quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Ritual culinário como acontecimento social

Laika e Peter De Bie - Teatro dos sentidos



Laika é teatro dos sentidos, teatro sensorial para crianças, jovens e adultos. O universo deve ser entendido como espaço de exploração, não só de sentimentos e de ideias, mais conceptual, mas também de cheiros, sons, sabores, texturas, imagens, activando todos os sentidos. Desta vez o espectáculo chama-se “Me Gusta” e apresenta-se como um ritual culinário. Até 25 de Janeiro, no Centro Cultural de Belém.

Teatro para os mais novos ou para os mais velhos que continuam a deslumbrar-se com o universo infantil. “Me gusta” desta vez até é para maiores de 12 anos. Os artistas participantes são oriundos de todas as áreas e são responsáveis pelos espectáculos sensoriais, que convidam o público a absorver e saborear histórias e explorar este universo.
Esta não é a primeira vez que Laika vem ao Centro Cultural de Lisboa, com quem mantem uma relação de proximidade artística. “Me gusta” é uma co-produção com Le Volcan, scène nationale du Havre (França), Cultuurcentrum Genk (Bélgica), Linz 2009, capital europeia da cultura e SCHÄXPIR Festival/Land Oberösterreich (Áustria). Estará no CCB até ao dia 25 de Janerio, na Tenda, às 20h30.
Laika tem como directores artísticos Jo Roets e Peter De Bie. Eles definem as grandes linhas mestras, descobrem os temas que lhes interessa para os explorar em conjunto, e depois trabalham, de acordo com o imaginário pessoal, de modo a desenvolver projectos individuais ou colectivos. O conceito e os temas das suas performances são muitas vezes extremamente simples. Para De Bie, a composição e a disposição do público são de uma importância fundamental, tentando sempre imbuir o espectador neste mundo, em que cada pormenor foi pensado, nesta estética.
“As mais belas experiências gastronómicas brotaram da memória genética colectiva da humanidade. Contrariam as fronteiras nacionais e raciais, e deixam de fora as questões relativas ao gosto, cultura, tradição ou costumes.” (excerto de The return of the man who ate everything de Jeffrey Steingarten).
Peter De Bie entendeu romper com a tradição teatral e envolver o público através dos sentidos. Depois dos espectáculos “Patatboem” (2002) e “PEEP&EAT” (1998), De Bie inova com um dos seus instrumentos de investigação preferidos, debruçando-se em “Me gusta” nas tradições culinárias e rituais relacionados com países longínquos. Aqui explora-se a dimensão social da confecção e partilha de uma refeição, sendo, por isso, dinâmica a relação que cria com o público, até pelo sentimento que surge quando se partilha uma refeição com pessoas que não se conhece. O próprio acto de comer pode ser uma experiência estimulante, sobretudo num espaço teatral.
Quem assistiu a “Patatboem” ou a “PEEP&EAT” sabe que os espectáculos de Laika não são apenas um prazer para os olhos e para os ouvidos. De facto, para saborear plenamente os seus espectáculos, não basta ver e ouvir. Também é preciso sentir, saborear e tocar. Cada espectáculo põe em questão as relações entre o público e os actores. Acontece o mesmo em “Me gusta”, um ritual culinário, uma experiência gastronómica nova que se adapta bem à cozinha exótica e é feita para conquistar o paladar.

“Me gusta” alimenta-se de uma série de entrevistas a pessoas de todas as idades e contextos culturais, em que se focaram sobre o que pensam das tradições culinárias, e também o que mudou, com questões sobre a influência da internacionalização, sobre o desaparecimento de certos rituais culinários e sobre os ingredientes que foram progressivamente abandonados.
“A interpretação teatral de todas estas informações é, como sempre em De Bie, mensageira de um espectáculo transparente e cheio de cor, altamente interactivo e reforçado por uma paisagem sonora pouco banal.” Para De Bie, o teatro é antes de tudo um acontecimento social que elimina determinadas barreiras. Este propõe quebrar barreiras ligadas aos actos de confeccionar uma refeição e de comer.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado no Jornal Semanário (23.01.2009)

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