sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O musical mais aguardado da Rentrée




“Cabaret” estreou no Maria Matos e revela-se já um êxito de sala cheia. Este era, provavelmente, um dos espectáculos mais aguardados da rentrée, principalmente depois do programa “À procura de Sally” para descobrir a sucessora de Liza Minelli e de todo o mediatismo que envolve esta produção. Além disso, este é o último espectáculo de Diogo Infante enquanto director artístico do Teatro Maria Matos, local onde o musical está em cena. “Cabaret” ficará em palco até ao final do ano.

O musical “Cabaret” foi um êxito da Broadway, que originou uma versão cinematográfica realizada por Bob Fosse, em 1972, e protagonizada por Liza Minelli. Esta é uma óptima forma de Diogo Infante se despedir da direcção artística do Maria Matos. Há muito que o actor, encenador e programador tinha este projecto idealizado. Finalmente conseguiu levar “Cabaret” a palco, depois dos direitos terem estado indisponíveis durante muitos anos.
Quando entramos na sala principal do Teatro Maria Matos, os cenários fazem-nos viajar rapidamente até ao local e ao período onde decorre toda a acção – a cidade de Berlim, no início dos anos 30. Uma das primeiras coisas que nos dizem do palco é para deixarmos os problemas fora da sala. O espectáculo vai começar. O Mestre de Cerimónias, representado por Henrique Feist, numa grande prestação, vai-nos contando a história, que é pautada pela exibição de peças musicais que foram consideradas das melhores de sempre na história do musical.
“Cabaret” conta a história de um escritor americano, de nome Cliff Bradshaw, muito bem desempenhado por Pedro Laginha, que no decurso de uma viagem a Berlim, se apaixona por Sally Bowles, uma jovem inglesa que trabalha como cantora no fantástico Kit Kat Klub. Ambos se vêem envolvidos nas contradições da sociedade alemã, durante a ascensão nazi ao poder. Sally foi encontrada através de um programa de televisão produzido pela RTP, que procurava uma mulher entre os 20 e os 30 anos, que soubesse representar, dançar e cantar. Ana Lúcia Palminha é essa mulher, que superou o desafio, num país que nem sequer tem tradição em musicais. O papel que representa é de uma força incrível e a sua ligação com todas as personagens é a mais natural em palco. Ana Palminha e Pedro Laginha fazem uma dupla de grande qualidade e ligação, tanto em termos de representação, como de voz.
As vozes da maioria dos actores encaixam na estrutura da peça. Sente-se apenas algum desequilíbrio entre o nível de representação da actriz Isabel Ruth, que enquanto actriz faz um grande trabalho, mas que enquanto cantora transmite alguma insegurança.
O Cabaret berlinense da década de 30 pode ser decadente, mas tem uma vida única e proporciona alguns dos momentos mais interessantes do espectáculo, com grande harmonia e criatividade nas coreografias. A harmonia de algumas situações em palco é quebrada recorrentemente pela presença do bailarino “Max” (desempenhado por Dima Pavlenko), que pela sua estrutura corporal acaba por parecer desenquadrado perante a restante “equipa” do Cabaret. Destaque para a bailarina Meredith Kitchen, sempre muito expressiva.


Ao longo do musical, a história vai-se desenrolando, sendo não só um conjunto de canções e de coreografias bonitas, que de facto nos afastam dos nossos problemas, mas também uma encenação que nos permite reflectir sobre a sociedade alemã dos anos 30 e as implicações da ascensão de Hitler ao poder. Um dos momentos mais fortes no espectáculo e de maior tensão artística é a subida da bandeira com a cruz suástica, que inicialmente provoca incómodo entre o público, mas que com a sua posterior queda, nos faz perceber a mensagem que Diogo Infante queria transmitir. Os protagonistas de Cabaret acabam por ser espectadores de um tempo atribulado na história da Alemanha. A história possibilita-nos ainda a visão de um americano sobre a ascensão do poder nazi e a diversidade de informação que parecia correr mais rápido para o resto do mundo, do que dentro da própria Alemanha.
Com libreto de Joe Masteroff, baseado na peça de John Van Druten e histórias de Christopher Isherwood, “Cabaret” na versão portuguesa contou com tradução de Pedro Gorman e adaptação de letras de Ana Zanatti, trabalho que foi bastante conseguido, contudo nem sempre respeita as métricas, o que poderia trazer ainda mais naturalidade ao texto.
Uma das componentes mais interessantes do espectáculo é a banda de músicos que acompanha todo o espectáculo. Além da excelência musical, todo o trabalho de postura e de enquadramento no próprio cenário é uma das soluções de encenação mais brilhantes de Diogo Infante. A animação de Rita Nunes (saxofones e flauta) e a postura de Miguel Menezes (baixo) destacam-se pela positiva.
Grande destaque ainda para os figurinos e caracterização que nos ajudam na envolvência do espectáculo e da temática.
A encenação de Diogo Infante é de facto bastante forte, num espectáculo aguardado pelo público e que veio também trazer uma programação de valor na área dos musicais em Portugal. Em “Cabaret” sente-se o medo, sente-se a dor de quem gosta de quem “não deve”, a felicidade de quem ama sem receio, a loucura e a luxúria de um Cabaret. “Cabaret” é uma oportunidade única de ver um bom musical em Lisboa e de ver um sonho antigo de Diogo Infante em palco, o que certamente tornou o espectáculo ainda mais especial.

Créditos imagens: José Frade e Margarida Dias

Artigo Publicado no Jornal Semanário - Setembro (19.06.2008)

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