terça-feira, 28 de abril de 2009

Sonata a três vozes

Vício e virtude em palco
“Menina Júlia” encenada no TNDMII


O Teatro Nacional D. Maria II estreia, a 16 de Abril, “Menina Júlia”, considerada a obra-prima de August Strindberg, pintor, escritor e dramaturgo sueco. Um dos pais do teatro moderno, Strindberg escreveu esta peça em 1888, sendo considerada uma obra importante e, sem dúvida, a mais representada.
Censurada na época pelo seu conteúdo chocante e pela ténue fronteira entre vício e virtude, esta é uma história intimista que reúne alguns dos temas fundamentais de Strindberg, considerado um drama de carácter naturalista. Uma sonata intimista, a três vozes, numa situação de grande impacto emocional.

Júlia é uma fidalga inocente, com tom de provocação, uma jovem aristocrata, filha de um Conde. Jean é criado desse mesmo Conde. Atracção e choque são os sentimentos que se começam a desenvolver entre eles. Numa noite de festa, em que Júlia, depois de ter rompido com o noivo, não acompanha o pai numa visita a casa de parentes e passa a noite de S. João na sua propriedade na companhia dos criados, Júlia seduz Jean, Jean seduz Júlia. Esta relação tempestuosa inicia-se na cozinha senhorial. A fidalga assalta o escritório do pai, consegue dinheiro para a viagem e foge com o criado. Desejo, recalques, ódios, atracção e repulsa, conflitos de poder, de humilhações, o choque violento das classes sociais e dos sexos, tudo povoa uma noite trágica que conduzirá fatalmente à derrota de uma das partes em confronto.
Júlia acaba por suicidar-se com medo do desconhecido e daquilo que a vida lhe trará. Um desenlace trágico assistido por Cristina, a cozinheira e noiva de Jean, pertencente a uma classe menos favorecida, que vai observando o desenvolvimento deste relacionamento. Nesta encenação de Rui Mendes, a Menina Júlia é Beatriz Batarda e o Conde, Albano Jerónimo. A criada é interpretada por Isabel Abreu.
As três personagens movem-se neste universo sexista e de luta de classes. O dramaturgo consegue trabalhar num momento de transição de uma sociedade aristocrática para uma sociedade burguesa inconformada. A luta de classes nunca se separa da luta entre sexos, ambas estão num clima de frustração, conseguido através de um texto subtil e violento, um texto político, submerso numa bolha romântica. Fala-se de vício e de virtude, que por vezes se misturam e o autor propõe uma abolição do conceito de culpa.
No prefácio Strindberg escreve que “a peça não pretende suscitar apenas piedade e compaixão, a intenção é que o estudo psicológico e fisiológico abandone os simples sentimentos catárticos do espectador burguês e se torne sinal de uma nova época”. Revolucionário por natureza, Strindberg explorou neste texto uma estética naturalista, procurando a liberdade, mais do que a depressão e demonstra grande consciência das minúcias da linguagem teatral. “Menina Júlia” é uma peça assombrada por símbolos, de confrontos sem trégua, polvilhada de digressões poéticas e atravessada por um sentimento de fim (ou de início) que também encontramos no menos brutal Tchekhov.
Rui Mendes encena um texto marcante pelas inovações estilísticas e pela densidade psicológica das personagens que se movem numa luta de classes, um texto clássico da literatura dramática universal, retomado agora com uma tradução inédita da autoria de Augusto Sobral e um elenco de criativos composto por Manuel Amado (cenografia), Ana Paula Rocha (cenografia e figurinos), Carlos Gonçalves (desenho de luz) e Rui Rebelo (música original).
Por ocasião da apresentação deste espectáculo, e no âmbito do projecto TEIA, o TNDM II promove, no dia 5 de Maio às 18H30, no Salão Nobre, a leitura dos textos Suzy, de António Patrício Léah, de José Rodrigues Miguéis, por Beatriz Batarda e Isabel Abreu. No dia 17 de Maio, às 19h, decorrerá no mesmo espaço, um encontro com o elenco da peça Menina Júlia, onde os actores partilham com o público o lado de dentro dos processos da criação, as suas inquietações e reflexões durante a construção do espectáculo.
“Menina Júlia” estará em cena na Sala Garrett, Teatro Nacional Dona Maria II, de 16 de Abril a 24 de Maio.

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (09-04-2009)

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