quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Foco sobre Gyumri - Arménia


Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Gyumri
A Arte Contemporânea como forma de reconstrução


A Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Gyumri, na Arménia, completa agora 10 anos, funcionando como forma de reconstrução da cidade, num movimento artístico e histórico. Portugal estará representado nesta 6ª edição, através dos trabalhos de Gustavo Sumpta e Hugo Canoilas. As obras foram criadas especificamente para esta apresentação e a responsabilidade desta participação é da curadora Maria do Mar Fazenda e suportada pela Fundação Calouste Gulbenkian, Direcção Geral das Artes e Fundação Luso Americana, no âmbito do Acordo Tripartido.
A Bienal terá início no dia 7 de Setembro e terminará no dia 6 de Outubro, contando com a direcção artística de Azat Sargsyan e organização do GCCA (Gyumri Center for Contemporary Art).

A cidade de Gyumri é a segunda maior da Arménia e conta com 150.000 habitantes. Desde o início do século XX que é considerado o terceiro centro cultural mais importante no eixo Caucasiano, depois de Tiflis e Baku. A história desta cidade é praticamente responsável pela existência desta bienal. Em 1988, ou seja, há 20 anos, a cidade foi devastada por um terramoto que fez 30.000 mortos. Tendo em conta a data do acontecimento, Gyumri encontra-se ainda em processo de reconstrução.
O GCCA foi fundado em 1997, na Arménia, no sentido de cultivar as experiências de arte contemporânea neste país, com todo o envolvimento de artistas locais e da comunidade internacional. Os objectivos principais do GCCA passam por contribuir para o desenvolvimento da arte contemporânea na Arménia e manter a qualidade da produção artística ao nível internacional; promover um ambiente criativo e saudável para a cidade e região, depois da inércia do período soviético; facilitar as trocas culturais e o diálogo entre a Arménia e a comunidade artística internacional; ultrapassar o trauma e o caos pós tremor de terra; suportar e desenvolver novas iniciativas criativas, principalmente de jovens artistas; encorajar o desenvolvimento da arte contemporânea e descentralizar a vida artística concentrada em Yerevan; ajudando no restauro de Gyumri como cidade de influência cultural e estabelecendo-a como centro regional de arte contemporânea. A bienal de arte contemporânea foi, então, criada pelo GCCA, como passo para alcançar estes objectivos, há 10 anos atrás.
Contando este ano com a 6ª edição, tem funcionado através de um processo de mudança, educação e actividade contínua, para conseguir uma experiência única neste contexto, de oportunidade de trocas culturais e de crescimento artístico.
O tema da bienal este ano é “Parallel Histoires”. Cada geração rescreve de alguma forma a história, num sentido de re-experienciar o seu passado. Sendo este o 10º aniversário da Bienal, este é um momento onde, naturalmente, surgem necessidades de análise, de re-interpretação e reavaliação do passado. Claro que isto não advém apenas da Bienal, mas de todas as mudanças globais que se deram nos últimos 10 anos. Afinal, estes serviram de ponte entre 2 milénios.
Os representantes da realidade pós-soviética tornaram-se testemunhas do colapso desse império, colapso esse não só dos sistemas económico, político e militar, mas também dos valores culturais, psicológicos e morais que estavam em jogo. As revelações profundas e as reavaliações históricas recomeçaram. Neste contexto, Gyumri é um interessante modelo, que foi sendo renomeado consoante os diferentes contextos históricos Olhemos um pouco para a história. Quando o Czar Russo Nikolay I visitou Gumri, renomeou-a Alexandropol, em honra à sua esposa Alexandria Fyodorovna. Quando a Arménia esteve sob o regime de Bolshevik, foi renomeado Leninakan e, finalmente, quando reconquistou a sua independência, a cidade ganhou de volta o seu nome histórico – Gyumri.
Voltemos ao século XX. Este é referido como um período de grande concentração de eventos históricos. Basicamente, a revolução histórico-científica alterou a percepção dos paradigmas de tempo e espaço. O passado e o futuro ocorreram como expansões de acontecimentos, fora dos seus próprios limites temporais, parecendo sempre que revisitamos o passado para explicar o presente. O presente, por sua vez, continua a renascer do passado, das cinzas.
A segunda metade do século XX mudou completamente, não só o conceito e a filosofia da história, mas também a percepção da realidade. O crescimento da alta tecnologia nos países ocidentais confrontou as sociedades com questões profundas e sérias. A realidade foi transformada no ecrã e mudada para uma hiper-realidade e a história perdeu a sua rotina e dinâmica que tinha tido até aí, transformando-a num passado fragmentado. Os artistas surgiam nesses contextos, mas com histórias paralelas. Hoje, os artistas funcionam mais como reflexo de centro individual. As percepções são diferentes. É necessário construir uma nova consciência histórica, resolvendo duas grandes questões: a criação de uma estratégia para a sociedade e para a coexistência de uma natureza; e a criação de uma união de diferentes percepções culturais, históricas e temporais. Gyumri pode servir como cidade modelo para esta teorização, já que tem em si características de transformações históricas e filosóficas modernas, pós soviética, pós-catastrófica, pós-industrial, pós totalitarismo, pós-alguma coisa. Gyumri é o espelho partido destas transformações de uma história para a qual muitos de nós não olham e não querem olhar. A bienal é uma forma de restauro, de recriação e uma história paralela de olhar para esta cidade. Visa um processo de troca, de educação e de actividade contínua, oferecendo uma experiência única de visão, história e contexto Arménio e criando a oportunidade de intercâmbio de artistas e curadores.

Tendo em conta que esta é a única bienal internacional de arte contemporânea consistente a existir num país da CIS (Commonwealth of Independent States), e que temos dois artistas nacionais a participar nesta construção de memórias colectivas históricas, nesta visão paralela, a cidade de Gyumri merece o foco internacional.


Artigo publicado no Jornal Semanário - Setembro (ed. 05.09.2008)

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