segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Ginjal – um espaço de experimentação


Conversa com Bruno Bravo
“Curtas” dos Primeiros Sintomas


O projecto “Curtas” consiste numa mostra teatral de espectáculos de curta duração num local pouco usado – o Espaço Ginjal, em Almada. Esteve em cena até ao passado 6 de Julho e criou um espaço de experimentação desejável e com energia suficiente para continuar. Quem era actor passou a ser encenador e vice-versa, cenógrafos tornaram-se encenadores e escritores subiram ao “palco” para representar. O projecto primou pelo seu dinamismo, criatividade e pelo facto de colocar o público numa situação diferente do habitual, o estar em circuito. Um conjunto de peças com naturezas diferentes e em pequenos espaços cénicos criados no armazém de dois andares.
Foram apresentadas peças curtas, como o nome indica, em que o público era levado até aos actores, que representavam de formas distintas entre si, mas próximas das pessoas. As histórias ecoaram pelo andar de cima, sussurraram no andar de baixo e o público lá andava de “banquinho” na mão, para acompanhar este projecto de uma forma diferente e inesperada. Quando terminava uma história e seguiamos para outra, não sabíamos ao que íamos, nunca. Apenas que seria curta e que, talvez por isso, ou pela dose de experimentação em que vivia cada um dos elementos do projecto, seria intensa. Estivemos à conversa com o director artístico do projecto – Bruno Bravo – para saber como se criou este espaço de experimentação. No projecto encenou em “Maria Jesuína – A Mikas”, com texto de Emília Costa, interpretado por Ricardo Neves-Neves e foi actor em “Traz-me o teu amor”, encenado por Stephane Alberto, habitualmente cenógrafo. Fica a vontade de repetir e o feedback positivo de quem teve o privilégio de assistir.

Ana Maria Duarte: Conta-me como foi o processo de criação da peça que encenaste e do próprio projecto “Curtas”.
Bruno Bravo: Começou com tentar levantar aquilo que entendemos como um projecto piloto de um futuro festival de peças curtas e que tem um carácter muito experimental. A ideia foi convidar pessoas ligadas ao teatro para experimentar coisas que talvez não tivessem oportunidade de fazer noutro contexto. Neste 1º ano, são pessoas mais ligadas aos “Primeiros Sintomas”. A Emília por exemplo começou agora a escrever para teatro, o Miguel Castro Caldas teve o desafio de entrar como actor, numa peça encenada pelo Stephane, que é cenógrafo.
No caso específico da “Mikas” foi um trabalho de work in progress quase até ao limite da estreia. A ideia cénica era bastante diferente do que é agora. Ao longo dos ensaios e em confronto com este espaço chegámos ao monólogo do Ricardo.

AMD: Mas sabiam que era um monólogo e o tipo de personagem que procuravam?
B.B.: Sabíamos que era um monólogo, mas a ideia original não era esta. A Emília escreveu um texto que era para uma mulher e não tínhamos pensado num actor para fazer isto, depois surgiu esta ideia. Porque não um actor, porque não o Ricardo? E isso levantou logo uma série de questões. O que é um homem a fazer de mulher? Interessa-nos ir por este lado ou não, por um lado mais travesti, mais feminino ou interessa-nos mais uma voz, que é uma voz de mulher dita por um homem. Fizemos várias experiências. Foi um trabalho, se quiseres, de decorar. Fomos decorando, tirando, tirando, tirando e ficou o osso.

AMD: O espaço do andar de cima, o corredor onde é apresentada a peça, foi escolhido por que razão?
B.B: “A Mikas” inicialmente era um problema, porque nós sabíamos que era uma prisão. Queríamos o contraste de ser uma mulher que vive esta fantasia de princesas, confrontado com aquilo que é uma prisão. O Stephane, o cenógrafo que fez a grade, sugeriu o corredor. Pensámos imediatamente que era aquilo, que era aquele sítio.

AMD: Qual é que tem sido a reacção das pessoas ao espectáculo?
B.B.: Tem sido muito boa e uma surpresa muito grande. Isto é um espaço em que existem muitas ideias diferentes de entender o teatro, escritas e géneros diferentes a coabitar no mesmo sítio. O que era importante era que as pessoas percebessem o evento e isso aconteceu, claro que há peças que gostam mais, outras que gostam menos, mas a aventura é vivida pelo público. Até agora as pessoas que têm visto e que vêm falar connosco dizem que acham fantástico, e a afluência de público também tem sido surpreendente. Havia um certo receio íntimo, este espaço está fechado há imenso tempo e é deste lado do rio, tínhamos de começar às 8h, porque o David está a fazer ao mesmo tempo o espectáculo da Cornucópia, e o nosso orçamento é tão reduzido que a divulgação não tem sido assim tão forte. Mesmo assim temos tido uma média de 20/30 pessoas por dia.

AMD: A experiência está a correr bem, portanto à partida vai mesmo existir um Festival de Curtas?
B.B.: Sim. No contexto cultural em que vivemos, é mais interessante e é mais fácil teres um projecto feito e depois procurar apoios para dar continuidade a esse projecto. Há um investimento. As pessoas trabalhara para que qualquer coisa nasça.

AMD: A ideia é manter este espaço?
B.B.: Os “Primeiros Sintomas” fizeram um acordo com o “Útero”. O Miguel Moreira, do “Útero”, conseguiu falar com o dono do espaço, chegaram a acordo e ficou com isto, que estava fechado. Andava à procura de parceiros para dinamizar o espaço e eu fiz-lhe uma proposta, por isso os “Primeiros Sintomas” e o “Útero” vão estar aqui 2 anos a tentar programar o espaço com espectáculos de ambos e com convidados. As “Curtas” é um bocado um lançamento disso.

AMD: E enquanto actor na outra peça, encenada pelo Stephane, como foi?
B.B.: Foi fantástico. Já não fazia nada como actor há muito. O Stephane viveu o papel de encenador verdadeiramente. Há mais ou menos 4 anos que não fazia nada e as “Curtas” devolveram-me isso.

AMD: É para continuar?
B.B.: Eu gosto muito (risos), o problema é que os “Primeiros Sintomas” me ocupam muito tempo e a encenação é muito absorvente, mas estou numa fase em que tenho vontade de fazer coisas como actor.

AMD: Que sensações te trouxe, de saudade, ou de vivência diferente do papel de actor, agora que tens uma aprendizagem como encenador?
B.B.: Essa aprendizagem existe sempre, mas quando entrei não pensei nestas questões, foi na prática que veio tudo ao de cima, um certo receio, medo, um reviver de certas questões: os tempos, a criação de uma personagem, a contracena, o nervo, que é um nervo muito diferente de quando és encenador, o estar junto do público. A sensação que eu tenho, e que eu acho que é muito comum a todos os actores, é a de atirar-me para uma piscina. Foi muito giro viver tudo isso.

AMD: Em Lisboa neste momento há imensa oferta ao nível do teatro, e neste caso tens um teatro com uma vertente mais dinâmica, mais abrangente. O público não sabe ao que vem, são várias histórias… Achas que é por aí a conquista de públicos, por esta diferença? Porque enquanto público senti mais interacção do que num espaço com um palco.
B.B.: Acho que isso é sempre bom. Para o público é capaz de ser uma experiência diferente do que quando tens um palco. É diferente a todos os níveis, desde a entrada no teatro. Há uma proximidade maior.

AMD: De alguma forma senti que fazia parte.
B.B.: Exacto, a ideia é mesmo essa. Tentar pôr a relação mais próxima. Não escondemos nada, tudo era visível, a própria preparação dos actores. A ideia era pôr o ambiente o mais despojado possível, o menos ritualizado. Claro que há sempre um espaço cénico, mas a ideia foi torná-lo e construir uma proximidade maior. Andamos entusiasmados com a ideia de fazer coisas em sítios alternativos, daí a ideia de ficarmos aqui. Como é que se pode fazer teatro aqui? E o teatro é tudo, tudo é possível em teatro.
Estavas a dizer uma coisa, de o público não vir à espera. Retive isso porque às vezes tenho um bocado a ideia de que o público quer sentir-se confortável, antes de ir ver, quer saber o que é. Acho que poderá ser interessante inverter isso. Muita gente tem uma ideia do que é o teatro, do que se pode esperar do teatro e se não se espera isto.

AMD:
A ideia das próximas “Curtas” é continuar a ser uma coisa dentro dos Primeiros Sintomas?
B.B.: A ideia é abrir-mos mais, o que vai acontecer é que a partir daqui vamos fazer uma comissão do festival, com algumas pessoas dos Primeiros Sintomas, e vamos pensar como é que vai ser o próximo ano.

AMD: Sempre nessa vertente de todos experimentarem coisas diferentes daquilo a que estão habituados?
B.B.: Quando queres ser actriz, encenadora ou cenógrafa, estudas para isso, depois começas a trabalhar, e confrontas-te com uma realidade das coisas que é diferente. Entras numa lógica de mercado e a ideia aqui é quebrar essa lógica. Este é um espaço onde tu podes fazer aquilo que quiseres. No outro dia pensei: “ninguém está a receber nada para fazer isto. O que é que as pessoas estão aqui a fazer?”. Foram 3 meses de trabalho. Este espaço existe, é um espaço concreto de experimentação, que é muito bonito e pode ser importante não só para pessoas que estão a começar agora, como pessoas que já estão nisto há muito tempo e de repente arriscam. O espaço é este.
Artigo publicado no Jornal Semanário - Julho 2008

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