. Barker parte muitas vezes de eventos históricos para uma complexidade temática mais abrangente e é isso que sentimos também neste texto. Era importante trazê-lo a palco. Francisco Frazão traduziu-o e Rogério de Carvalho, que já tinha dirigido Possibilidades (1998), Tio Vânia (2000) e Mãos Mortas (2006), do mesmo autor, com a companhia As Boas Raparigas, levaram-no a palco. E levam-no pela sua pertinência enquanto texto, e pela sua aproximação à Europa de hoje, devastada economicamente, onde também se vive a questão da Turquia.
O texto cria tensões constantes, centradas no trabalho de actor, contudo, a técnica dos onze actores que participaram no projecto não correspondeu ao que o texto pedia, podendo ser um espectáculo ainda mais forte do que aquilo que foi. A acção da peça é muito intensa e os actores vivem situações de violência psicológica, mas muitas vezes sentimos o caminho que estão a percorrer para chegar a determinado ponto de representação. Sentimo-lo, por exemplo, na cena de Katrin, a falar da sua experiência. A vítima expõe publicamente a sua dor numa tentativa de impedir que o sofrimento se dilua nas tentativas de reconciliação, mas vemos a actriz a tentar atingir esta dor, bloqueada por algo que não lhe permite avançar no palco. A violação desta mulher cria o paralelismo de uma invasão do próprio território, pelos turcos, com a possibilidade de reconciliação, levando-nos à ideia de integração para o crescimento, mas a reconciliação e o esquecimento são em si mesmas formas de opressão e de sofrimento individual em nome de uma colectividade. É este o discurso de Barker e que a encenação de Rogério de Carvalho permite viver.
Neste espectáculo o padre deixa de ser padre e as burguesas prostituem-se. Não existem limites. E a reflexão espicaça-se: porque é que o padre é uma esperança na mudança, no conflito? Porque é que exploramos a dor de um parto em palco? A perturbação dessa cena vem, não da própria apresentação do parto no palco, mas da catástrofe da heroína.
Este não é um espectáculo de recepção fácil. Aliás os textos de Barker, por assentarem no conflito e na dor, foram bastante mal recebidos, pelo desconforto que criam, tendo sido esta a razão porque criou a Wrestling School, criando o seu próprio espaço. No Porto encontrou o seu lugar, através das encenações de Rogério de Carvalho.
Este texto está muito próximo do nosso tempo e faz agitar os pequenos nichos de público disponíveis para receber este tipo de discurso. A esperança e a busca da felicidade são apenas distracções disfarçadas de fins, obstáculos ao progresso dos indivíduos. “Que se foda a felicidade!”. Que desça o Porto à capital para poder incomodar também por aqui.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (05-06-2009)

Créditos da Imagem: João Tuna

A fotografia do mundo, em Espanha

PhotoEspaña: obra de Pedro Costa em destaque
O quotidiano e a proximidade ao pessoal


A PhotoEspaña é um dos mais conceituados festivais de fotografia do mundo e teve início esta semana em Cuenca e Madrid. Serão no total 248 artistas, de 40 diferentes nacionalidades, em 72 exposições individuais e colectivas. A Secção Oficial, orientada pelo português Sérgio Mah, está ordenada em torno do tema genérico “Quotidiano”. Destacamos ainda o ciclo de cinema de Pedro Costa, com projecção de “Ne change rien” apresentado recentemente em Cannes.

Na edição deste ano, que decorre entre hoje e 26 de Julho, destacam-se, entre outras, exposições de Gerhard Richter, Larry Sultan, Iñigo Manglano-Ovalle e Malick Sidibé. Estarão também presentes obras de consagrados como Dorothea Lange, Ugo Mulas, Jindrich Styrsky e Annie Leibovitz. Este ano, e pela primeira vez neste festival, estará presente o brasileiro Mauro Restiffe, conhecido pelas suas imagens centradas no tema da arquitectura e do urbanismo.
A edição aposta, numa linha de continuidade, na história e na cultura da fotografia, em vários sentidos, apresentando desta vez uma aproximação ao dia-a-dia, ao quotidiano e às vivências comuns, possibilitando a reflexão do social, dos tempos, das tendências não só das artes visuais, mas da sociedade contemporânea, onde se procura muito o mais próximo, o pessoal.
"Este tipo de sensibilidade e afectividade é interessante porque a forma como as artes visuais o trabalham significa colocar a fotografia no centro deste processo. É um dos meios mais privilegiados para induzir e conferir interesse estético sobre os temas mais inesperados", disse Mah. "Não sabíamos que íamos ter uma crise economia e social, mas por isso faz mais sentido. O que se debate hoje é um 'back to basics', um desafio importante e um compromisso da arte e da fotografia" frisou ainda.
Além de todas as actividades envolventes, um dos destaques privilegiados do festival é o ciclo de cinema de Pedro Costa, uma mostra de um dos pioneiros do fotojornalismo em Portugal. Pedro Costa terá um papel de destaque na Secção Oficial deste ano, com a Filmoteca espanhola a acolher as 14 obras fundamentais do realizador português. O ciclo incluirá a apresentação de filmes como "O sangue", "Casa de Lava", "Ossos" e "No quarto com Vanda", entre outros. A 26 e 30 de Junho, é exibido o último filme de Pedro Costa, "Ne change Rien", estreado mundialmente na Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes, onde foi considerado um dos mais belos filmes do festival e que estreará em Portugal a 5 de Novembro.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (05-06-2009)
Imagem: Rondel Partridg

Romeu e Julieta revisitado pelo Nature Theater of Oklahoma


Romeo and Juliet”. Pensamos: uma vez mais? Mas desta vez é algo muito diferente, é uma reinvenção. Pelo Nature Theater of Oklahoma, provavelmente a mais conhecida companhia de teatro de Nova Iorque, este é um espectáculo que promete ser uma surpresa porque é resultado de muitas percepções e memórias de uma mesma história, a de Romeu e Julieta.
“Romeo and Juliet” do Nature Theater of Oklahoma é baseado numa série de conversas telefónicas. O que se pedia era que as pessoas contassem, em palavras suas, a história de Romeu e Julieta. Mas ninguém se lembrava da história toda, e as memórias que foram surgindo primeiro na cabeça das pessoas e agora em palco, foram tornando cada vez mais complexa esta narrativa. “Uma reviravolta surpreendente é o mínimo que se pode dizer do resultado destas conversas. Ninguém se lembrava com exactidão da verdadeira história e começam a surgir questões de base: “Quem se apaixonou por quem primeiro? Envolveram-se sexualmente? Quem matou Mercúcio? Como é que estes amantes infelizes se perderam tão tragicamente?”
Os participantes, do outro lado do telefone, reinventaram a história de Romeu e Julieta, deram-lhe novas cores, recorrendo a pormenores inexistentes, criando até cenas e personagens que não existem na versão original. Uma solução para as memórias menos trabalhadas: a imaginação, que acabou por preencher lacunas e possibilitou a criação de histórias geniais e originais que atravessam os temas do amor, da luxúria e do auto-sacrifício. Depois de gravadas as conversas telefónicas, a companhia Nature of Oklahoma procedeu à sua adaptação teatral, passando-a depois para o palco, num espectáculo que é uma colagem de todas estas histórias a várias vozes.
Já há um ano, esta companhia surpreendeu com o espectáculo “No Dice”, tendo sido considerado um dos pontos altos do festival alkantara. Agora “Romeo and Juliet” é uma oportunidade de reencontrar ou de conhecer esta companhia de teatro nova iorquina.
Com interpretação de Anne Gridley e Robert M. Johanson, com Elisabeth Conner, o espectáculo conta com a direcção e encenação de Pavol Liska e Kelly Copper. Na sala principal do Teatro Maria Matos, sexta e sábado, às 21h.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (05-06-2009)

Créditos da Imagem: Kerstin-Joen

“Pata Lenta”, mais uma dádiva de Norberto Lobo


Numa celebração Filho Único, Norberto Lobo, em guitarra solo, apresenta "Pata Lenta", o sucessor de "Mudar de Bina”. É mesmo ali numas portas perto do Coliseu de Lisboa, na Casa do Alentejo, um dos sítios mais simbólicos de Lisboa. Não fosse Norberto um músico lisboeta.
“Mudar de Bina”, o primeiro, é um essencial da guitarra acústica, forte nos ambientes que permite criar, mas essencialmente um disco humano, onde há espaço para o erro, próprio de um músico autêntico, que gosta de registar tudo no primeiro take.
A sua música é popular, é perto de John Fahey, mas a sua capacidade expressiva e de interpretação fazem a diferença. Ele assume a guitarra, com todas as suas potencialidades e produz vibração, comunica efectivamente com quem ouve de forma disponível. Contemplativo, sensato, um disco com sonoridades intimistas e alegres, algo tão difícil de conseguir.
“Pata Lenta” é o álbum que se segue, em que espera uma repetição de qualidade e uma linha de continuidade. O disco começa com o tema-título e tem composições cheias de cor e movimento. Ele toca sozinho, mas não toca música solitária, preenche o espaço sonoro e preenche-nos a nós. Entre canções que nos transportam para um imaginário de ruas, de montes, de campos, de uma certa aproximação à natureza, encontra-se ainda uma versão de “Unravel” de Björk. “Pata Lenta” será uma dádiva como “Mudar de Bina”. O concerto de apresentação será dia 5, na Casa do Alentejo, às 22h, mas as mesas são poucas e os bilhetes têm um preço reduzido. Apenas 5 euros para receber este disco gravado num só dia, mas com muita estrutura e convicção.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (05-06-2009)

Foge Foge Bandido deixa de fugir do palco



Manuel Cruz é do Porto. O seu percurso musical iniciou-se com os Ornatos Violeta, a sua primeira banda, em 1991, onde assumia vários papéis: vocalista, compositor e letrista. Teve 11 anos com os Ornatos. Em 2002 terminou esse processo, mas continuou o seu percurso como músico, ingressando em duas bandas em simultâneo: os Pluto e os SuperNada.
Ao longo destes anos tem vindo a compor, mantendo a sua essência, e em 2008 lançou o primeiro álbum do seu projecto a solo, Foge Foge Bandido, que funcionou como resultado de um trabalho de 10 anos. O disco-livro “
O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu Que Estraguei” veio confirmar o estilo de Manel (como gosta de ser chamado), de tom melódico e centrado no amor.
Contido em dar concertos, a raridade de ver um espectáculo de Manel Cruz torna-o ainda mais especial. O músico vai levar o projecto Foge Foge Bandido a Lisboa e ao Porto, já nos próximos dias 9 e 12, no Cinema São Jorge e no Teatro Sá da Bandeira, respectivamente.
É a estreia deste projecto no palco, sendo que os espectáculos fazem parte da digressão nacional de apresentação do disco/livro «O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu Que Estraguei». E o bandido deixa de fugir momentaneamente.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado Jornal Semanário (05-06-2009)


João Salaviza vence com “Arena”


Cannes deu-lhe o prémio. Ninguém esperava, nem ele. O jovem realizador português agradeceu e quer fazer mais cinema. Já no dia 2 de Maio ele tinha vencido o Prémio para a Melhor Curta-Metragem Portuguesa do festival IndieLisboa, mas agora veio o reconhecimento internacional, quando no dia 24, recebeu a Palma de Ouro para a Curta-Metragem no Festival de Cannes.
João Salaviza nasceu em Lisboa em 1984. Tem 25 anos e aceitou o prémio em Cannes de uma forma descontraída e modesta, relativizando: "há muitas pessoas que vão ver o filme e que não vão gostar. E ainda bem, ainda bem que as coisas são discutidas e que não há unanimidades. Não houve unanimidade no júri, o que também é bom, gostei de saber isso", disse em entrevista ao Jornal Público.
“Arena” foi a curta que lhe deu este reconhecimento, um filme que conta a história de um preso domiciliário e a sua pulseira electrónica, confinado à violência urbana com Lisboa muito ao fundo.
Apesar do filme ser anterior ao prémio e João Salaviza já querer fazer cinema antes dele, agora certamente terá mais meios para o fazer e mais olhos à espera do próximo.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (29-05-2009)

“Há um tipo que se chama João Paulo…”

João Paulo toca Carlos Bica

João Paulo é um músico do momento, ele cria intensamente e faz com que entremos numa viagem. Na quinta-feira, dia 4 de Junho, às 21h30, no Grande Auditório da Culturgest terá lugar o concerto João Paulo toca Carlos Bica, com João Paulo ao piano, composições e participação especial de Carlos Bica. Se o próprio Carlos Bica se sente lisonjeado pelo momento, como nos sentiremos nós?



João Paulo é lisboeta, nasceu nos anos 60, logo no início da década. Iniciou os seus estudos musicais na Academia de Santa Cecília, dedicando-se desde muito cedo ao piano. Mais tarde ingressa no Conservatório Nacional, onde, em 1984, obteve o diploma do Curso Superior de Piano com a classificação máxima. Paralelamente tinha uma intensa actividade no universo jazzístico e na música popular. O primeiro fruto dessa actividade musical do jazz dá-se em 1979, com a sua participação no Cascais Jazz, e depois ensinando na escola do Hot Clube. Se pensarmos na sua ligação à música popular essa reflectiu-se e cresceu no acompanhamento de artistas Destaca-se a sua colaboração com Fausto ("Por este rio acima"), José Mário Branco ("Ser solidário") e Sérgio Godinho. Foi com este último que desenvolveu um trabalho mais intenso: acompanhou-o em espectáculos e colaborou, primeiramente como músico (1981), no disco "Canto da boca", sendo mais tarde (1983) o arranjador e director musical do álbum "Coincidências".


O percurso fazia-se por cá até à sua ida para Paris, cidade escolhida para aprofundar o seu conhecimento, tendo optado pelo Conservatório de Rueil-Malmaison. Os seus resultados foram mais uma vez excelentes e acabou por ficar por mais um período de quatro anos, dando recitais na França e nos Estados Unidos. O regresso a Portugal dá-se em 1992 e colabora, como arranjador e director, com Vitorino no álbum que este compõe sobre textos de António Lobo Antunes "Eu que me comovo por tudo e por nada" (1992), merecendo-lhe uma distinção especial: o Prémio José Afonso pela primeira vez entregue a um arranjador. Trabalha com Sérgio Godinho, nos arranjos e direcção musical de “Tinta permanente” (1993), e no mesmo ano funda com o pianista Mário Laginha a orquestra de câmara "Almas e Danças". Em 1994 trabalha com Filipa Pais (“L’Amar”) e improvisa na Cinemateca Nacional, musicando filmes mudos. Colabora regularmente com músicos como Tomás Pimentel, Carlos Martins, Pedro Caldeira Cabral, Mário Laginha, Pedro Burmester e Maria João, entre outros. Juntamente com Jorge Reis, Mário Franco e José Salgueiro, forma o quarteto de João Paulo. É com esses músicos que grava "Serra sem fim", o primeiro disco em seu nome. A sua discografia, agora, enquanto líder, conta com 9 álbuns. Hoje toca com “Nascer” (música tradicional portuguesa e sefardita), “As sete ilhas de Lisboa” (música improvisada com Paulo Curado e Bruno Pedroso), e com o trio “Cor” (com Cláudio Puntin e Samuel Rohrer. Nos últimos tempos, tem tocado regularmente em duo com o contrabaixista Carlos Bica e participou em Março no espectáculo “A Mãe” de Brecht, encenada por Gonçalo Amorim, onde tocava ao vivo e interpretava música de Hanns Eisler.
O percurso de João Paulo e o seu curriculum são de grande consistência, mas aquilo que mais o distingue de outros grandes músicos é a sua magia em palco, que muitos dizem que se compreende melhor a solo. Sérgio Godinho dizia que nos anos 80 se segredava o seu nome “Há um tipo que se chama João Paulo, que se senta ao piano e ...".; Vitorino diz que “O que é bom é ouvi-lo ao vivo. Não cede nem um milímetro no essencial.” E é um privilégio ouvi-lo tocar, tocar desta vez Carlos Bica que diz: “Músico dono de uma mestria de instrumento e de uma musicalidade genial raras, João Paulo é muito mais do que apenas um excelente pianista, ele é um músico capaz de criar do momento, do agora. Sinto-me especialmente lisonjeado por poder ouvir o João Paulo a tocar a minha música. Ele interpretou, recriou e inventou as minhas composições. Apenas me resta agradecer-lhe profundamente por este especial acto de cumplicidade artística e pela sua amizade.”
São muitas as referências, João Paulo engloba tudo isto sendo um músico de improvisação latente, sem rótulos, e ao interpretar peças escritas por Carlos Bica, contrabaixista, consegue sons únicos em “White Works”, o disco em que o piano tem mais voz. O piano é um meio de expressão musical e por não ver em si o fim (o mesmo dizia numa entrevista: “Nada tenho contra o piano, mas também nada tenho especialmente a favor.”), consegue atingir uma relação incrível com este instrumento e ser um dos melhores teclistas no panorama nacional. Talvez seja por esse distanciamento do instrumento, onde o que interessa é o que há para dizer. O conteúdo e não a forma. É este o João Paulo que provavelmente encontraremos no concerto na Culturgest.
João Paulo é um músico raro, daqueles que consegue abarcar a composição, a interpretação e a improvisação. Assim o acha Mário Laginha e assim lhe peço emprestadas as palavras para definir o músico.


ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado Jornal Semanário (29-05-2009)

Curtas voltam a Vila do Conde

Festival Internacional de Cinema
Filmes-concerto em destaque


O Festival Internacional de Cinema “Curtas Vila do Conde” conta este ano com a sua 17ª edição, que decorre de 4 a 12 de Julho de 2009. O festival organiza-se em torno das secções de Competição Nacional e Internacional e Vídeos Musicais, In Focus (retrospectivas de autor e temática), In Progress (espaço de apresentação de trabalhos que se situam num território de fronteira entre o cinema e as outras artes (audiovisuais), Remixed (secção dedicada a filmes que exploram as relações do som, música e imagem em movimento) e Take One! (destinada a promover o trabalho de jovens realizadores recém formados nas escolas superiores de cinema do país).
Para 2009, o Festival incluirá a nova secção Curtinhas, que integra sessões de cinema e outras actividades relacionadas com a imagem em movimento, concebidas para crianças e jovens de diferentes faixas etárias, e ainda um programa especial intitulado “Back to the Future”. Será igualmente organizado o Mercado da Curta Metragem e a Solar - Galeria de Arte Cinemática irá acolher o trabalho da artista filandesa Salla Tykkä.
Uma das secções em destaque é a secção REMIXED, criada em 2006, que visa sobretudo explorar as relações do som, música e imagem em movimento, com a apresentação de uma selecção de curtas, filmes concerto e performances audiovisuais. Para esta edição do Curtas Vila do Conde, o REMIXED incluirá uma nova secção competitiva.
Em estreia nacional, na secção REMIXED, estará o filme-concerto “13 Most Beautiful... Songs for Andy Warhol's Screen Tests” com a dupla Dean & Britta. O filme-concerto decorre a 11 de Julho, Sábado, pela meia-noite. Trata-se da primeira vez que o duo composto por Dean Wareham, que integrou os Galaxie 500, mítica banda indie norte-americana, e Britta Phillips, ex-Luna, apresenta-se em Portugal.
“13 Most Beautiful...Songs for Andy Warhol's Screen Tests”, um projecto comissariado pelo Andy Warhol Museum e Pittsburgh Cultural Trust para o Pittsburgh International Festival of Firsts 2008, apresenta 13 dos clássicos testes de imagem de Andy Warhol, onde aparecem Nico, Lou Reed, Edie Sedgwick, Dennis Hopper, entre outros.
Originalmente concebidos na década de sessenta, na Factory, em Nova Iorque, os screen tests são agora apresentados ao vivo com uma banda sonora composta para os treze filmes por originais e algumas versões por Dean & Britta. Entre 1964 e 1966, Andy Warhol filmou cerca de 500 testes de imagens, revelando centenas de diferentes indivíduos, desde artistas famosos a pessoas anónimas, todos visitantes da Factory. Os testes eram captados com a máquina de 16 mm Bolex, em silêncio e a preto e branco. O resultado de dois minutos e meio era depois apresentado em câmara lenta, resultando numa fascinante colecção de verdadeiras obras-primas com cerca de quatro minutos cada. A secção REMIXED do Festival apresenta ainda os filmes-concerto de Paulo Furtado (Legendary Tiger Man e Wray Gunn) e do brasileiro Vinícius Cantuária com o músico japonês Takuya Nakamura.
Numa encomenda do Festival, Paulo Furtado acompanhado por mais 3 músicos, interpretará uma banda sonora original para “Tabu” (1931), o último filme do cineasta alemão F.W. Murnau, co-realizado com Robert J. Flaherty. Considerado por muitos como a obra-prima de Murnau, “Tabu” foi filmado nos mares do sul, longe dos grandes estúdios de Hollywood e estreou após a morte do cineasta alemão.
Vinícius Cantuária conta com uma dupla apresentação no 17º Curtas Vila do Conde, primeiro numa encomenda do Festival onde partilha o palco com o japonês Takuya Nakamura, que alia a música electrónica à banda sonora dos filmes “Ny Ny” (1957) de Francis Thompson e “Manhatta” (1920) de Paul Strand e Charles Sheeler. Num segundo momento mais intimista, o cantor e compositor brasileiro apresenta o projecto “Filme Imaginário”.
Filmes-concerto com grandes nomes no cinema e grandes nomes na música, prometendo noites bonitas em Vila do Conde.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado Jornal Semanário (29-05-2009)