terça-feira, 28 de abril de 2009

O hino ao heroísmo do revolucionário


Che: O Argentino e a Guerrilha
Hasta la Victoria Siempre!


Che Guevara, Ernesto Guevara de la Serna, ou El Che, nasceu na Argentina, mas foi em Cuba e na Bolívia que passou os tempos mais intensos da sua vida. Um dos mais famosos revolucionários comunistas da história, Che continua a ter reflexos na comunidade artística. “O Argentino” e “Guerrilha” são duas partes de um mesmo filme, um projecto de anos e um fruto que vale a pena colher.

Steven Soderbergh é o homem que pôs nas telas o filme “Che”, antestreado em Cannes como um só, mas depois separado por motivos comerciais. “O Argentino” e “Guerrilha” foram realizados em simultâneo, o primeiro em Espanha durante 39 dias e o segundo em Porto Rico e no México, exactamente no mesmo número de dias. Contudo, o projecto não teve início em Soderbergh, começou antes com a produtora Laura Bickford e o actor Benicio Del Toro, que interpreta o revolucionário. Eles compraram os direitos da biografia de John Lee Anderson “Che Guevara: A Revolutionary Life”, mas acabaram por os deixar caducar, por não conseguirem encontrar um argumentista. O primeiro a ser contactado para escrever o argumento foi Terrence Malick, mas a falta de financiamento não fez o projecto avançar e Malick foi rodar “O Novo Mundo”. Steven Soderbergh veio para o substituir, o argumentista Peter Buchman foi contratado para escrever o argumento, o filme foi todo restruturado e foi tomada a decisão de que iria ser rodado em espanhol, o que afastou os financiadores nos EUA. A produção acabou por ser garantida graças a dinheiro francês e espanhol, e quando o filme passou em Cannes, ainda não tinha distribuidores.
E assim nasceu “Che”, que chega para mostrar o herói, mas também o homem por trás do herói. A primeira parte do filme relata o período de 1955 a 1959, mas começa em Havana, em 1964, quando Che Guevara é entrevistado por Lisa Howard, que lhe pergunta se as reformas na América Latina não irão refrear a mensagem da revolução cubana. Cruza-se esta entrevista com o universo de clandestinidade na Cidade do México, anos antes. Castro ouve os planos de Che e torna-se membro do Movimento 26 de Julho que ambiciona derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista. Parte-se para a viagem, percorre-se o caminho para Alegría, vive-se nas florestas, sente-se a formação da guerrilha que fará Fulgencio Batista fugir e tomar Santa Clara. De novo em 1964, Guevara dirige-se à Assembleia Geral das Nações Unidas, onde faz um discurso inflamado contra o imperialismo americano. Com as passagens entre o seu discurso e a montagem da revolução em Cuba, o filme respira, mesmo numa montagem dinâmica. Próximo do fim surge a vitória: Guevara segue para Havana dizendo “a guerra foi ganha, a revolução começa agora”, em 1959.
A segunda parte vem abordar o período que Guevara passou com os guerrilheiros na selva boliviana até à sua morte, a revolução falhada na Bolívia, onde ele tentou, com a ajuda cubana, instaurar um regime marxista tal como tinha acontecido em Cuba. Para tal, Che entra no país com uma identidade falsa e reúne um grupo guerrilheiro que irá lutar na selva boliviana, com o intuito de derrubar o regime de Barrientos. Che renuncia a tudo, ao poder, e esse é um dos momentos mais marcantes do filme: a leitura da carta de Che, por Fidel Castro, renunciando a todos os seus cargos. Mas a cultura que encontra na Bolívia é bastante diversa da de Cuba, aqui o povo denuncia-o, tem mais medo e menos vontade de unir forças, mais adversidade à mudança e menos capacidade de embarcar na luta. Se na primeira parte se sente a ideia de hino heróico à sua faceta de guerrilheiro e os acontecimentos fluem para um desfecho glorioso, na segunda encontramos menos brilho na suposta revolução, a caminhada de Che para a morte, e esta dualidade torna o todo ainda mais intenso.
Ambas as partes vivem muito da actuação de Benicio del Toro, que enche as cenas, sentindo-se que cada momento da sua representação é pensado. Espelham-se os 7 anos de preparação deste papel, que lhe valeu o Prémio de Interpretação Masculina no festival de Cannes e o Goya de Melhor Actor.
No segundo filme é evidente a não integração de actores como Joaquim de Almeida, Matt Damon e Franka Potente, que parecem caídos num universo que não é o deles e com prestações que tiram brio ao filme.
Faltou talvez falar mais da sua vida além da revolução, como as suas mulheres, mas os casamentos com a peruana Hilda Gedea, a resistente aprista que conheceu na Guatemala, e com Aleida March, militante do 26 de Julho, que conheceu em 1958, quando desenvolvia a ofensiva sobre Santa Clara, que o acompanha na luta na cidade, são retratados de forma sublime e com sentido, sem falar de outras paixões de que se fala em diversas biografias, como Lídia Rosa López e Tâmara Bunker, a única mulher da guerrilha boliviana, morta quando atravessava, na coluna de Joaquín, de que fazia parte, o rio Masicuri. Tanto esta opção, como a de não explicar a asma, que Che contraiu quando tinha dois anos, depois de uma Sudestada (vento forte dos planaltos gelados da Patagónia) apontam exactamente para o afastamento do universo do documentário, conseguindo um filme que toca um sentido de colectivo, fazendo, como Soderbergh assumiu querer: “sentir às pessoas o que era estar com aquele tipo".

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (17-04-009)

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