terça-feira, 23 de dezembro de 2008

“No Cinema” – o espaço cinematográfico



Centro de Memória - novo espaço em Vila do Conde

O Centro de Memória, novo espaço cultural em Vila do Conde, abriu ao público, e para marcar este acontecimento, a Solar Galeria de Arte Cinemática inaugurou a exposição 'No Cinema', uma colectiva de diversos artistas, que estará patente naquele novo espaço até ao dia 30 de Julho de 2009. Na mostra são apresentados trabalhos de Cesário Alves, Sandra Gibson, Luis Recoder, Cristoph Girardet, Mathias Müller, Graham Gussin, Ariane Michel e Tsai Ming-liang.


O Centro de Memória é um espaço da Câmara Municipal de Vila do Conde, instalado na secular Casa de S. Sebastião. Com uma área de praticamente 2.700 metros quadrados, este edifício foi reestruturado para receber a componente destinada a exposições com temática focada na história da formação e evolução urbana, social e cultural da cidade. Os dois corpos novos duplicaram a área do edifício existente, perfazendo cerca de 5.400 metros quadrados, recebendo os depósitos do arquivo municipal, áreas de tratamento técnico, recepção, salas de exposições temporárias e permanentes, sala de leitura e sala polivalente, serviços educativos, espaço internet e cafetaria, compreendendo uma área de estanteria e módulo de armazenamento, naquilo que constituirá um dos mais modernos arquivos municipais. Existe ainda um jardim urbano dentro dos muros antigos do Solar, mantendo, no antigo logradouro, as pré-existências características de Vila do Conde medieval. Já de si este espaço tem bastante potencial, mas o que dizer quando vemos que além disso o projecto inaugural nos cativa de tal forma?
O cinema tem vindo a estabelecer uma relação privilegiada com o museu enquanto espaço expositivo, muito pela perda de magia das salas de cinema. Nas últimas décadas temos vindo a assistir ao desaparecimento das verdadeiras salas de cinema, substituídas pelos pequenos estúdios, nos anos 80, e depois pelos complexos de pequenas salas nas grandes superfícies comerciais. Assim, as salas foram desenraizadas, tendo começado a abandonar as suas áreas nobres, o centro das cidades. Constata-se uma certa nostalgia, que se tem manifestado em alguns dos cineastas da actualidade, assim como por artistas de outras áreas de expressão visual. Desta forma assistimos a uma integração dessa matéria noutros espaços que não as salas de cinema.



Em Vila do Conde, no contexto da realização do Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema em Vila do Conde, que acontece pela primeira vez em 2002, e associado ao mesmo, surgiu um novo projecto que tem vindo a conferir especial atenção a este fenómeno da intromissão do universo cinematográfico no espaço de uma galeria, a Solar - Galeria de arte cinemática.
“No Cinema” é uma exposição, comissariada por Dario Oliveira, Mário Micaelo e Nuno Rodrigues, que parte de um conceito relacionado com a memória cinematográfica e artística, e que relaciona um evento, o do início da utilização deste espaço, com a sua própria essência programática. A Solar – Galeria de Arte Cinemática tinha trabalhado com Tsai Ming-Liang, um artista que tem um interesse por outros lugares de apresentação de imagens em movimento, como o museu. “It´s a dream” foi concebido por Tsai para a exposição Atopia e foi esta a ideia base de organização desta exposição. Trata-se de uma obra que convoca para o espaço do museu uma sala de cinema revestida com espelhos, habitada por uma tela e um conjunto de cadeiras provenientes duma antiga sala de cinema da Malásia (país de origem do cineasta, onde nasceu em 1957). Nesta última é apresentado um filme que, também ele, exibe uma sala de cinema abandonada onde se encontram as cadeiras transportadas para o museu.
Também uma outra instalação “Deanimated”, recentemente exposta na galeria Solar a propósito da exposição Martin Arnold, esteve na origem deste projecto. Foi a partir destas duas instalações, que convocam para o interior do museu a presença física da sala de cinema, que se decidiu conceber esta exposição para o espaço do Centro de Memória, cujo título remete para a vivência passada e presente do lugar do Cinema. Trata-se de uma musealização do espaço do cinema e do seu espectáculo, a projecção numa sala escura., alternando-se, inevitavelmente, a noção de tempo. É criada uma nova relação temporal e espacial com o espectador, que é testemunha de um espectáculo público desvalorizado e ultrapassado pela passagem da projecção pública ao consumo privado.





“No Cinema” reúnem-se as obras “Cine-Teatro Neiva” (2008) de Cesário Alves, “Light Spill' (2006) de Sandra Gibson e Luis Recoder, “Play” (2003) de Cristoph Girardet e Mathias Müller, “Unseen Film” (2001) de Graham Gussin, “The Screening” (2008) de Ariane Michel e “It's a Dream” (2007) de Tsai Ming-liang.
“Ao longo das várias salas de exposição define-se um percurso que introduz o visitante num espaço de imersão, um espaço no qual vai (re)descobrindo vestígios do espaço do cinema, num contexto de bulimia visual que privilegia o fluxo interminável e fragmentário de imagens. Por sua vez, fomenta-se a circulação do espectador, o qual põe de parte a atitude contemplativa/passiva anteriormente assumida na sala de cinema. Nesta exposição, o visitante é convidado a percorrer os espaços, a descobrir as formas e os sons dos próprios mecanismos que permitem a fruição dos filmes. Perante as múltiplas e simultâneas projecções, o espectador é levado a percorrer as diversas salas de exposição, a fazer escolhas, permanecendo ou descobrindo novos espaços, integrando a própria obra artística.”, assim nos é apresentado o conceito da exposição, nas palavras de Nuno Rodrigues.
Esta é uma forma um pouco triste de reviver o cinema tal como gostaríamos que ele fosse porque nos dá a ideia de que jamais voltará a ter o seu espaço privilegiado na urbe, mas talvez a magia esteja aí, na passagem do cinema ao espaço de estilo museológico, em que possamos elevá-lo ainda mais à luz e ao foco artístico, porque o cinema toma a voz dos artistas plásticos e os artistas plásticos o diálogo do cinema.

ANA MARIA DUARTE
Artigo Publicado no Jornal Semanário (24.12.2008)

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