segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Histórias inimagináveis cheias de magia e poesia


O Óscar tem um jardim
Teatro de Marionetas do Porto

O Óscar é um menino e tem um jardim. À passagem das quatro estações do ano, este menino, que adora brincar e que tem como amigos não só os humanos, como o jardineiro Joaquim, mas também os animais e as plantas, vai-nos oferecendo o seu mundo. Neste jardim tudo pode acontecer, depende sempre da imaginação desta criança que partilha as histórias com as outras crianças, mas também com os adultos. “Óscar” é uma peça escrita para marionetas, embora tenha já sido representado em forma de teatro infantil. O texto e a encenação são de João Seara Cardoso e o teatro de Marionetas do Porto apresentou-a, pela primeira vez em 1999, tendo vindo a ser reposta em vários locais. 9 anos depois é apresentada no Centro Cultural de Belém, de 12 a 14 de Dezembro.

“O Óscar tem um jardim, e o jardim era assim (…)”, desta forma começa a história do Óscar e do seu jardim, o seu lugar de brincadeira preferido. Ali constrói mundos imaginários, onde se relaciona com animais e plantas, além do seu fiel amigo, o jardineiro Joaquim, que teima em enganar, escondendo-se atrás das árvores.
Eles são apenas três, os manipuladores das marionetas, essas que são senhoras e tomam conta do palco – Edgar Fernandes, Sérgio Rolo e Sara Henriques, mas contam uma história repleta de personagens aliciantes. Para ajudar existe um cenário de onde surge poesia que passa para o espaço. Uma espécie de “mesa-telhado-inclinado” por cujos postigos surgem e desaparecem as histórias. Além de toda a poesia envolvente, desenham-se linhas no texto de uma destreza que permite o desenvolvimento contínuo desta fábula.
Neste jardim é possível ver o Ouriço Ribeiro que anda a colher maçãs para a sua fábrica de compota de maçã, o porco Cambalhota que tanto “cambalhotou” que um dia foi parar à lua, de onde pede ajuda ao Óscar para voltar ao jadim. Além disso ainda há uma vaca radical que bebe as poças do jardim todas até ficar cheia de vontade de ir à casa de banho. Nesta altura já passámos pelas estações todas, porque a última é o inverno e a vaca já anda a beber a água da chuva, mas no entretanto tomamos contacto com uma laranjeira que só dá laranjas amanhã, um capitão Iglo que encalhou numa poça de água do jardim (Porquê? Porque a vaca bebeu as poças todas), as flores que andam sempre a mudar de lugar e a baralhar o pobre Joaquim, o Gigante que tem um outro mundo imaginário onde há um carrossel e tudo gira dentro da sua cabeça. O gigante come o Óscar dentro de uma baguete gigante, prometendo uma viagem que só poderia ser aliciante para uma criança, já que não faltarão doces e outras coisas mais. Mas ele volta ao palco. Há ainda a galinha Chocapic que choca um ovo que não é novo e vai-se a ver e é a bola de futebol do Óscar, e ainda por cima a galinha está a chocar o ovo mesmo em frente à porta de casa da lagarta, que está sempre a perguntar: “Já nasceu?”.
No mínimo este espectáculo tem um texto cheio de coisas engraçadas de tão inacreditáveis, mas que são mágicas por isso mesmo. “E agora já nasceu?”. O espectáculo vai-se desenrolando com estas histórias dentro da história, estruturado pela passagem das quatro estações, possibilitando também a aprendizagem, já que o jardim se vai vestindo de diversas roupagens. As histórias, a música, as cores, as palavras e os cheiros vão tomando a forma das sensações que caracterizam o jardim durante as diferentes fases do ano.
Mas mais do que um espectáculo didático, esta é uma peça que explora sensações e que possibilita uma viagem extraordinária. Esta é uma viagem ao interior de um rapaz porque nos deixa entrar nas suas aventuras, que são criadas a partir de elementos da sua imaginação. Divertimento puro. A mesma laranjeira de que falávamos há pouco anda a pentear uma laranja. Existem mesmo coisas inacreditáveis: verbos novos como lagartar ou cambalhotar, ideias sem nexo, mas que afinal fazem sentido e rimas sem fartar.
No fim chega o inverno. O Óscar já não pode brincar no jardim, mas continua a interagir com os seus elementos, a partir da janela da sua casa. Quando pára de chover, lá vai ele chapinhar nas poças de água. O inverno chega ao fim… e depois? Especialmente concebido para crianças a partir dos três anos de idade, “Óscar” é uma obra capaz de sensibilizar os adultos que acreditam que a vida também passa pela fantasia.
Quem dera às crianças de Lisboa e outras tantas poder brincar como antes, nas poças da chuva e nos jardins, criar estes mundos imaginários com os amigos de fantasia que agora vemos cada vez mais apagados. Quem dera a elas e quem dera a nós. A cidade era tão mais bonita quando as crianças corriam pelo bairro da Graça.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (05.12.2008)

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