terça-feira, 28 de abril de 2009

As possibilidades infinitas de JP Simões

JP Simões apresentou “Boato”
Stand-up comedy intelectual


Praticamente 2 horas de concerto serviram a apresentação de “Boato”, novo disco de JP Simões. A apresentação do álbum aconteceu no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, na passada 3ª feira, espaço onde foi gravado este mesmo disco, a 7 e 8 de Novembro de 2008. Acompanhado por Sérgio Costa, ao piano, ou a solo com a sua guitarra, JP Simões apresentou um conjunto de 18 músicas, numa espécie de “stand-up comedy intelectual”.

Em “Boato” viaja-se pela carreira do músico, 10 anos depois do lançamento de “Fossanova”. Este disco faz um pouco o apanhado deste período de criação artística, uma antologia registada, com um conjunto de 9 temas já editados anteriormente e 12 temas inéditos.
Nas palavras de JP Simões o nome do disco surgiu “entre outras coisas, da ideia de que quisesse perceber, através de um disco meio antológico, por onde é que andei e o que é que pensei durante todo o tempo em que construí estas canções, teria de me render à evidência de que tudo o que sei sobre mim são essencialmente boatos, verdades voláteis…”
“A Ópera do Falhado” foi bastante referida no disco e no concerto, aliás, foi com um tema dessa ópera que começou – “Lenda do Homem Pássaro”. No primeiro “discurso” de JP, percebemos qual o universo por onde íamos andar durante aquela noite. “Não devia ter jantado, tenho o diafragma cheio de vaca.”, conta-nos, numa espécie de confissão. E assim, cheios, passamos para a ficção de Fernando Pessoa, seguido de “O teu corpo é mágico, faz-me desaparecer”. Até aqui JP Simões esteve sozinho com a sua guitarra, com músicas e discursos desconexos que faziam soltar os primeiros risos.
À quarta música já tínhamos Sérgio Costa ao piano e foram sendo apresentados temas da mítica “Ópera do Falhado” e do suposto “Fiasco”, um hipotético nome para o próximo disco do músico. Histórias de amor e desamor, contadas nas músicas e entre elas, histórias de mulheres, com nomes como “Glória” ou “Joana Francesa”, recordando Chico Buarque e o trabalho que desenvolveu baseado neste autor.
JP Simões foi alternando entre a guitarra e uma posição de maior exposição, mas onde sentimos outro personagem, que dança como um desenho animado e que se esconde em capas de várias cores, ao microfone, acompanhado apenas pelo piano. A libertação de JP deu-se aliás, num desses momentos, em “Eu um dia hei-de ter poder”, em que parece libertar alguém dos tempos de Belle Chase Hotel. Neste tema, tal como em outros, como em “La toilette des… toils”, que viria a apresentar mais tarde, encontramos um tom mais falado, mais teatral.
JP Simões presenteou-nos entre músicas, e mesmo nelas, com histórias surrealistas, como a do papelinho encontrado, retratando “Tiago Cristo” que nos dá de forma melodiosa a frase “Quando Deus fecha uma porta, abre uma janela (…) no 9º piso”, e que nos transporta para o seu universo. Discursou e contou piadas embebidas de ironia, enquanto bebericava o seu copo de vinho, num limbo entre aquilo que é verdade ou aquilo que é pensado, mas que conta como verdadeiro. E desta forma foi fazendo as suas críticas, à crise, à existência humana e às coisas do quotidiano.
Depois de 13 canções, o encore trouxe mais 5, onde ainda houve tempo para uma improvisação, em que soltou o seu cão, um momento de puro delírio e divertimento. Um dos pontos fortes do concerto foi a cumplicidade entre JP Simões e Sérgio Costa, que tem influência não só na música, mas também no ambiente que se vai criando. Aliás, o álbum é apresentado como sendo dos dois, sendo Sérgio responsável por todos os arranjos.
JP Simões é um animal cerebral, um homem com um tom de voz fascinante, mas onde dificilmente percebemos onde acaba o seu discurso de “stand-up comedy intelectual” e onde começa a exposição real e liberta de preconceitos ou inseguranças. JP Simões é um músico de possibilidades infinitas que anda a viver esta “Vida que são as férias que a morte nos dá”.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (24-04-2009)

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