Cruzamentos entre dança indiana e contemporânea
Shantala Shivalingappa, embaixatriz do “Kuchipudi”
Shantala Shivalingappa cruza a dança clássica indiana com a dança contemporânea do ocidente que começou por explorar com Pina Bausch. O estilo Kuchipudi, do qual se tornou embaixatriz no Ocidente, cruza a narrativa com a dança pura, sendo um casamento entre o corpo inteiro e as emoções que a narrativa lhe provoca, alternando momentos e movimentos de dança pura e partes narrativas tirada da mitologia indiana onde toda a arte expressiva, mímica e gestual são exploradas. São estes cruzamentos que propõe em “Namasya” (22 e 23 de Maio, 21h) e “Gamaka” (24 Maio, 17h), no Centro Cultural de Belém.
Shantala Shivalingappa é oriunda de Madras, a quarta maior cidade indiana, situada no sul do país. Foi criada em Paris pela sua mãe. Paris e Madras deram-lhe um cruzamento entre o ocidente e o oriente. Desde cedo que foi orientada para a dança indiana, pela sua mãe, a bailarina Savitry Nair. Inspirada pela pureza do estilo Kuchipudi do seu mestre Vempati Chinna Satyam, foi formada com rigor, mas desde os 13 que dança com alguns dos maiores na cena da dança e do teatro, como Maurice Béjart, Peter Brook ou Pina Bausch, com quem Shantala reconhece ter descoberto uma nova forma de dançar. Essa foi a sua primeira experiência numa forma de dançar que não a dança clássica indiana e assim entrou num novo universo gestual. “Com ela e com os seus bailarinos aprendi a pensar e a sentir o movimento de forma diversa, desde a concepção até à execução: espontaneidade, liberdade e rigor, fluidez, movimento irradiado do corpo mas também do coração.”
Contudo, é no Kuchipudi, um dos inúmeros estilos de dança clássica indiana, que se encontra mais familiarizada. O Kuchipudi é uma dança clássica indiana que surgiu no século XV no sul da Índia. Como todos os estilos de dança indiana, o Kuchipudi tem as suas raízes no Natya Shastra, tratado de arte dramática com mais de 2000 anos que estabelece uma codificação muito precisa para a dança, a música e o teatro. No Kuchipudi, habitualmente acompanhado por canto, percussões, flauta e vina (instrumento de cordas indiano), a dança, a música e o ritmo são desenvolvidos de forma indissociável e é esta forte relação entre os elementos que determina a sua enorme beleza.
Hoje, Shantala divide o seu tempo entre a criação de novas coreografias kuchipudi, digressões dos seus espectáculos a solo, e a colaboração com diferentes artistas ocidentais numa exploração intensa da dança e da música. Estará no CCB durante 3 dias para apresentar “Namasya” e “Gamaka”.
Em Namasya, Shantala revela o seu indiscutível talento em quatro peças bem diferentes: “Ibuki” de Ushio Amagatsu, um dos mestres da primeira geração do butô; “Solo”, que Shantala ensaiou com Pina Bausch e que reflecte as influências que recebeu da coreógrafa alemã; “Shift”, de sua autoria; e “Smarana”, de Savitry Nair, com música tradicional do norte da Índia.
Pegou nestes coreógrafos pelo valor coreográfico e emocional. “Os seus trabalhos tiveram um efeito magnético sobre mim e estimularam o meu desejo de explorar o movimento e a emoção que se solta dele. Fui verdadeiramente seduzida pela ideia de trabalhar com esses dois coreógrafos a partir da minha gestualidade e da minha técnica de dança clássica indiana, acreditando na universalidade da dança, do movimento e da emoção que suscitavam, sem ser necessária uma linguagem técnica comum.”
“Gamaka” é antes um recital de kuchipudi para quatro músicos e uma bailarina. O termo Gamaka designa, na música clássica indiana, “o movimento vibratório sonoro entre as notas. Na dança, o Gamaka seria o movimento desenhado pelo corpo para chegar de um ponto ao outro.” Aqui toda a criação é vibração, e de um enredo complexo de sons e movimentos nasce um conjunto de imagens, emoções e formas. “Gamaka” é dedicada a essa vibração, também chamada OM, de onde toda a criação emana e se reabsorve. Estes dois espectáculos serão a oportunidade de ver uma vez mais a luz de Shantala.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (22-05-2009)
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