segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Only you, mais que um rapaz na montra

“Only you” é um projecto de Dinis Machado. Arte conceptual e enquanto forma de pensamento, numa casa que é o palco e numa montra que é a casa. Um espectáculo à sua medida, um actor ao seu dispor. Este é um projecto a decorrer até 31 de Março, subsidiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e apoiado pelo Cão Solteiro.teatro e pelo Teatro Praga.

Se vos dissesse que ía a andar na rua e encontrei um rapaz a viver numa montra, o que me diriam? É verdade, ía mesmo ali na Rua do Poço dos Negros, e, ao chegar ao número 120, fiquei fixada na montra. Era final de tarde, estava lá um gato preto e um rapaz, num quarto, e no vidro da montra umas frases sobre “a casa”. Olhei melhor, ele saiu e deu-me um flyer – umas fotos tipo passe, daquelas que se tiram nas máquinas automáticas onde rapidamente o identifiquei, e ainda um papel que me explicava o conceito. “Only you” é um espectáculo só para si, para cada um de nós individualmente, para quem se arriscar a ir. O artista, esse, como o próprio diz, está ao seu dispor.
Para quê definir como teatro, dança ou performance. Não é nada disto e é tudo ao mesmo tempo. É um projecto, simplesmente complexamente isso. Ele diz “Daquilo que tenho tu escolhes com o que queres ficar”, depois peço eu o que preciso para que a coisa se dê. Na verdade só vais poder ver o “espectáculo” depois, ofereço-to como presente. Mas talvez isso não seja importante. Talvez a “coisa” seja maior que o “objecto”.” A primeira vez que li tudo nem sabia bem, ainda estava ali colada à montra a ver se descobria o que afinal era aquele projecto.
Depois li as instruções de uso, que partilho para que possam experimentar sem estranhar de todo o conceito. Primeiro definiu-se o lugar. O artista mudou-se com todos os objectos pessoais da sua casa para a montra da loja durante o período em que o projectp está em cena, neste caso, de 1 a 31 de Março. O espectáculo é para um espectador, que tem a possibilidade de escolher a que horas e em que data deseja assistir. É aqui que começa o processo de escolha. O espectador é recebido num primeiro espaço onde lhe é apresentado um catálogo de pequenos filmes, que estão documentados com imagens e texto de forma sintética. Desta lista, o espectador escolhe seis, que serão usados durante a fase seguinte: o encontro.
O encontro dá-se quando o espectador é conduzido a um segundo espaço, onde existem duas áreas diferentes, uma para o Dinis, o performer e outra para si, o espectador. Este é convidado a ler um texto, enquanto os vídeos passam por trás de si, sem som, sem que os possa ouvir ou ver. Durante todo este momento, o espectador está a ser filmado. Depois de tudo isto o espectador regressa a casa, ou vai passear e reflectir sobre o que acabou de viver. E aqui ainda nos perguntamos o que está a acontecer. Aqui, surge “o objecto” – a posteriori o espectador recebe em casa o registo do “espectáculo”, de tudo aquilo que viveu, que foi registado através da câmara fixa. Só aqui vai ter a possibilidade de se observar a si mesmo, de ver e ouvir o vídeo que tinha passado atrás do espectador, enquanto lia o texto. O som é acrescentado no processo de montagem do mesmo,
Desta forma, o texto é o elemento condutor do objecto. Pretende-se construir um objecto para cada espectador, dedicado a si mesmo e que contenha a sua presença e a possibilidade de um olhar sobre si. Este é um espectáculo que se diferencia não só pelo processo de escolha que é dado ao espectador, mas também à sua inserção na construção do próprio espectáculo. Numa época de consumo em que se fala cada vez mais da personalização dos produtos e do marketing one to one, esta é uma performance que vai exactamente de encontro a essa personalização e personificação do espectador, que terá sempre um espectáculo único, pois o processo de escolha, a leitura, os filmes, a montagem, criarão certamente espectáculos individuais e com um carácter diferenciador. Por outro lado, Dinis Machado, quebra as barreiras do espaço de cena, vai para a rua, mas transforma um espaço numa casa e a sua casa durante o tempo de cena é mesmo este espaço. Uma dramaturgia que depende do criador e um espectador que tem uma relação com o próprio criador. Uma arte que questiona e um projecto que não passa despercebido. Experimente-se, relacione-se, crie com o criador que acredita na arte enquanto forma de pensamento.

Artigo publicado no Jornal Semanário - Março 2008

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