sábado, 29 de novembro de 2008

That Night Follows Day | Uma voz colectiva, um olhar adulto sobre as crianças


Já estreou a peça “That Night Follows Day (Que depois do dia vem a noite)” um espectáculo de Tim Etchells e Victoria. Esta é a segunda produção com crianças (embora para o público adulto) do Victoria, depois de “ÜBUNG”, de Josse Pauw, de 2001, que passou pela Culturgest em 2004. A peça poderá ser vista até sábado (sempre às 21h30) no Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa. Explorando a forma como o mundo das cri

anças é determinado pelos indivíduos em idade adulta, Tim Etchells consegue falar sobre paternidade, educação, disciplina, cuidados e bem-estar. Este é provavelmente o melhor

espectáculo de teatro para ver até ao final do ano na capital.

Esta peça cataloga as várias maneiras segundo as quais o mundo das crianças é determinado pelos adultos. De forma clara e com bastante humor, são investigadas as temáticas relativas aos sistemas de paternidade, educação, disciplina, cuidados e bem-estar que definem os mundos das crianças e dos adolescentes. Com actores jovens, belgas, em palco, o encenador consegue pôr os próprios jovens e a

dolescentes focados no texto a falar sobre si mesmos, ou sobre a forma como os adultos implicam nas suas formas de estar e de ser. Com um atitude lúdica, mas provocante, Tim Etchells põe os “pais” a ver e ouvir as crianças e adolescentes falar sobre a maneira como os adultos projectam neles o seu mundo.

Considerado pela crítica internacional uma representação “avassaladora: convincente, apaixonada, vulnerável, bela e verdadeira”, este espectáculo já amplamente reconhecido de qualidade faz-nos reflectir sobre o que é ser pai e o que é ser criança.

Tudo começou com Victoria a pedir a Tim Etchells, escritor e director artístico da famosa companhia britânica Forced Entertainment, para fazer um espectáculo com crianças. Tim Etchells acedeu a este pedido e criou “That Night Follows Day”, uma peça com dezasseis crianças com idades entre os 8 e os 14 anos, sendo a primeira vez que o director trabalha com um elenco deste tipo. O espectáculo baseia-se num texto escrito pelo próprio Etchells. O texto é um catálogo, um discurso anti-narrativo por excelência, dito muitas vezes em coro para que entre bem na cabeça daqueles que estão na plateia. Como é frequente no seu trabalho, Tim Etchells procura voltar o holofote para a situação em si, as expectativas e os problemas da própria apresentação do espectáculo. O resultado destas escolhas cénicas e dramaturgicas é uma visão do mundo muito exaustiva, comovente e implacável.

Pela presença das crianças/adolescentes em palco, já que os intérpretes têm entre 8 e 15 anos, este espectáculo relaciona-se necessariamente com os PANOS, o projecto da Culturgest de nova dramaturgia para o teatro escolar/juvenil inspirado no “Connections” do National Theatre de Londres; se bem que no PANOS as peças têm sido maioritariamente baseadas numa narrativa e na construção de personagens. Em “That Night Follows Day” há mais uma voz colectiva do que personagens, há mais um discurso que uma narrativa.

Em Abril do próximo ano, será apresentado um espectáculo que ecoa um pouco este “That Night Follows Day”. Chama-se “Once and for all we’re gonna tell you who we are so shut up and listen” e é da companhia Ontroerend Goed. Foi produzido na mesma cidade de Gent. O primeiro é feito com crianças, com um texto quase constante e com um discurso colectivo. O segundo apresentará um palco de adolescentes, onde não há quase espaço para a palavra e a dramaturgia é mais próxima da música. A mesma cena é repetida com variações e há uma inteligência formal que enforma a energia aparentemente incontrolável daqueles corpos (chocantes) em palco .

“Vocês alimentam-nos. Dão-nos banho. Vestem-nos. Cantam para nós. Observam-nos quando estamos a dormir. Fazem-nos promessas de que acham que não nos vamos lembrar. Contam-nos histórias com final feliz e histórias sem final feliz e histórias com um final que nem sequer chega a ser um final. Explica-nos o que é o amor. Explicam-nos as diferentes causas da doença e as diferentes causas da guerra. Sussurram quando acham que não devemos ouvir. Vocês explicam-nos que depois do dia vem a noite”. Um espectáculo perdível só com razões muito fortes ou impossibilidades comprovadas.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (28.11.2008)

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