segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A memória de Raul Solnado

A face de uma geração de humoristas
Versatilidade e diversão



Raul Solnado foi e continuará a ser a cara de uma geração de humoristas, tendo passado pelo teatro, pela rádio, pela televisão e pelo cinema. Desde cedo que a sua popularidade foi intensa, pelo que na despedida do actor português, provavelmente, a maioria da população nacional pensou em algumas das suas imagens em palco, ou em programas televisivos que marcaram diversos serões, desde que começou a fazer televisão.

Raul Solnado nasceu em Lisboa, em 1929. Em 1947 entrou para o mundo do teatro, como actor amador, no Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Guilherme Cossul, em Santos. Profissionalizou-se em 1952, e em 1953 estreou-se na revista com “Viva o Lixo”. Nessa altura começou a desenvolver uma carreira, como artista de variedades e de teatro, mantendo a sua veia humorística, tanto na rádio como na música. O primeiro grande sucesso aconteceu no início dos anos 60, com as rábulas, nomeadamente com "A Guerra de 1908", um texto espanhol adaptado para português pelo próprio. Este humor veio preencher um espaço vazio, já que se vivia a guerra colonial e os seus textos serviam quase como libertação daquele universo de guerra. Era uma forma de se confrontar com a realidade de estarem a participar numa guerra, mesmo que de forma afastada. Os soldados identificavam-se com o humor de Solnado, pelo menos essa era a mensagem.
Nessa mesma altura surge o sketch “A história da minha vida”, que acaba por ser editado em disco. Nesta altura já o actor tinha de lidar com o sucesso e com a popularidade, tendo chegado a refugiar-se no Brasil, para poder “respirar”. Raul Solnado estava por todo o lado naquela altura.
Em 1964 fundou o Teatro Villaret, estreado com “O Impostor-Geral”, e é neste mesmo espaço que é gravado o programa “Zip Zip”, com Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Durante os serões de segunda-feira, entre Maio e Dezembro de 1969, o Teatro enchia-se de gente, e diz-se que as ruas de Lisboa ficavam praticamente vazias. O sucesso televisivo voltou a repetir-se em 1977 com o programa “A Visita da Cornélia”, em que a interlocutora de Solnado era a vaca Cornélia.
Novamente com Fialho Gouveia e Carlos Cruz apresenta o programa “O Resto São Cantigas”, em que se recordam músicos da música ligeira portuguesa, e mais tarde apresenta o concurso “Faz de Conta”. No cinema, revelou-se em “A Balada da Praia dos Cães”, de José Fonseca e Costa.
Nos anos 90, foi possível ver Raul Solnado, ao lado de Eunice Muñoz, na telenovela “A Banqueira do Povo”. A sua ligação ao teatro manteve-se sempre, independentemente dos outros projectos. Em 1999 funda a Casa do Artista, que fica a dirigir e sobe ao palco do Teatro da Trindade com "O Magnífico Reitor" (2001), de Freitas do Amaral. No ano seguinte é homenageado no Festival Internacional de Humor de Lisboa, no Tivoli, e em 2004, recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, pelo seu contributo ao país.
O protagonista da sitcom "Lá Em Casa Tudo Bem" faleceu no passado dia 8 de Agosto, mas o seu legado enquanto humorista e enquanto personalidade artística nacional é imenso, e, sem dúvida que deixa memórias para as gerações futuras. Aliás, recentemente, num conceito das Produções Fictícias e da Até ao Fim do Mundo, Raul Solnado gravou, com Bruno Nogueira, uma série de quatro programas – “As Divinas Comédias”, juntando duas gerações de humoristas, versando sobre os 50 anos de humor em Portugal, que já estreou na RTP.
Um actor que passou por diversos palcos nacionais, que fez cinema, rádio, revista, televisão, mas que acima de tudo marcou não só uma geração de humoristas, mas várias gerações que acompanharam a sua carreira ao longo destes anos. A ponte entre si e os actuais humoristas nacionais ficou construída. É necessário agora a libertação da sua popularidade, para deixar que se forme de forma natural aquilo que fica de um actor, de uma pessoa, que é a sua memória e o trabalho que deixou feito, que é de uma riqueza imensa.

ANA MARIA DUARTE

Artigo publicado Jornal Semanário (14-08-2009)

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