quarta-feira, 27 de agosto de 2008

"Glow" - dança e tecnologia


Um corpo de luz em palco

30 minutos de intimidade intensa

“Glow”. Fala-se de um espectáculo de dança que “(…) utiliza um sistema de alta tecnologia para gerar digitalmente imagens e paisagens visuais, em tempo real, em resposta aos movimentos do corpo da bailarina que está em palco. Resulta, então, que nenhum espectáculo é repetível, pois quer os movimentos da bailarina quer, consequentemente, as imagens geradas, mudam a cada apresentação”. O espectáculo vem ao Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian pela mão da companhia australiana Chunky Move, fundada em 1995 por Gideon Obawzanek, ex-bailarino da Sidney Dance Company, que assina esta coreografia criada em 2006. Para ver nos dias 29 e 30 de Agosto, às 19h e às 21h30, na Sala Polivalente do Centro de Arte Moderna José de Azevedo Perdigão. 30 minutos que podem mudar a sua imagem de dança.

 

“Glow” teve estreia mundial em Melbourne, em 2006. Chega agora a Lisboa integrado no Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística. O conceito é elaborado. Decorria o ano de 2004 quando Gideon Obarzanek desafiou o engenheiro alemão de softwares interactivo Frieder Weiss a avaliar a possibilidade de isolar o corpo de uma bailarina, isolado na escuridão. Weiss conseguiu e o resultado é no mínimo surpreendente. O conceito é este: “Sob o brilho de um sistema sofisticado de sincronização vídeo, um ser orgânico solitário transmuta-se alternadamente da forma humana, para assumir aspectos estranhos, lascivos e grotescos, de criatura. Utilizando o que há de mais avançado em tecnologia interactiva, uma paisagem digital é criada, em tempo real, em consequência dos movimentos da bailarina. Os gestos do corpo são ampliados pelo mundo em vídeo que o rodeia, ao mesmo tempo que manipulam esse mundo, dando azo a que não haja duas interpretações exactamente iguais.”.

O espectáculo, com apenas 30 minutos, fica na memória de quem o vê, pela teia que cria, talvez pela força que terá apenas um corpo iluminado, vivendo de sombras e luz. A velocidade dá dinâmica e as pausas são ocasionais, o que origina, ou talvez seja fruto, de uma dança energética, ao longo da qual a própria intérprete é que contrói a música e a iluminação. Assim parece. O cenário é simples: chão branco com moldura preta, um ecrã onde se dança. A bailarina é vestida pela luz e pelas projecções, já que apenas tem um fato de lurex branco, que capta a luz. Ela assume poses de liberdade, de tensão ou distorção. O movimento e a forma são registados electronicamente e passam por uma manipulação provocando refracções da dança.

À semelhança de trabalhos desenvolvidos anteriormente por Obarzanek, este espectáculo afasta-se da ideia de narrativa, sendo antes o início de reacções emocionais profundas e que podem até povoar a nossa cabeça durante algum tempo. As sombras levantam a bailarina do chão, a bailarina eleva as sombras, tudo num jogo de luz, de imagens de angústia, de excitação, de empatia. Ela determina a extensão do campo de luz que a envolve.

Este espectáculo insere-se na linha de criação própria da Chunky Move. Criada em 1995,  a companhia alcançou uma reputação invejável pela produção de um estilo de interpretação em dança que se caracteriza por ser distinta e imprevisível. Procura continuamente o envolvimento da cultura contemporânea em meios muito diversos, redifinir aquilo que é, ou será, a dança contemporânea no contexto da cultura australiana onde se insere. “Glow” traz tudo isto, um envolvimento com a cultura contemporânea, com a tecnologia. Em palco, tecnologia e corpo unem-se. Esperemos que sem o habitual e terrível acontecimento da tecnologia complexa se sobrepor aos efeitos da dança ao vivo. Talvez não, pela exigente coreografia que está por trás do conceito e que implica que haja transformações nos mundos da bailarina, aquele que cria e aquele que implica na criação, ou seja, aquele que a envolve.

Além de um excelente criador e das bailarinas, que têm sido muito elogiadas pela crítica internacional - Kristy Ayre e Amber Haines – que se revezam nas apresentações; a eqipa criativa ainda conta com a música de Luke Smiles e figurino de Paula Levis.

Li recentemente numa crítica ao espectáculo: “O imaginário que gera, começa por ser uma geometria clara mas, uma vez que a mulher evoluída se levanta e anda, o chão desponta em formas escuras sob os seus pés. Estas são as sombras que ela deixa atrás de si. Mas já não está só. As sombras galgam-na, ameaçadoras. Não sendo já o único gerador de luz e de vida, presas de fora, ela solta um grito primitivo e gutural. A evolução é subitamente mais complexa, tão medonha quanto bela.” A ansiedade de ver este espectáculo é brutal. Segura de que será geometria, invasão do espaço. Nova dança. Será que a luz nos diz a dança que a bailarina dança ou é a bailarina que faz a luz? Uma experiência que se promete intimista, com detalhe. E eu sedenta desse intimismo em palco. 

Artigo publicado no Jornal Semanário - Agosto (ed. 22.08.2008)

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