segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Ciclo Meg Stuart em Lisboa


O Ciclo Meg Stuart decorre em Lisboa, de 3 a 13 de Julho, no Centro Cultural de Belém, na Culturgest e no Teatro Camões. Meg Stuart é um dos nomes mais sonantes no universo da dança contemporânea europeia e o seu trabalho tem não só qualidade artística, mas também inovação e transdisciplinariedade. O Semanário conversou sobre o ciclo, com Mark Deputter, programador do Teatro Camões.

Meg Stuart tem nacionalidade norte-americana mas reside na Europa desde 1994. Uma figura central da cena europeia da dança contemporânea, pela sua qualidade artística, pela inovação das suas criações, pelo trabalho de pesquisa que desenvolve e pela transdisplinariedade do seu percurso, colaborando com outros universos artísticos.
Mark Deputter diz-nos a propósito da escolha de Meg Stuart para o primeiro ciclo: “A obra de Meg Stuart é da maior importância para o desenvolvimento da dança contemporânea europeia. Depois de 15 anos de carreira, Meg Stuart já faz parte da história não só da dança, mas da arte contemporânea em geral. Como poucos outros, influenciou o desenvolvimento da dança contemporânea nos anos 90.”.
A relação de Meg Stuart com Lisboa e com a comunidade artística da cidade é forte. A sua primeira peça, “Disfigure Study”, estreada no Festival Klapstuk – 91, em Lovaina, foi interpretada por Francisco Camacho e Carlota Lagido. Apresentou trabalhos seus em diversos espaços em Lisboa, contudo as suas criações mais recentes não foram ainda mostradas ao público em Portugal. Mark diz mesmo: “(...) a Meg tem uma relação muito especial com Lisboa. Gosta imenso da nossa cidade e tem aqui um público grande e fiel. Sente-se sempre frustrada quando uma ou outra peça não é apresentada em Lisboa. (...) As muitas colaborações com artistas Portugueses fazem com que Meg Stuart, de certo modo, faça parte da comunidade artística lisboeta, do imaginário artístico nacional.”.
Quando assumiu a programação do Teatro Camões Mark queria divulgar a dança enquanto arte e lugar de pensamento. É nesta linha que surgem os ciclos temáticos. “Ao juntar as capacidades financeiras e de produção de três grandes teatros, conseguimos organizar um evento que cada um por si dificilmente podia realizar.”, explica relativamente à união das três instituições.
O ciclo abre a 3 de Julho, no CCB, com a estreia de “Blessed”, um novo espectáculo criado por Meg Stuart, com Francisco Camacho (3, 6 e 10 de Julho). A peça foi criada para o bailarino português, numa instalação sonora de Hahn Rowe.
O ciclo prossegue na Culturgest com “Maybe Forever”, um dueto que nasce do interesse de Philipp Gehmacher pela coreógrafa e da atracção de Meg Stuart pela linguagem de movimento de Philipp. (4 e 5 de Julho). Em 2005 passaram cinco dias num estúdio e dialogaram a partir da improvisação, ficando uma vontade de voltar a trabalhar juntos. A parceria quando improvisam é incrível e parecem surgir da mesma fonte, numa intimidade afectiva.
O seu trabalho regressa ao CCB com a reposição da instalação “Sand Table” (6 e 7 de Julho), depois de ter integrado a programação do Festival Temps d’Images em 2006. Esta é uma peça que vive da instalação criada por Meg Stuart e pela artista visual Magali Desbazeille.
A estreia em Portugal da última e aclamada peça de grupo de Meg Stuart, “It’s not funny” (7 de Julho) estreou a 21 de Agosto de 2006 no Salzburguer Festspiele, é apresentada como uma coreografia social que explora a vergonha e a interacção. Meg Stuart trabalha questões que põem em dúvida a organização e a regência da vida por imagens, pela estética criada socialmente. Explora estas questões partindo de situações como o embaraço, a vergonha, a falta de jeito, fazendo uma comédia que não tem graça. Entra em confrontação com as comédias musicais de Hollywood, contrapondo o glamour e a beleza, com a vergonha real.
O ciclo termina no Teatro Camões com “Auf Den Tisch!” (12 e 13 de Julho). “Auf Den Tisch!” (Para cima da mesa!) é um projecto de improvisação coordenado por Meg Stuart. Um elenco variável de actores, pensadores, escritores, cantores, músicos e bailarinos expõem as suas questões mais prementes, fazendo surgir um espectáculo de negociações.
“O ciclo Meg Stuart não é uma retrospectiva, mas antes uma apresentação concentrada das obras mais recentes. (...) Meg Stuart tem uma obra muito diversificada não só em termos de conteúdo, como também nos seus formatos.
Esta é uma oportunidade extraordinária de conhecer uma outra faceta do trabalho desta artista. “, diz-nos Mark Deputter.
“As peças incluidas no ciclo são extremamente diversas, mas claro que existem temas e elementos que são recorrentes em toda a sua obra coreográfia. Meg Stuart é uma artista que é obcecada pelo desastre, a falha, a fraqueza. Não é por acaso que a sua companhia se chama “Damaged Goods”. As personagens que habitam o seu mundo são os excluídos, os falhados, os que perderam toda a esperança, os marginais. Os intérpretes não brilham pelo virtuosismo dos seus movimentos, mas distinguem-se pela sua capacidade de mostrar as fragilidades do corpo e do espírito humano: o corpo disfuncional, fora de controlo, doente, exausto, viciado.”, acrescenta Mark relativamente aos elementos de ligação entre as criações.
Numa programação complementar, será realizada uma Masterclass (Teatro Camões, 9 de Julho) e uma conversa com Meg Stuart, Myriam Van Imschoot, Mark Deputter e Gil Mendo (Culturgest, 10 de Julho). Existirá ainda um programa de filmes e vídeos, em reflexões visuais sobre a dança, a palavra, a imagem e o movimento. “São muitas “entradas” na obra extremamente rica e diversa de Meg Stuart.”.
As incertezas relativamente ao futuro do Teatro Camões enquanto Casa da Dança, obrigou-os a suspender os planos para futuros ciclos, mas o próximo nome talvez fosse William Forsythe. Mark aponta como possibilidade grandes nomes da dança contemporânea como Pina Bausch ou Alain Platel, mas também nomes menos conhecidos junto do grande público, como Vera Mantero ou Sidi Larbi Cherkaoui.
O que mais fascina Mark Deputter na obra de Meg Stuart é “a sua capacidade de transmitir a fraqueza humana e o apelo à compreensão que daí surge. O trabalho de Meg Stuart tem um impacto emocional tremendo, sem nunca se tornar melodramático ou paternalista. É uma obra muito política, arte de intervenção no melhor sentido da palavra.”. Iniciativas programáticas como esta merecem todo o apio e destaque e este é um momento único para conhecer e apreender a obra de qualidade incontornável de Meg Stuart. Um olhar sobre um dos melhores nomes da dança contemporânea.

Artigo publicado no Jornal Semanário - Junho 2007
Fotografia de Chris Van der Burght

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