quinta-feira, 23 de outubro de 2008

“Gracias”, o agradecimento ao positivismo



Omara, a embaixadora de Cuba

Omara esteve em Lisboa para um concerto inesquecível. Há quem fale de falhas técnicas e de que a voz dela já não é o que era. A verdade é que a diva cubana de 78 anos tem uma presença invejável e ritmo na alma.

Omara Portuondo nasceu em Havana em Outubro de 1930, filha de uma senhora de boas famílias e de um jogador negro da selecção cubana de basebol. Começou a sua carreira aos 15 anos, como bailarina no Tropicana Club. Depois de alguns anos com o “Cuarteto D’Aida”, com a sua irmã Haydee e com Elena Burke e Moraima Secada, gravou “Magia Negra”, o seu primeiro disco a solo. Só deixa de cantar com o quarteto em 1967, altura em que começa de facto a sua carreira a solo. Entre os anos 50 e o lançamento de “Gracias”, contam-se 23 álbuns. Em 1996, faz dueto com Ibrahim Ferrer, no álbum “Buena Vista Social Club” e aparece no filme de Wim Wender, ao lado de artistas excepcionais como Compay Segundo, Ibrahim Ferrer, Rúben González e Eliades Ochoa. Há uns tempos, antes de um concerto no Teatro Nacional de Havana, disse que a presença deles em palco é constante e que os lembra sempre que está em palco. É inevitável, também para o público, recordar essas imagens. Agora, Omara é acompanhada por uma geração de músicos mais jovens.

A sobrevivente do Buena Vista continua a desfrutar do sucesso internacional do disco gravado há uma década, sob a direcção do guitarrista norte-americano Ry Cooder. Contudo, não foi o Buena Vista que lhe deu a fama, ela não estava esquecida, muito menos era ignorada, mas o filme catapultou-a para o sucesso, isso é verdade.

Na passada quarta feira presenteou Lisboa com um concerto brilhante. Entrou em palco a dançar, com uma fita e flor no cabelo, com um vestido leve, de cor clara. Rapidamente conquistou a sala que a aplaudia. “Gracias” é o seu mais recente disco, serve para agradecer ao mundo a sua energia e agradecer àqueles que a acompanharam em 60 anos de carreira. Após a primeira música, com o nome do álbum, Omara continuou avançando ao longo da noite por ritmos mais cubanos, até porque os músicos são todos cubanos, excepto o guitarrista de origem brasileira.
Portuondo canta de uma forma que por vezes chega a ser teatral, de tão expressiva, representando as histórias e os sentimentos que vai recordando através das letras das suas canções. Apesar de ser uma diva, um dos factos mais notáveis durante o concerto, foi o reconhecimento que Omara faz aos músicos, destacando-os e dando-lhes espaço para os seus solos e incríveis momentos de liberdade criativa. Destaque para o pianista, aplaudido de pé, pela sua intensidade e qualidade.

Omara foi pedindo a participação do público, mas as indesejavelmente típicas palmas pareciam quebrar aquela mística que se vivia em palco. As vozes dos rapazes que acompanham a cubana foram-na fazendo rodopiar e dançar pelo palco. À quarta música Omara sentou-se numa cadeira. Não penso que estivesse cansada, apenas se encostava para alguns minutos mais intimistas. A certa altura sai do palco e deixa os músicos brilhar durante mais algum tempo, para depois regressar e ficar apenas com o guitarrista, num momento em que recordaram sons do Buena Vista Social Club. Entramos num novo universo e ficamos colados àquela visão. A banda volta e a energia cubana espalha-se pela sala. Quase que estávamos presos pelas limitações das cadeiras, mas Omara desafia finalmente o público a levantar-se e dançar. Bendita Omara. Que inquietude. Até o segurança da Aula Magna dançava, meio direito, mas era inevitável reparar no sorriso de quem estava a viver aquele momento de luxo. Já em encore presenteia-nos com “Besame mucho” e “Guantanamera”, com todo o auditório a cantar. Duas horas de intensidade.

A embaixadora de Cuba não veio para uma despedida. O segredo é exactamente esse, como disse recentemente em entrevista: “Tem sido tudo tão positivo, porquê parar?”. Como muito chocolate (talvez estejamos no bom caminho…) e quando se tem saúde e se adora a natureza, quando se adora o ser humano e se é positivo, a vida é incrível e a vida tem sido muito generosa comigo.” De passos incertos e voz intensa e emotiva, Omara promete continuar a cantar. E nós agradecemos.
ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado no Jornal Semanário (ed.24.10.2008)
Créditos das imagens: Tomas Miña

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