Artistas associados e portugueses
Centro Cultural de Belém em 2009/2010
O Verão começa a ter linhas mais ténues e a palavra “rentrée” vai soando em cada esquina por onde passamos. Seja na rua, seja nos palcos, vamos sentindo o recomeço de tudo o que o fim do Verão implica. As temporadas são apresentadas nos mais diversos pontos do país e as vozes querem-se a ouvir dizer o que há de novo, quais as promessas artísticas e o que podemos ver e rever. O CCB é um desses espaços cuja voz já se ouve, desvendando as suas apostas para a nova temporada.
Podemos começar já a enumerar os nomes dos que vêm aos palcos deste espaço específico, mas comecemos pelos artistas e companhias associadas para a temporada 2009/2010 do CCB, que por si já dizem muito sobre aquilo que será a programação deste ano e qual é a linha condutora deste espaço lisboeta. Rui Horta é apresentado como artista associado, o Teatro Praga como companhia associada. A cada um destes foram pedidas três criações, cada uma delas com uma dimensão diferente (pequena, média e grande).
Rui Horta aceitou o desafio de criar três obras, que pressupõem uma reflexão mais alargada sobre o próprio percurso de criador. Abordam temáticas diferentes, mas unem-se no “questionamento do papel do corpo no discurso coreográfico e teatral.” Será acima de tudo uma reflexão criativa, um laboratório onde se procuram respostas. “Talk Show/Até se apagar o corpo” (Outubro) procura o corpo como sistema de comunicação e levanta a questão do seu desaparecimento ao longo da vida no amor. “As lágrimas de Saladino” (Março) reflecte a saturação do corpo e o olhar sobre o corpo do outro. “Local Geographic” (Maio) é o último espectáculo da trilogia e é uma reflexão sobre a identidade, abordando o corpo íntimo. Rui Horta avança que quebrou a linha, que tinha vindo a seguir nos seus últimos espectáculos, de envolvimento do público no espaço cénico, tomando-o como agente integrante da criação. Estas três obras contrariam esta ideia de investir o espaço da sala.
O Teatro Praga, a companhia associada da temporada, foi convidado pelo CCB para proporcionar um modo de programação e de concepção de espectáculos aproveitando as três salas, tal como acontecerá com os espectáculos de Rui Horta. O Teatro Praga persegue, com diferentes dimensões, o percurso de uma nova ética, explorando a dicotomia entre mal e bem, a revolução e a conservação, caminhando, supostamente, para outra arte. Em Setembro, Março e Julho, apresentarão, respectivamente, “Padam, Padam”, “Oil ain’t all, J.R.” e “Sonho de uma noite de Verão”). Não é uma trilogia, são três espectáculos unidos pelo facto de não haver relações objectivas entre eles.
Além da inserção pela residência artística de uma companhia de teatro e de um coreógrafo, que vem estender a outras áreas o que já existia na música clássica, com orquestras residentes em cada uma das temporadas, o CCB aposta este ano nos criadores portugueses, tanto na dança como no teatro. Lia Rodrigues, Leonor Keil, Amélia Bentes e Olga Roriz, na dança. No teatro, Jorge Silva Melo que leva a cena um texto original de José Maria Vieira Mendes e a “Comemoração” de Harold Pinter. “La Musica” de Margueite Duras sobe a palco encenada por Solveig Nordlund e Luísa Costa Gomes apresenta a tradução de “O Príncipe de Homburgo”, de Heinrich von Kleiste.
Na música, residem a Divino Sospiro, a Orquestra de Câmara Portuguesa, a OrchestrUtopica e o agrupamento de câmara Schostakovich Ensemble. A Orquestra Sinfónica Portuguesa e a Orquestra Metropolitana de Lisboa também farão aqui as suas habituais temporadas.
Maria João Pires tem regresso agendado para Janeiro de 2010, acompanhada por Rufus Müller (tenor) para uma peça do repertório de Lied de FranzShubert. Em Fevereiro, um ciclo dedicado a Schumann, composto por recitais de piano e concertos de câmara. Apesar de toda esta programação de música clássica, que o CCB mantém, a aposta no jazz tem vindo a crescer. Renovam-se as quintas de jazz, tanto no Inverno, com Dose Dupla, como no Verão, com o Jazz às 5as. Vem também aí a terceira edição da Lisbon Jazz Summer School. Como pinceladas refrescantes, ao longo do ano, existirão concertos de outras sonoridades: Brad Mehldau, Jason Moran, Andrea Pozza, Scott Hamilton, Gilberto Gil, Bernardo Sassetti e Fausto Bordalo Dias.
No que respeita aos Festivais, o CCB terá o ciclo dedicado a Istambul, explorando cinema, dança, fotografia, música e literatura. Em Abril regressam os Dias da Música, este ano dedicados às “Paixões da Alma”, com inspiração em Descartes. A Fábrica das Artes do CCB continua a trabalhar no sentido de disponibilizar espectáculos, oficinas e exposições com o foco nos mais novos, acompanhando a programação anual. À primeira vista a temporada 2009/2010 do Centro Cultural de Belém parece vir tornar mais consistentes as opções que têm vindo a ser tomadas aos poucos: o proporcionar residência e focar num tipo de criação por época artística, e também uma programação com mais incidência em artistas nacionais. Vamos vendo aos poucos as cortinas a abrir e as luzes a acender.
ANA MARIA DUARTE
Artigo publicado Jornal Semanário (04-09-2009)