segunda-feira, 25 de agosto de 2008

“Jukebox”, a envolvência de uma voz


O regresso de Chan Marshall

“Jukebox” fica no ouvido. Pelo nome, pelos sons que emana quando dizemos a palavra. E isto tudo mesmo antes de ouvir as músicas. Novas recriações. “Jukebox” é o novo álbum de Cat Power lançado esta semana pela Matador Records. Este é o segundo álbum de versões de Cat Power, depois de “The Covers Record” (2000), e chegou às lojas. Para ouvir e reouvir.

Depois do magnífico "The Greatest" em 2006, Charlyn "Chan" Marshall presenteia a comunidade expectante com um álbum de versões. Numa linha bastante diferente de “The Covers” este álbum continua com um ponto comum de luxo: Cat Power pega nestas músicas e recria-as de uma forma apaixonante. Chan Marshall revela, não falta de criatividade como maior parte dos artistas que pega em músicas e faz covers, mas uma capacidade incrível de criar praticamente novas músicas de altíssima qualidade, com tons intensos. É o caso de “Silver Stallion” (Lee Clayton).
Cantora, pianista e poeta, a norte-americana Chan Marshall a.k.a. Cat Power é um valor inegável no universo “folk alternativo”, com inspiração em nomes lendários como Dylan, que aliás revive neste disco. Nascida em Atlanta, no estado da Georgia, em 1972, Chan passou a maior parte da infância com o seu pai, também músico, viajando com ele pelo Sul dos Estados Unidos, o que explica a influência dos blues no seu trabalho. A sua ligação à música passa a ser mais forte quando parte para Nova Iorque e começa a fazer a abertura dos espectáculos de Liz Phair. Em 1994 conhece Steve Shelley dos Sonic Youth e Tim Foljahn (Two Dollars Guitar), que se tornam a sua banda de apoio, e em 1995 lança “Dear Sir”, o seu primeiro álbum, seguido de “Myra Lee” (1996). Estes dois álbuns foram gravados no mesmo dia. Ainda nesse ano, assina contrato com a Matador Records, com quem lança “What Would The Community Think” (1996), registo que inclui canções inesquecíveis como “Nude as the News”, e com o qual ganha notoriedade.
Apesar de se tornar cada vez mais conhecida a nível mundial, Cat isola-se do mundo no interior dos EUA com seu namorado, Bill «Smog» Callahan, onde passa praticamente um ano a procurar-se, mais desligada da música. Depois desse ano retoma o seu nome “Cat Power” e parte para a Austrália, juntando-se aos Dirty Three, para gravar “Moon Pix” (1998), considerado um dos melhores dos anos 90. “Moon Pix” está povoado de sublimes composições, como “Metal Heart”. Em 2000, quase num formato de expurga de antigos fantasmas, lança “The Covers Records”, o seu primeiro álbum de covers, onde mostra canções de Bob Dylan e Nina Simone. Simultaneamente, neste álbum, encontramos divertimentos e sedução, em canções como “I Can’t No Satisfaction” dos Rolling Stones.
“You Are Free” (2003) é produzido por Adam Kasper (Pearl Jam e Queens of The Stone Age) e veio garantir o talento de Chan Marshall. Em todo o seu percurso podemos sentir o fascínio que Chan tem por American Music, basta ouvir as suas covers de Dylan, Lou Reed, Moby Grape e o folk mais tradicional de “The Covers Record”. Por outro lado, “Good Woman” em “You Are Free” podia perfeitamente ter sido escrita numa quinta do Mississipi rural, mas Cat Power tem o condão de a personalizar com os seus próprios sons contemporâneos. “You are Free” representou uma mudança da atitude perante os discos e o público. Em “The Greatest” (2006) sente-se perfeitamente o novo ciclo. As suas composições parecem ser calcadas na música negra e no country. Afasta-se da discografia passada, mais rock e menos dócil, mas em “Hope” dá-nos um bocadinho desse clima mais enclausurado e sombrio. Os seus concertos também passaram a ter uma energia e natureza diferentes, chegando a ser até mais dançáveis. “The Greatest” foi bastante aclamado pela crítica e Cat Power rendeu-se completamente à plateia nos concertos da sua última digressão, revelando um espírito diverso, depois do seu período de reabilitação numa clínica. Com o novo ano, o novo disco de Cat Power, um disco de versões que contém dois temas originais. O regresso de “Metal Heart”, recomposta e mágica, envolta em nuances mais calmas, e “Song To Bobby”, uma canção com dedicatória a Bob Dylan. As músicas passam por versões de Frank Sinatra, Hank Williams, George Jackson, Billie Holliday, Janis Joplin, James Brown e Creedence Clearwater Revival entre outros. Em alguns países “Jukebox” virá com cinco faixas extras, entre elas “Breathless” de Nick Cave e “Shes Got You” de Patsy Cline. O disco é uma espécie de sequência para "Covers Record", e quase se chamou "Covers Record II". Confesso o meu contentamento com o novo nome “Jukebox”, que sonora e esteticamente brilha mais.
Esteve em Lisboa a última vez em Dezembro de 2006, integrando o Festival Radar e apresentando na Aula Magna o álbum “The Greatest”, numa viagem intensa e que suscitou sentimentos muito díspares. Esperamos o seu regresso para a apresentação deste álbum.
Sem dúvida uma musa do “american folk revival”. Cat Power evolui a cada álbum que edita, reinventa sonoridades, e neste disco toca uma vez mais algumas angústias, que podemos até sentir na nova versão de “Metal Heart”, mas Chan está claramente afastada desse rock de cariz confessional e isso sente-se ao longo de todo o álbum, com momentos perfeitos como “Lost Someone” ou “Don’t Explain”.
Ao ouvirmos o disco, realmente o tempo pára e a envolvência da sala que deixa entrar o sol é única, como só ela consegue, sentada ao piano.
Artigo publicado no Jornal Semanário - Janeiro 2008

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