segunda-feira, 9 de março de 2009

Exploração do sentido de comunidade


O teatro como forma de capacitação
“A mulher que parou”


“A mulher que parou” é um espectáculo desenvolvido entre amadores e profissionais. Tiago Rodrigues é o autor, Cláudia Gaiolas e Pedro Carraca encenam, e o grupo de teatro Nu Kre Bai Na Bu Onda, da Cova da Moura, interpreta. A ideia, à partida, é interessante e de valor social e artístico. Estará em cena, no espaço alkantara, em Santos, até dia 15 de Fevereiro.

“Nu Kre Bai Na Bu Onda” significa, em crioulo, “Nós queremos ir na tua onda” e é um grupo de teatro que nasceu no âmbito do projecto com o mesmo nome, desenvolvido pela associação cultural alkantara, iniciado em 2007. Este é um projecto artístico desenvolvido na Cova da Moura, na Amadora.
NKBNBO avança no sentido da capacitação e desenvolvimento de competências em várias áreas artísticas, e tem a duração de três anos. Constituído numa parceria entre a Associação Cultural Moinho da Juventude, a Junta de Freguesia da Buraca, a Associação de Solidariedade Social do Alto Cova da Moura e alkantara, está incluído no Programa Escolhas do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural.
Na área do teatro são os encenadores Cláudia Gaiolas e Pedro Carraca que estão a desenvolver este projecto, tendo constituído um novo grupo, de raiz, e desenvolvido a encenação de um texto para a apresentação de um ensaio aberto intitulado “Confissões” no alkantara festival 2008 e agora “A mulher que parou”.
A história é esta: “Uma mulher decide parar. Deixa de trabalhar no café do bairro, de correr no grupo de atletismo, de cozinhar, de dormir com o marido, de conversar com as amigas. Passa os dias sentada numa cadeira à porta da sua casa. Não sabemos se desistiu ou se apenas agora começou a lutar.” Mas mais do que a história, que nos abre algumas janelas de reflexão, este projecto merece ser falado pela sua integração na comunidade, pelas energias que se criam e pelas sinergias que permitem os actores irem na onda.
Constituído através de um casting aberto a todos os habitantes do bairro em causa apresentaram o primeiro trabalho no festival alkantara 2008, que pretendeu ser “uma mostra do trabalho desenvolvido com não profissionais que emprestam as suas horas e energia a este projecto apenas pelo prazer de fazer, aprender e, quem sabe, mais tarde tomar em mãos a organização de um grupo profissional”.
É este prazer de fazer, de entrega de energia faz sentido explorar, para percebermos que é possível reforçar e vencer desafios do teatro na comunidade. Nove actores entregam-se a este projecto, neste momento específico, a esta história, de Marta que um dia decide parar. Várias questões se levantam: o que acontece quando alguém decide parar? Como podem a família, os amigos e a comunidade reagir a alguém que, pura e simplesmente, parou? Além do próprio texto nos colocar questões que abordam o sentido de comunidade, a integração do indivíduo num grupo social, num bairro, que exploram as relações humanas e a os reflexos das escolhas individuais na envolvente em que se inserem, o grupo e todo o projecto têm essa ideia de comunidade e de compreensão da envolvência inerentes à sua essência.
Esta peça foi escrita para este grupo de intérpretes, e discursa sobre uma comunidade, mais do que sobre Marta. Como uma tragédia grega, pela sua maior preocupação com os benefícios e malefícios para a cidade do que com o destino dos seus heróis, este texto fala-nos exactamente disso, dos frutos das decisões individuais no todo. Aqui o todo é sempre mais do que a soma das partes, sendo que é a ideia da comunidade, da totalidade de um espaço que prevalece, em detrimento do indivíduo. Por outro lado, e contrapondo esta ideia, ao ser escrito um texto para o grupo, sabendo quem faz parte dele, a importância do indivíduo sobressai. Quem diz “não” e recusa qualquer compromisso com a sociedade torna-se um marginal ou um herói. E é na linha entre as duas categorias que podemos compreender a forma como vivemos. Marta sempre foi bastante activa na sua comunidade e que de repente decide mudar de vida, parar. A peça debruça-se sobre as implicações desta decisão, tanto na comunidade onde se insere como na vida dos que a rodeiam e que dela dependem. Não sei se este projecto pretende uma escolha entre os seres marginais ou os seres heróicos, mas a verdade é que pelo menos apoia a reflexão de ambas as categorias e que possibilita o desenvolvimento de capacidades artísticas, mas acima de tudo, humanas e sociais, da vida comum e é um espaço e tempo para aprender e ser.




ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (13.02.2009)

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