quinta-feira, 4 de junho de 2009

“Há um tipo que se chama João Paulo…”

João Paulo toca Carlos Bica

João Paulo é um músico do momento, ele cria intensamente e faz com que entremos numa viagem. Na quinta-feira, dia 4 de Junho, às 21h30, no Grande Auditório da Culturgest terá lugar o concerto João Paulo toca Carlos Bica, com João Paulo ao piano, composições e participação especial de Carlos Bica. Se o próprio Carlos Bica se sente lisonjeado pelo momento, como nos sentiremos nós?



João Paulo é lisboeta, nasceu nos anos 60, logo no início da década. Iniciou os seus estudos musicais na Academia de Santa Cecília, dedicando-se desde muito cedo ao piano. Mais tarde ingressa no Conservatório Nacional, onde, em 1984, obteve o diploma do Curso Superior de Piano com a classificação máxima. Paralelamente tinha uma intensa actividade no universo jazzístico e na música popular. O primeiro fruto dessa actividade musical do jazz dá-se em 1979, com a sua participação no Cascais Jazz, e depois ensinando na escola do Hot Clube. Se pensarmos na sua ligação à música popular essa reflectiu-se e cresceu no acompanhamento de artistas Destaca-se a sua colaboração com Fausto ("Por este rio acima"), José Mário Branco ("Ser solidário") e Sérgio Godinho. Foi com este último que desenvolveu um trabalho mais intenso: acompanhou-o em espectáculos e colaborou, primeiramente como músico (1981), no disco "Canto da boca", sendo mais tarde (1983) o arranjador e director musical do álbum "Coincidências".


O percurso fazia-se por cá até à sua ida para Paris, cidade escolhida para aprofundar o seu conhecimento, tendo optado pelo Conservatório de Rueil-Malmaison. Os seus resultados foram mais uma vez excelentes e acabou por ficar por mais um período de quatro anos, dando recitais na França e nos Estados Unidos. O regresso a Portugal dá-se em 1992 e colabora, como arranjador e director, com Vitorino no álbum que este compõe sobre textos de António Lobo Antunes "Eu que me comovo por tudo e por nada" (1992), merecendo-lhe uma distinção especial: o Prémio José Afonso pela primeira vez entregue a um arranjador. Trabalha com Sérgio Godinho, nos arranjos e direcção musical de “Tinta permanente” (1993), e no mesmo ano funda com o pianista Mário Laginha a orquestra de câmara "Almas e Danças". Em 1994 trabalha com Filipa Pais (“L’Amar”) e improvisa na Cinemateca Nacional, musicando filmes mudos. Colabora regularmente com músicos como Tomás Pimentel, Carlos Martins, Pedro Caldeira Cabral, Mário Laginha, Pedro Burmester e Maria João, entre outros. Juntamente com Jorge Reis, Mário Franco e José Salgueiro, forma o quarteto de João Paulo. É com esses músicos que grava "Serra sem fim", o primeiro disco em seu nome. A sua discografia, agora, enquanto líder, conta com 9 álbuns. Hoje toca com “Nascer” (música tradicional portuguesa e sefardita), “As sete ilhas de Lisboa” (música improvisada com Paulo Curado e Bruno Pedroso), e com o trio “Cor” (com Cláudio Puntin e Samuel Rohrer. Nos últimos tempos, tem tocado regularmente em duo com o contrabaixista Carlos Bica e participou em Março no espectáculo “A Mãe” de Brecht, encenada por Gonçalo Amorim, onde tocava ao vivo e interpretava música de Hanns Eisler.
O percurso de João Paulo e o seu curriculum são de grande consistência, mas aquilo que mais o distingue de outros grandes músicos é a sua magia em palco, que muitos dizem que se compreende melhor a solo. Sérgio Godinho dizia que nos anos 80 se segredava o seu nome “Há um tipo que se chama João Paulo, que se senta ao piano e ...".; Vitorino diz que “O que é bom é ouvi-lo ao vivo. Não cede nem um milímetro no essencial.” E é um privilégio ouvi-lo tocar, tocar desta vez Carlos Bica que diz: “Músico dono de uma mestria de instrumento e de uma musicalidade genial raras, João Paulo é muito mais do que apenas um excelente pianista, ele é um músico capaz de criar do momento, do agora. Sinto-me especialmente lisonjeado por poder ouvir o João Paulo a tocar a minha música. Ele interpretou, recriou e inventou as minhas composições. Apenas me resta agradecer-lhe profundamente por este especial acto de cumplicidade artística e pela sua amizade.”
São muitas as referências, João Paulo engloba tudo isto sendo um músico de improvisação latente, sem rótulos, e ao interpretar peças escritas por Carlos Bica, contrabaixista, consegue sons únicos em “White Works”, o disco em que o piano tem mais voz. O piano é um meio de expressão musical e por não ver em si o fim (o mesmo dizia numa entrevista: “Nada tenho contra o piano, mas também nada tenho especialmente a favor.”), consegue atingir uma relação incrível com este instrumento e ser um dos melhores teclistas no panorama nacional. Talvez seja por esse distanciamento do instrumento, onde o que interessa é o que há para dizer. O conteúdo e não a forma. É este o João Paulo que provavelmente encontraremos no concerto na Culturgest.
João Paulo é um músico raro, daqueles que consegue abarcar a composição, a interpretação e a improvisação. Assim o acha Mário Laginha e assim lhe peço emprestadas as palavras para definir o músico.


ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado Jornal Semanário (29-05-2009)

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