sexta-feira, 17 de julho de 2009

“White Works” na Culturgest

Um concerto a solo tocado a dois
Diálogo entre João Paulo e Carlos Bica


João Paulo esteve na Culturgest para tocar Carlos Bica. No passado dia 4 de Junho o pianista subiu ao palco do Grande Auditório e presenteou-nos com um concerto único, de grande intensidade e beleza. “White Works” serviu de base ao espectáculo, um disco que reúne uma série de composições de Carlos Bica adaptadas e tocadas por João Paulo. Foi um privilégio ouvi-lo tocar. Um momento que viveu disso mesmo, do agora.

A expectativa era grande. Carlos Bica tinha dito que se sentia lisonjeado por João Paulo tocar as suas composições e sabíamos de antemão da qualidade deste pianista de quem nos anos 80 se segredava o nome, como sendo um dos melhores. João Paulo andava de boca em boca, entre músicos como Vitorino ou Sérgio Godinho. Se Carlos Bica se sentia lisonjeado e orgulhoso do trabalho de nome “White Works” e por ser tocado por João Paulo, como nos sentiríamos nós? Sentimo-nos mesmo tocados por este momento.
João Paulo tem uma figura meio de criança, mas em corpo de homem, pequeno, e vestido de preto, mas quando se senta e fica perante o piano, com a intensidade que nos transmite torna-se um grande músico. Começou com “Improvisação”, seguida de “Canção número 2” e “Believer”, todas deste disco que trazia agora à Culturgest. Com a primeira sequência de três músicas conquistou o público. Levantou-se e disse-nos algumas palavras e entre coisas engraçadas que nos dizia com pouco à vontade, acabou por nos deixar à vontade, e mesmo numa sala tão grande como esta, sentíamos a proximidade ao músico e à música. Ele estava ali para tocar piano e esse é o seu mundo, que num instante se torna o mundo da audiência. Seguem-se a composição 1 que acabou por ter o nome de “A princesa e o largo” e “White Vivace”, e assim as teclas do piano ganham uma dimensão inexplicável, os sons mexem connosco física e emocionalmente e quando já estamos totalmente rendidos surge Carlos Bica para duas composições tocadas por ambos, e com uma qualidade extrema. “Portuguese Seaman” e “2009”, duas músicas brilhantes que não estão neste trabalho, tendo sido “2009” um dos momentos mais bonitos deste espectáculo com um diálogo em que quase sentíamos as palavras sonoras a ser acolhidas pelas mãos um do outro, num momento de genuína partilha.
Carlos Bica sai de palco com o seu contrabaixo, mas fica lá a sua energia, e João Paulo avança com “Improvisação”, “Profeta” e “Heranças”, com a qual esperava terminar o concerto. Já em encore toca uma música que define como “demasiado romântica”, mas que Carlos Bica lhe pediu muito para tocar, e que serviu de banda sonora a um filme de Buster Keaton. O pianista termina com “Waiting for Tom”, uma homenagem a Tom Waits.
O concerto provou a sua consistência enquanto músico, a sua magia em palco, que se confirma tão grandemente a solo. João Paulo é mais do que um excelente pianista, ele cria efectivamente o momento. Sentiu-se a força da improvisação, a entrega a cada som. E de facto este disco, como dizia João Paulo “(…) realiza materialmente um paradoxo, bonito como todos os paradoxos: tocar com alguém a solo. Normalmente toca-se com alguém em duo, em trio, em quarteto, etc… não a solo. A solidão implicaria a ausência do parceiro. Aqui não. Toca-se a solo com o outro. O contrabaixo de Carlos Bica está ausente, é certo, mas essa ausência desenhou o espaço, traçou os limites e abriu as perspectivas aos sons. O Carlos Bica é um verdadeiro compositor, gosto de imaginá-lo como um realizador de cinema musical, e é sempre um grande prazer tocar com ele, com ou sem contrabaixo.”. Esta ligação entre os dois músicos, mesmo quando Carlos Bica não estava em palco, transpirou neste espaço e João Paulo conseguiu com este trabalho recriar as composições de Carlos Bica e dar-lhe uma nova dimensão, em que dialogam os dois, em que se respira arte. O concerto deu-nos a sua interpretação sublime. “Há mesmo um tipo que se chama João Paulo, que se senta ao piano, e…”

ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (10-06-2009)

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