quinta-feira, 7 de maio de 2009

"Sombreros", uma viagem ao cinema


Uma experiência no limite da queda

“Sombreros” é um espectáculo de dança assinado por Philippe Decouflé, director da companhia DCA. Uma viagem pelo universo deste coreógrafo e uma homenagem ao cinema mudo. Dança do desequilíbrio, no limite da queda, na repetição cómica do erro. Dias 15 e 16 no Centro Cultural de Belém.


Esta não é uma obra narrativa, mas conta a viagem de François e Françoise numa viagem ao México. O título do espectáculo vem dos chapéus típicos daquele país, mas é também um jogo com a expressão da língua francesa "sombre héros" que em português se pode traduzir como “herói das sombras". Esta alusão vem do jogo de imagens, de luz e sombras que tanto recorda o cinema expressionista.
Este é o universo de Philippe Decouflé, bailarino e coreógrafo parisiense, que quando era pequeno queria ser desenhador de BD. A verdade é que o desenho está várias vezes presente no início do processo de criação, numa forma de desenho de imagens que lhe vão passando pela cabeça. O seu trabalho vem da vontade de trabalhar com formas geométricas simples e da mistura da luz, dos figurinos, dos movimentos. Do trabalho com Merce Cunningham e com Tex Avery ficou-lhe este desejo de movimento, quase delirante, em que procura o desequilíbrio, sempre no limite da queda.
Após uma carreira solitária como bailarino, Philippe Decouflé criou a sua própria companhia. DCA nasceu em 1983, e este universo da BD é representado em vários espectáculos, com um tom humorístico. ”Surprises”, “Fraîcheur limite”, “Soupière de luxe”, “Tranche de cake” são espectáculos que dão a conhecer Decouflé em França e na Europa, e “Codex” é também baseado no desenho, sendo inspirado numa enciclopédia desenhada por um jovem italiano, Luigi Séraphini, nos finais dos anos setenta, cujos animais fantásticos, plantas imaginárias e legumes vivos vão alimentar o imaginário coreográfico de Decouflé.
Em 1993, Decouflé assina “Petites pièces montées” onde ele “reflecte sobre o trabalho fantasmagórico de Georges Méliès” (ilusionista francês) e questiona o espaço interrogando-se “como vou fazer entrar e sair os meus bailarinos pelas pernas, como os vou fazer surgir do chão”. Posteriormente, o imaginário de Decouflé volta-se mais uma vez para as plantas, pássaros e legumes de Codex para criar “Decodex”, 2004, é o ano de “Tricodex”, nova peça criada para os bailarinos do Ballet da Ópera Nacional de Lyon.


O último espectáculo de Philippe Decouflé, “Sombrero”, criado em Outubro de 2006 no Théâtre de Nîmes, andou também em digressão por França, e esteve em residência no Théâtre National de Chaillot em Paris durante os meses de Maio e Junho de 2007. Viaja em digressão também pela Europa (Turim, Madrid em 2006, Londres, Wolfsburg em 2007, e Luxemburgo, Antuérpia em 2008). Em 2008, Philippe Decouflé cria uma nova versão de “Sombrero”: “Sombreros” actualmente em digressão em França e na Europa, assim como “Coeurs Croisés” e “Solo”.
“Sombreros” é um conjunto de quadros cheios de beleza e poesia e com um humor surpreendente que chega mesmo a tocar o absurdo. Era inevitável que o universo do desenho estivesse presente, essa fantasia acidental a partir de jogos de sombras e de luz. A música que Brian Eno compôs especialmente para o espectáculo intensifica a magia desta experiência, que nos faz viajar provavelmente não só pelo México, mas por toda este universo fantasioso que Decouflé tem vindo a criar ao longo dos anos, com a companhia DCA, e em tantos outros trabalhos paralelos, cinematográficos. As esferas cruzam-se, a dança passa para o cinema, o cinema para o palco onde se dança. Movimentos inexplicáveis que nos dão a ideia de estar numa corda-bamba, em permanente equilíbrio, tão perto do desequilíbrio, onde as formas geométricas nos são dadas pelas sombras projectadas, também elas jogando com a palavra “Sombreros” que afinal nos levam mais para um imaginário de desenho, do que para o imaginário das viagens. Este é um espectáculo para ver e ouvir com atenção, porque a música de Brian Eno é provavelmente um dos elementos mais fortes a sentir durante a experiência.


ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (08-05-2009)

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