terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Branca de Neve, por Preljocaj


Versão fiel com espaço para simbolismo

“Branca de Neve” é a mais recente criação do Ballet Preljocaj, um bailado contemporâneo romântico baseado na versão do conto de fadas dos irmãos Grimm. Na linha das grandes obras de repertório inscritas na memória colectiva da dança, como a “Cinderela” ou “A Bela Adormecida”, Preljocaj propõe-nos a revisitação do conto da “Branca de Neve” para toda a família. O coreógrafo queria contar uma história e decidiu partir daí, contando com a participação de 26 bailarinos, acompanhados por alguns dos mais belos excertos das sinfonias de Mahler e com cenários de Hierry Leproust e figurinos de Jean-Paul Gaultier. O espectáculo será apresentado nos dias 27, 28 e 29 deste mês, no Centro Cultural de Belém.

Angelin Preljocaj é francês, filho de pais albaneses. Iniciou os seus estudos de dança clássica, tendo-se depois dedicado à dança contemporânea com Karin Waehner. Em 1980, vai para Nova Iorque trabalhar com Zena Rommett e Merce Cunningham, tendo continuado os estudos em França com a coreógrafa americana Viola Farber e Quentin Rouillier. Junta-se, em seguida, a Dominique Bagouet até à fundação da sua própria companhia em Dezembro de 1984. Desde então coreografou 38 peças, desde duos a grandes formações.
Algumas das criações mais recentes de Angelin Preljocaj como “Empty Moves” e “Eldorado” foram elaboradas num universo de maior abstraccionismo. Desta vez queria contar uma história, pelo que decidiu partir do conto “Branca de Neve”, mantendo-se fiel à versão dos irmãos Grimm, para criar um bailado romântico contemporâneo. A história é conhecida de todos, o que deu maior liberdade para se concentrar na linguagem dos corpos dos seus 26 bailarinos, dando mais atenção ao simbolismo e ao espaço, sem que, de qualquer forma, se perdesse o rumo da narrativa, já que essa tem um fio condutor e um espaço na memória colectiva já garantido. A fidelidade à versão dos irmãos Grimm é algo que o coreógrafo foca elevando-o ao lugar essencial no seu trabalho. A história é esta, as variações que são feitas dependem apenas de algumas visões e análises de determinados símbolos existentes no texto e no contexto do mesmo. A reivindicação do termo bailado advém exactamente da reunião dos 26 bailarinos da companhia, o que reflecte não só a vontade de trabalhar em universos opostos, mas também a importância que o coreógrafo dá a este seu trabalho.

Para “Branca de Neve”, Angelin Preljocaj construiu uma dramaturgia musical com alguns dos mais belos excertos das sinfonias de Gustav Mahler, cujos contornos românticos encantaram o coreógrafo e que combinam na perfeição com o universo maravilhoso conseguido pelos cenários de Hierry Leproust e pelos figurinos de Jean-Paul Gaultier. Eles dançam ao som das sinfonias de Mahler, cujos magníficos contornos são de essência romântica. “Historicamente, os contos de Grimm também o são, mesmo se o seu estilo límpido nos transporte para uma forma de contemporaneidade. É uma tarefa delicada, procurar emocionar. A música de Mahler é manipulada com grande cuidado, mas hoje é um risco que eu tinha vontade de assumir.”
Preljocaj conseguiu o que queria, trabalhar no oposto, “escrever algo de muito concreto e abrir um parêntese feérico e encantado. Para não cair nas minhas próprias rotinas, claro. E também porque, como toda a gente, adoro histórias.”.
Este espectáculo e a criação de Preljocaj permite-lhe contar uma história através da dança, de forma delicada e apaixonante. Os corpos dizem coisas além das histórias, assim como as energias e o próprio espaço, onde os personagens experimentam e sentem, de modo a conhecer a sua própria transcendência. Além disso, segundo o autor “Branca de Neve contém objectos maravilhosos para o imaginário de um coreógrafo”. Trata-se de um bailado narrativo, com dramaturgia, em que os lugares são representados pela cenografia de Thierry Leproust, e os bailarinos encarnam usufruem dos figurinos de Jean-Paul Gaultier.

A madrasta é a personagem central do conto e é nela que está o ponto de reflexão e de questionamento de Preljocaj ao desenvolver este seu trabalho. “É ela que eu também questiono, pela sua vontade narcísica em não renunciar à sedução e ao seu lugar como mulher, ao ponto de sacrificar a sua enteada. A inteligência dos símbolos pertencem tanto aos adultos, como às crianças, dirige-se a todos e é por isso que eu adoro os contos.” Uma história a ouvir, um bailado a deixar tomar o seu espaço.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (24.12.2008)

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