quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Espaço para o espectador activo


Entrevista Damião Porto

O Espaço Cultural Serv'artes, Habiserve Arte e Design tem estado a expor exposições individuais de pintura. Debruçamo-nos sobre a mostra de Damião Porto, denominada “Obra Aberta”, que estará patente até ao final do mês de Novembro. O conjunto de obras que apresenta parte do processamento de discutir acerca da abertura e proximidade das obras. O Semanário explorou este conceito.

Ana Maria Duarte: Em que momento se enquadra esta exposição. Defina-me um pouco o seu processo e o porquê de expor estas obras especificamente.
Damião Porto: Começo por dizer que que tal exposição, a convite do espaço Servartes, me fez recuar no tempo, por colocar discursos diferentes para públicos diferentes. Ou seja, interessava-me uma exposição (desenho e pintura) que mostrasse a obra actual, “aberta” a conceitos, e mostrar toda esta liberdade criativa, a diversidade de processos utilizados e de classificação de diferentes obras perante o público.
Poderiam ser outras obras, do mesmo período, no sentido de estabelecer esse ciclo itinerário que se prolonga nas telas mais recentes, como referências literárias e musicais onde se transformam pela liberdade da pintura. Todo o meu processo passa pela incerteza, indeterminação, pela existência como inventor de ideias, de ideias plásticas, de formas. Até quando? Até aos 99 anos de idade, se me deixarem. (risos)

AMD: A sua exposição "Obra aberta" revela uma certa vontade de abertura, de mostrar, de criar proximidades. Esta proximidade deve ser encarada de uma forma mais ligada ao conceito da obra ou do artista ao público?
Damião Porto: Bom, diria que esta proximidade das minhas obras se “arrasta” como fio condutor para o próximo. Esta proximidade, no fundo, de estudos e experiências já narradas por outros pintores, aparece num momento crucial da minha obra. Em ultrapassar certos limites, na liberdade de momentos episódicos e vibrantes e de capítulos temáticos a desenvolver. Estou a pensar, por exemplo, nos “cavalos” em confronto com Dom Quixote, na possibilidade de manifestar a identidade com a figura, sem qualquer comparação pictórica. Ou então, o ruído da “Prova de velocidade” com a música de Jazz. Estas mudanças temáticas, ou o aparecimento de um interesse por este ou aquele “assunto” não são diferentes das outras mudanças. Estas sensações que aparecem, sinto-as e estou consciente do que me acontece, tudo sucede naturalmente. Daí dizer sempre que a minha obra só fica completa quando encontrar o diálogo com o seu público. O espectador tornar-se activo, a inventar os seus próprios discursos e histórias pela pintura feita. É talvez este o convite mais importante que esta obra vos pode trazer.


AMD: O seu texto sobre a exposição fala-nos de opostos e de novidades, de recomeços. O que procura na sua pintura acima de tudo? É essa oposição constante de conceitos?
Damião Porto: Arrisco em dizer que a pintura hoje nos fala da “mudança constante”, ou seja, hoje, o importante para o artista plástico, é que se trate de mudanças que nascem de necessidades profundas. Acima de tudo é isso que se passa na minha obra. Um processo indefinido de questões que permanecem ao longo de todo o meu percurso, tais como a definição da composição do quadro enquanto resultado de diferentes tensões e estrutura do mesmo num pormenor ou num detalhe. Esta exposição poderá originar novas leituras e interpretações para um trabalho que se exerce como uma arte combinatória de possibilidades sempre em aberto.

AMD: Como se enquadra a sua obra neste espaço?
Damião Porto: Vejo-a como uma pequena fatia do meu percurso. A minha actividade como pintor, um ciclo, um registo, um reviver de leituras. Lamento não ser um número maior de obras. Porque todas as dúvidas e questões seriam mais preciosas.

AMD: Onde gostaria de expor no futuro?
Damião Porto: Queria dizer que, por estranho que pareça, o que me faz pintar ou ter vontade de desenhar não é pelo facto de querer expor aqui ou ali. Faço-o da mesma forma que escrevo. A pintura é uma viagem sem fronteiras, onde tiver que parar para ser vista e dialogada, ela fá-lo por si. O interesse em expor nas grandes galerias ou museus está em que aquilo que nós chamamos “carreira”. Estou mergulhado nela, resta-me esperar que a minha obra seja um motor que faça andar o público atrás dela, independentemente do espaço.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (ed. 21.11.2008)

Sem comentários: