segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Improvisação e experimentação | Carlos Zíngaro e Pascal Contet

No âmbito do ciclo “Isto é Jazz?”, terá lugar, esta noite, pelas 21h30, no Pequeno Auditório da Culturgest, o concerto de Carlos Zíngaro. Ele é simplesmente um dos mais respeitados em termos de música jazz de imporvisação, em Portugal. É também o mais internacional, sendo amplamente reconhecido pela crítica. Tem mais de 50 discos editados e já foi distinguido pelo seu trabalho e percurso. Acho que são elogios suficientes e motivos também. Mas há mais um: ao seu lado está um dos “must” na improvisação – o acordeonista Pascal Contet.

O percurso de Carlos Zíngaro começou na década de 1970, neste universo, ao lado de músicos como Anthony Braxton, Richard Teitelbaum, Fred Frith, Derek Bailey, Joëlle Léandre, Otomo Yoshihide, George Lewis e Daunik Lazro. Estudou musicologia, música electro-acústica e música contemporânea (teatro-música), designadamente na Universidade Técnica de Wroclaw (Polónia) e na Creative Music Foundation (New York) onde contactou com Anthony Braxton e Richard Teitelbaum.
A carreira como violinista de orquestra deixou de lhe interessar face à curiosidade pelas músicas que a Portugal iam chegando na década de 60 apesar do isolacionismo promovido pela ditadura. Ele foi experimentando e incorporando coisas na sua linguagem. Fê-lo como um pioneiro absoluto entre nós dessas práticas musicais e no processo muito depressa se destacou a nível internacional, apesar de continuar a ser um pouco ostracizado ou pelo menos ter poucos olhares atentos sobre ele. O normal. Mas por acaso, agora que comemora os seus 60 anos, este concerto parece culminar um período de excepção: este é o seu quarto concerto português em espaços nobres. Depois do ZFP Quartet no Jazz ao Centro, do Spectrum String Trio nos Dias da Música em Belém (CCB) e do trio com John Butcher e Gunter Muller no Música Portuguesa Hoje (CCB), o dueto com Pascal Contet demonstra uma vez mais que não é possível confinar este enorme músico num âmbito bem definido e arrumado. “Isto é Jazz?” - pergunta-se. Zíngaro responde: «Continuo a não me considerar um “músico de jazz”, apesar de todo o fascínio que essa música sempre despertou em mim. Não tive nem tenho a vivência e o percurso técnico ou prático do jazz. O free jazz de finais de 1960 e inícios de 1970 era para mim quase mais um acto político, a revolta de quem fora “condenado” por um regime ditatorial a cerca de três anos e meio de serviço militar obrigatório, mais de dois dos quais em África, na guerra colonial. O direito a contradizer o que era “normal” na altura – o clássico bem-pensante, a pop melodiosa, o (muito pouco) jazz de hotel... Tais situações empurraram-me para radicalismos de que ainda hoje sofro as consequências, por parte de pessoas que me condenaram na altura a atitude revolucionária, mas depois da revolução passaram a considerar-se elas mesmas “revolucionárias”. No fundo, muito pouco mudou, pois agora algumas dessas pessoas esqueceram as suas “derivações revolucionárias” e são detentoras do poder. Não se contentando em determinar o que é ou não “jazz”, têm a capacidade fantástica de determinar o que é ou não é música! E como tal, apenas se não puderem boicotarão qualquer presença “perturbadora” do seu “status”...».
Ele foi pioneiro em Portugal na utilização das novas tecnologias na composição e interacção em tempo real e toca nos mais importantes festivais e concertos de “improvisação” e “nova música” na Europa, América e Ásia, a solo ou em grupos com os compositores/músicos internacionalmente mais significativos nestas áreas musicais.
Paralelamente colaborou com diversos coreógrafos, encenadores e realizadores como Olga Roriz, Vera Mantero, Giorgio Barberio Corsetti, Ricardo Pais, Ludger Lamers e Francis Plisson.
Contet, por sua vez, estudou na Alemanha (Musikhochschule de Hanover) e na Dinamarca (Conservatório Real de Copenhaga). Ao seu repertório habitual de concerto a solo (com obras de grandes nomes da música erudita, contamporânea ou barroca, como Gubaidulina, Kagel, Donatoni, Bartok, Couperin, Scarlatti, Monteverdi), juntou, depois de 1992, as criações de Ballif, Berio, Bedrossian, Cavanna, Drouet, Fedele, Fénelon, Françaix, Globokar, Jodlowsky, Moultaka, Monnet, Naon, Rebotier e Torres-Maldonado. Tal como Zíngaro, o seu percurso musical é marcado pelas constantes cumplicidades com outras formas artísticas como a dança contemporânea, o teatro, as artes visuais e pela persistente pesquisa de novos sons e novas fronteiras.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (05.12.2008)

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