quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A ideologia do teatro enquanto celebração


Espectáculo integrado no Festival de Almada
Festejar em palco

O Festival de Teatro de Almada está a decorrer, comemorando este ano o 25º aniversário, e “A Festa” é um dos espectáculos mais falados dentro da programação. Em cena até 27 de Julho, no Teatro Maria Matos, a peça é resultante de um projecto que englobou três workshops, dirigidos por quatro pessoas diferentes: João Canijo, Pavol Liska, Kelly Cooper e Faustin Linyekula. O projecto “Estúdios” tinha como objectivo desenvolver vários fragmentos desta peça, explorando uma quantidade significativa de diferentes processos de trabalho que pareciam seguir todos o mesmo princípio – o encontro de uma essência de espectáculo sobre este tema festivo. Parece que o proposto foi conseguido e subiu a palco “A Festa” vista por vários criativos, dado o seu foco de trabalho conjunto. Para ser apreciada até 27 de Julho, de quarta a sábado às 21h30 e domingos às 17h.

“A Festa” é a primeira criação resultante do projecto Estúdios. Este espectáculo teve origem em três workshops dirigidos pelo realizador português João Canijo, pelos directores artísticos da companhia norte-americana “Nature Theatre of Oklahoma”, Pavol Liska e Kelly Copper, e pelo coreógrafo congolês Faustin Linyekula. Ao longo destes workshops, a equipa artística deste espectáculo explorou diversos processos de trabalho e desenvolveu vários fragmentos de uma obra teatral dedicada ao tema da “festa”. De seguida, autores e actores fundiram as suas experiências anteriores, encontrando a sua própria forma de criar um espectáculo sobre este tema, que é um convite não só à invenção, mas também à celebração. Nota-se esta união de vivências, de experiências festivas, de momentos de celebração, ou de encontro, no termo mais peculiar da palavra, até porque poderemos estar a falar de baptizados, casamentos, aniversários e até funerais. Serão festas de natal, festas de ano novo, feriados populares, festas da aldeia, festas de celebrações diferentes, festas de discoteca, festas de que ninguém (ou quase ninguém se lembra) ou aquelas inesquecíveis pelo pior e pelo melhor. Momentos em que pessoas se reúnem por uma determinada situação, poderia ser até comemorar as 2000 palavras que já dissemos hoje, ou comemorar 5398 dias de existência. Quem sabe o que se poderá inventar? Os participantes nos workshops passaram certamente pelos pensamentos e viagens pelos universos de festas de empresa, festas de escola, celebrações de vitórias desportivas, bélicas, eleitorais, etc. As festas são também momentos performativos, onde se repetem gestos, rituais, assumindo-se personagens. Nas festas, podemos observar a natureza humana na sua faceta mais teatral. As pessoas nem sempre vivem exactamente daquela forma, nas festas somos seres sociais, mais do que indivíduos. Comemoramos ou celebramos algo que é do outro, ou nosso, mas em grupo. Sociologicamente são momentos onde nos avaliamos e onde avaliamos os outros. 
“A Festa” é também uma noção essencial na História do Teatro, foi em festas, tanto nos palácios das cortes como nas celebrações populares, que nasceram muitas das obras mais marcantes da dramaturgia universal. A pergunta que queremos lançar é: que festa podemos hoje fazer num teatro? O que podemos celebrar no teatro? Será o teatro uma festa em si mesmo? O teatro é ele próprio, muitas vezes, um momento social, de encontro de pessoas em busca de algo, que comemoram de alguma forma a criação artística. É sem dúvida uma festa em palco, este espectáculo. Integrado também ele num momento festivo, em que se comemora um aniversário do festival de Almada, um momento de festa a aproveitar. 
A parte de continuação do projecto leva-nos a maiores reflexões sobre os caminhos por onde tem ido o teatro. “Estúdios” é, acima de tudo, um projecto de formação e criação de teatro, culminando sempre na criação e exibição de um novo espectáculo. Nota-se uma certa procura de criação colectiva, de aprendizagem composta por vários partes e essencialmente do assumir desta concentração num mesmo palco de criadores e actores. A ideia é continuar. Todos os anos, realizar-se-ão workshops e master classes dirigidos por alguns dos mais inovadores criadores e teóricos nacionais e internacionais, dedicados sobretudo à escrita para teatro e ao trabalho de actor, mas estendendo-se também aos vários sectores da criação teatral. 
Numa segunda fase do projecto, os autores e actores que participaram nos workshops irão criar um espectáculo que será exibido no Teatro Maria Matos. Todos os anos, Estúdios dedicar-se-á a um tema, que servirá de mote aos workshops e à criação do espectáculo. Na edição de 2008, esse tema é “A Festa” e o espectáculo apresentado no palco do Maria Matos engloba grandes nomes. Uma criação colectiva, com texto de Filipe Homem Fonseca, Nelson Guerreiro e Tiago Rodrigues; interpretação de Cátia Pinheiro, Cláudia Gaiolas, Joaquim Horta, Marcello Urgeghe, Rita Blanco, Tiago Rodrigues e Tónan Quito; cenário e desenho de luz de Thomas Walgrave. Com produção do Mundo Perfeito e Teatro Maria Matos, conta ainda com co-produção do Festival de Almada 2008, Alkantara Festival, CAPa e Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. 
Deixamo-nos influenciar pelo ambiente, pelo universo artístico e pela linguagem festiva e sentamo-nos para assistir à festa.

Artigo publicado no Jornal Semanário - Julho 2008

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