Criação de Platel e Cossol
“Pitié!” é o mais recente trabalho de Alain Platel e de Fabrizio Cossol. Um espectáculo que partiu da “Paixão segundo São Mateus” para criar algo baseado nas ideias de colectividade, de partilha, de paixão em vez de compaixão, onde aquilo que se procura é quase uma mensagem contrária à de sacrifício. As vozes ecoam pelo palco, os movimentos são de tensão, mas “I love you” é a mensagem que acaba por apaziguar as almas que assistem a este diálogo entre corpo e voz, entre Cossol e Platel, e entre os dois e Bach. Dias 3 e 4 de Julho, no Centro Cultural de Belém. Mais tarde, no Porto.
“Pitié!” surge no seguimento da experiência de 2006, com “VSPRS”, em que também Platel e Cossol foram co-autores. O espectáculo tem como fio condutor a transposição musical da Paixão de Cristo, composta por Johann Sebastian Bach, aqui delicadamente reorquestrada por Fabrizio Cassol, mas Platel confere a esta obra-prima de Bach uma inesperada dimensão de sensualidade e cor. Cassol centra-se na dor de uma mãe, parte que não existe na versão original da “Paixão segundo São Mateus”, no que diz respeito ao inevitável sacrifício dos seus descendentes. A parte de Cristo é adaptada para duas almas com um destino comum, conferindo sentido à composição. Cassol optou por três cantores: uma soprano para a mãe, e duas vozes muito parecidas uma com a outra (contralto / mezzo e contratenor) para as crianças. A orquestra está assente no Trio Aka Moon, juntamente com Magik Malik (flauta e vozes), Tcha Limberger (violino), Phillippe Thuriot e Krassimir Sterev (acordeão), entre outros. A história é transformada em música. Nas vozes estarão Claron Mc Fadden, Laura Claycomb, ou Melissa Givens; Cristina Zavallon, Maribeth Diggle ou Monica Brett-Crowther e Serge Kakudji. Interpretam o espectáculo, os bailarinos do “les ballets C de la B”: Elie Tass, Emile Josse, Hyo Seung Ye, Juliana Neves, Lisi Estarás, Louis-Clément Da Costa, Mathieu Desseigne Ravel, Quan Bui Ngoc, Romeu Runa e Rosalba Torres Guerrero.
“Erbarme dich” é uma das árias mais conhecidas da “Paixão segundo São Mateus”, sendo também um dos alicerces da música e conteúdo composta por Cassol. Surgem várias questões: “a nossa capacidade vai além da piedade? A compaixão será algo que ansiamos ardentemente quando a vida e morte se tornam demasiado opressivas?” O tema principal da “Paixão segundo São Mateus”, abordado intensamente, é o sacrifício individual, o de nós mesmos. “Para quê e para quem estaríamos prontos a sacrificar a nossa própria vida?” – esta é uma pergunta que não parece ter muito sentido tendo em conta a sociedade contemporânea, mas Alain Platel coloca-a aos bailarinos e faz-nos pensar sobre isto. Platel quer trabalhar com os bailarinos na forma de dança “bastarda” procurando uma tradução física de emoções muito intensas, processo que já vem de “VSPRS”, e acaba por conseguir criar, com os seus bailarinos, com os músicos e cantores, um espectáculo que assenta na força do grupo, na união, já que ele aspira a algo que transcenda o individual.
O termo “compaixão” dá-nos antes “a paixão partilhada com os outros”. Aliás, a mensagem do primeiro dueto é: “I love you”. São duas horas de espectáculo. Desde os primeiros sons, os primeiros movimentos dos corpos em palco que se vive a ideia de sacrifício e de compaixão, mas em “Pitié!” existe uma ideia de paixão, mais do que compaixão, uma mensagem que é murmurada isolada e colectivamente, através dos corpos e dos sons, corpos que provocam tensão num espectáculo em que são as vozes interiores que sobem à superfície e as exteriores vêm de um certo desejo de encontra. Diz quem viu que se sai sereno, apaziguado e desarmado do espectáculo. E depois da vinda do mestre Platel a Lisboa, o espectáculo “Pitié!” seguirá para o Porto para desarmar mais algumas almas. Nos dias 7 e 8 de Julho, no Teatro Nacional São João, integrado no “Dancem! 09”.
Artigo publicado Jornal Semanário (03-07-2009)
Créditos da imagem: Chris Van der Burght
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