segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Cat Power volta aos palcos



Lisboa – Paris
Um olhar sobre a songwriter

Cat Power voltou a Portugal há algumas semanas para um concerto no Coliseu de Lisboa, e outro no Porto. Os concertos de espírito indie-rock passaram a ser preenchidos por sons mais folk e blues, com uma Chan Marshall ainda mais sensual e dançante. Tive a oportunidade de ver Cat Power ao vivo algumas vezes. As últimas em Lisboa, no dia 26 de Maio, e em Paris, no Olympia, no dia 1 de Junho, com menos de uma semana de intervalo entre ambos os concertos. Esta é uma visão sobre os dois momentos em duas salas míticas, um olhar sobre a songwriter.

O Coliseu esgotou, depois da passagem de Cat Power pela Aula Magna, o ano passado, ter já mostrado uma reviravolta no tipo de concertos a que nos tinha habituado anteriormente. As pessoas que ocupavam aquela que é considerada a sala mais mítica da capital, mostravam ansiedade. Passou-se um pouco mais de meia hora da hora a que estava marcado o início do espectáculo, em que se ouviam músicas folk e em que alguns pés mais ousados iam dançando de uma forma descontraída, bem junto ao palco, mesmo se sentados. Finalmente subiu ao palco a banda Dirty Delta Blues Band, que começou mesmo sem Chan Marshall. Tomaram os seus lugares e tocaram na penumbra, até à chegada da mulher que todos queriam ver. Quando se começou a ouvir a sua voz, mesmo sem a ver, quase que se ouviu o suspiro de alívio generalizado a ecoar pela sala. A espera já ia longa, mas rapidamente ela começou o espectáculo, dançando e deslizando sobre os seus sapatos brancos, de sapateado. A primeira fase do concerto passou-a Cat Power nessa estranha e sensual dança, na boca de cena, pescando corações, numa postura que escondia sorrisos entre as canções. Da espécie de desaquação ao palco, daquela que também não consegue viver sem eles, nasce um charme incrível que conquista muitos dos amantes de Chan Marshall. Tudo começou com “Don’t Explain”, seguido de “Woman Left Lonely”, que lembrou logo a evocação ao mestre Bob Dylan, que, aliás, lhe serve de inspiração e que é uma das suas grandes referências. A sua actuação foi dominada pelo blues, mas teve nuances rock e folk. “Silver Station” entrou num tom mais country, e ainda com mais brilho do que a versão apresentada no disco, tendo arrancado os primeiros aplausos mais efusivos do público, em grande parte por ter trazido aquilo que a sua voz tem de melhor – os graves, e o que Chan faz com eles. “New York, New York” prolongou este momento e “Naked If I want to” representou outro dos pontos altos da noite, mostrando todo o seu esplendor.
Ao longo do concerto, a cantora foi-se mostrando meio alheada do público, algo que até lhe dá graça, mas não muito apreciado pelos fãs que se queixam da falta de encontro entre olhares. Contudo, o charme vem do misto de insegurança e irreverência. Aliás, quando um rapaz espanhol mesmo na primeira fila lhe gritou “guapa”, a resposta foi: No, I’m ok, good enough. I’m lucky”.
“Song To Bobby”, o único original de “Jukebox” , escrito a pensar em Bob Dylan, foi das poucas canções a ser cantada de olhos postos no público. Com a bateria e a guitarra a soarem mais ao de leve, o que até foi bom, porque algumas vezes o som da banda sobrepunha-se à sua voz, não sendo poucas as vezes que Chan Marshall deu indicações aos técnicos de som, durante o concerto. “She's Got You” vinha antecipar uma parte do concerto mais rockeira, que chegou com “Metal Heart”, talvez até por ser uma versão de uma canção antiga (apresentada assim em concerto) de um álbum em que essa veia ainda estava muito presente: “Moon Pix”. Foram ainda tocadas “Aretha, Sing One For Me” e “Ramblin’ (Wo)man”.

“Blue” deixou-a acompanhada só pelo piano e pelo baixo, antecedendo uma passagem para 'The Moon' a dar a deixa para o revisitar de “The Greatest”, que acabou por não ser tocado até ao fim. “Blue” de terminou com Cat Power a repetir enfaticamente o nome da cantora canadiana e a retirar-se por breves instantes do palco. Encarado por muitos como uma desilusão, até porque era um dos temas mais esperados da noite, ouso até dizer que se Chan tocasse todas as músicas até ao fim, essa não seria a Chan Marshall que nos conquistou. Seguiu-se “Lived in Bars” e a preparação de uma das despedidas mais longas de que há memória nos palcos portugueses.
O adeus começou com a apresentação da banda, prosseguiu com uma jam e seguiu para o tema “Angelitos Negros”, uma músicas em espanhol que faz parte do disco extra (edição limitada) de “Jukebox”. Cat Power surpreendeu, ao pedir que acendessem as luzes da sala para ver as “personas” que a aplaudiam e a meio da versão de “I’ve been loving you too long” lançou-se numa investida pelo público, lançando vários “I love you” pela plateia. A despedida foi longa, mesmo depois da banda sair, os aplausos continuavam e Chan Marshall continuou no palco, distribuindo flores e setlists pela plateia, fazendo vénias sempre diferentes, até que ligaram a música e o público já saía, quando ela abandonou o palco.
No Olympia, em Paris, o cenário era outro. O público era bastante diferente, mais velho, mais heterogéneo que em Lisboa. Lá a banda da primeira parte, de nome Lapalosa, sobre a qual não me irei prolongar muito, foi assobiada e mandada embora. Voavam objectos em direcção ao palco. Depois de um intervalo, o público estava mais calmo e pronto para ouvir Cat Power.
O alinhamento foi semelhante. Um dos momentos altos da noite foi “Satisfaction”. É notável a dança de Chan Marshall e o apoio da banda, que com um melhor som, no Olympia agradou ainda mais, servindo mais do que de teia, uma componente essencial. “Metal Heart” agradou o público. Ali as pessoas batem menos palmas entre as músicas, o que pode parecer mau à primeira vista, mas possibilitou um concerto mais dinâmico, com mais energia e com passagens que não são permitidas quando todos param para deixar continuar os aplausos. Ali as pessoas queriam de facto, acima de tudo, ouvi-la. E embora o público português seja conhecido pela empatia criada, e inegável, senti igualmente a sala cheia e com muita vontade de partilhar, tendo também no final recebido as flores que Chan distribuía pelo público e aplaudido de pé, enquanto ela repetia as vénias. Acho que estes agradecimentos tão sentidos vêm da vontade de contacto que a songwriter ultimamente tem trabalhado. Os concertos dependem muito do público, e da sala, claramente, contudo, a banda de qualidade que suporta Chan Marshall actualmente faz com que, aquela que já foi a figura de estimação da cena lo-fi/ indie americana é hoje considerada intérprete de luxo. A transição, essa tem sido gradual e nunca a considerei definitiva, há sempre sombras, e ainda bem, da Chan Marshall de 20 e poucos anos.
O recente “Jukebox” é uma colecção de versões de boa gente, como Bob Dylan ou Hank Williams, que deixam Chan Marshall brilhar. Esta metamorfose também se vê ao vivo. Esquiva e imprevísivel, garanto que Cat Power continua fascinante. Foram ambos bons espectáculos, com belos momentos. “Jukebox” foi o pretexto para este regresso aos palcos, um disco que apresenta versões de outras canções de artistas com que Chan Marshall de alguma forma se identifica. Ao vivo, foi mais que isso, foram olhares novos sobre versões de antigas canções. Esperamos o próximo ou iremos até ele.
Artigo publicado no Jornal Semanário - Junho 2008

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