Jacinto Lucas Pires por Marcos Barbosa
“Silenciador”, um texto de Jacinto Lucas Pires, fala-nos de dois detectives e do seu quotidiano de funcionários públicos. Morre alguém. Um crime. Surgem uma série de perguntas, jornalistas que escrevem palavras sobre este acontecimento ou sobre aquilo que se explora em torno do acontecimento. Investiga-se o crime. Esta é a história, mas o espectáculo é mais do que isso. Está próximo do cinema e próximo do teatro, mas é o futuro, foi a partir daí que se chegou aqui. Começou-se no futuro para chegar a este espectáculo encenado por Marcos Barbosa, no presente, na Culturgest, de 17 a 19 de Junho.
Jacinto Lucas Pires tem uma série de livros publicados, curtas-metragens realizadas e peças de teatro escritas. Marcos Barbosa é fundador de .lilástico, onde encenou peças de David Mamet, Jacinto Lucas Pires e José Tolentino Mendonça e é director artístico do Teatro Oficina de Guimarães. Juntam-se neste espectáculo, fora de palco, como os dois detectives, esses em palco e exploram, questionam-se. Os primeiros sobre o momento, sobre o futuro, os segundos sobre o crime.
Dois detectives, o Santos e o Manel, que são próximos como irmãos, vivem o dia-a-dia de funcionários públicos numa espécie de estado policial do futuro. O Santos é mais experiente, o Manel é o polícia novato que é impressionável, ainda acredita na regra e quer ser como o Santos. É assim que tudo começa, um lugar pré-fabricado, pós-moderno. Dá-se um crime no seio da elite, um homem muito importante é assassinado. “Quem é o morto ao certo? É mesmo o empresário público que os jornais descrevem em notícias breves, nas páginas da sociedade? Ou alguém mais perigoso? Um “agente comunicador”? Um supermarqueteiro? Um espião interno-duplo?” – surgem uma série de questões que ecoam no espaço e no tempo. Estão dois homens num escritório a trabalhar, a perguntar-se todas estas coisas, a tentar encontrar respostas para descobrirem o criminoso. De repente surge uma mulher, estrangeira, que fala de forma diferente a língua oficial do estado. Surgem mais questões: será esta forma de falar uma incapacidade, um indício ou um truque?
Esta é a peça “Silenciador” de Jacinto Lucas Pires, que é isto, nada mais do que isto. A questão é que tudo começa com: “Era uma vez um futuro…” Estamos num futuro indefinido, em que o Estado é vigiado, os polícias investigam o crime, são funcionários públicos que cumprem as suas obrigações, mas provavelmente são também culpados de alguma coisa. Lucas Pires apresenta-nos um futuro como o de hoje, em que também há amor, casamentos, ambição e vigilância. E pergunta-se “Quem guarda o guarda?” É por estas questões que percebemos que o futuro não é melhor do que o presente. Porque é que Lucas Pires fala do futuro? “Porquê? É essa a pergunta? Porque, às vezes, falar no futuro é a forma mais clara de atacar o presente. Atacar, pois. Mas que ninguém se assuste demasiado, também não é assim tão violento. Sim, prometo. Usei um silenciador.”. Esta é a resposta do próprio.
Marcos Barbosa provavelmente também teve muitas perguntas na sua cabeça quando leu a peça pela primeira vez, mas depois avançou. Percebeu rapidamente que aquele texto se encenava de dentro, partindo da violência da palavra escrita para a forma da história. O seu universo era o das bandas-desenhadas, mas também o do cinema, o do teatro e isso vê-se neste formato que acaba por apresentar. Esta é uma peça onde se joga com os monumentos instituídos nas histórias policiais e usa-se e abusa-se dos elementos míticos dessa esfera meio obscura dos detectives, onde a palavra pode ser vista como subversiva.
A peça acontece agora, Marcos Barbosa tornou-a presente. “E aqui, presente significa tempo, espaço e objecto, porque é uma peça escrita hoje, nesta cidade, e que estamos a construir como momento para ser vivido agora, na ilusão do estar-a-acontecer, mas também na maravilha da sua impossibilidade e neste prazer de o imaginar.”, escrevia quando começou a trabalhar o texto.
Os actores (Diana Sá, Emílio Gomes e Ivo Bastos) fizeram da palavra o corpo, o espectáculo, em que há pouca luz, há diálogos curtos, fumo de cigarros, chapéus, armas. Há isto tudo que vem deste universo, mas afinal está mesmo perto do cinema, muito preto e branco, com alguns heróis e vilões da BD, mistério e ficção científica. É cinema, mesmo que Jacinto Lucas Pires nos peça para não pensar cinema, e é teatro, mesmo que ele também nos peça para não pensar teatro. É um texto desde o futuro e uma peça encenada desde dentro e isso é mais do que isto tudo junto. “Silenciador” foi primeiro desafiar Guimarães a partilhar o mistério e agora o convite é feito a Lisboa. “Fica o desafio à cidade para que venha partilhar connosco esta aventura quase novela policial que é a criação de um teatro de nova dramaturgia.” Do futuro para o agora, de dentro para fora.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (10-06-2009)
Créditos da imagem: Pedro Vieira de Carvalho
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