segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Entrevista a Joe Berardo

Passada a inauguração, as primeiras semanas de intensas visitas e todo o aparato à volta da abertura do Museu Colecção Berardo, colocaram-se algumas questões ao Comendador Joe Berardo, no sentido de perceber algumas das suas intervenções e a sua linha de actuação relativamente ao Museu e àquilo que espera conseguir.

Ana Maria Duarte: Qual a primeira impressão da recepção do museu por parte do público, depois da inauguração de ontem?
Joe Berado: A melhor possível. No entanto, aquilo que mais me marcou, foi o facto de muitas das pessoas, que durante estes dias visitaram o Museu Colecção Berardo, terem-no feito pela primeira vez na vida. Durante a última semana, passei muitas horas no espaço expositivo e cheguei a ouvir comentários engraçadíssimos, nomeadamente: “Quem diria que com pratos partidos se podia fazer uma obra de arte”. Para mim, é muito importante trazer as pessoas ao Museu, sensibilizá-las para a arte, e contribuir para o crescimento de um público, cada vez mais exigente e ávido de cultura. Desde o dia 25 de Junho até hoje, 4 de Julho, passaram pelo Museu mais de 320 mil visitantes. O Surrealismo teve 49.198; a Pop 47.722; o Re-take 44.278; a Figura reinventada 49.198; a Autonomia 46.738; o Minimalismo 44.278 e o Poder da Cor 39.358. Acho que estes números falam por si e são explicativos da receptividade por parte do público.

AMD: A inauguração aberta ao público, as entradas gratuitas e os horários alargados são alguns dos exemplos de uma espécie de política de democratização cultural. Pensa que o Museu tem potencial para servir de exemplo no universo museológico português, numa linha de democratização e inclusão sócio-cultural?
JB: A ideia é aprender, sempre, com quem sabe mais que nós. Estas medidas são o exemplo do que se faz em diferentes partes do mundo. A cultura tem um papel determinante enquanto cimento social e espaço de participação. Um das nossas metas é desenvolver uma política inclusiva em termos de oferta cultural, que permita a diferentes grupos o acesso à cultura e ao lazer, aprofundando o conceito de democratização cultural. O panorama museológico português tem mudado imenso nos últimos anos com o aparecimento de novos equipamentos culturais e modernização de práticas museológicas e museográficas, contudo, acho, que ainda há um grande trabalho a fazer nesta área, tendo o Museu Berardo um papel basilar.

AMD: O Museu tem apresentado uma linha de conquista de público diversificado, tem algum público-alvo definido ou a sua ideia é chegar a todos as pessoas?
JB: Sabemos bem que as actividades programadas para um público geral, não são, normalmente, bem sucedidas, no entanto, não deveremos delimitar o nosso público-alvo de forma constrangida. É óbvio que as exposições terão um público-alvo potencial, dependendo das temáticas e movimentos artísticos, todavia, a nossa estratégia é trazer todas as pessoas ao Museu, sendo que, o Serviço Educativo detém aqui um papel fundamental, aproximando o público, que porventura, não seria o alvo da actividade ou exposição.

AMD: Afirma a abertura do Museu Colecção Berardo como uma “concretização de um sonho pessoal, mas dedicado a todos os portugueses”. Considera que o público português vai ver o Museu com esse sentido de pertença?
JB: Tenho a certeza que sim. O facto de não ter construído um edifício de raiz para acolher a colecção prende-se, precisamente, com esse aspecto. Não queria que fosse o Museu do Berardo mas sim o Museu de todos os portugueses.
Desde o início, empenhei-me pessoalmente nesta matéria, mas o público empenhou-se também! Cheguei a receber centenas de manifestações diárias, provenientes de todas as partes do país e por todas as vias. Na rua, as pessoas abordavam-me e pediam-me para não levar a Colecção para fora. Sentiam que era uma causa nacional e que tinham, também, uma palavra a dizer. Para mim, essas demonstrações foram muito importantes, senti que as pessoas estavam a lutar por algo que lhes pertencia.

AMD: Quais são os seus objectivos máximos com a abertura deste Museu? O que pensa trazer à sociedade portuguesa além da possibilidade de ver uma exposição com uma qualidade inquestionável?
JB: O Museu tem como objectivos capitais a continuação da constituição da colecção representativa de arte moderna e contemporânea portuguesa e internacional e a apresentação de uma programação de exposições temporárias, colectivas e individuais, que apresentem um diálogo constante entre os contextos artísticos nacional e internacional. São, também, nossos objectivos a democratização cultural, incrementando a oferta de actividades de educação e formação que contribuam para a formação de novos públicos; estimular a intervenção artística e a criatividade junto de diferentes grupos etários; conservar e aumentar o património artístico e cultural dos portugueses.

AMD: Quais os seus objectivos em termos pedagógicos e educativos, uma vez que esta exposição pode ser uma forma de aprendizagem não só para estudantes, mas para todo um conjunto de famílias e indivíduos?
JB: No âmbito pedagógico o objectivo é de desenvolver as actividades do Serviço Educativo, ampliando e alargando o seu campo de acção através do desenvolvimento de um sistema de informação e interpretação in situ sobre as obras; da diversificação do público-alvo das visitas guiadas gerais e temáticas, através da implementação de protocolos com instituições universitárias e de ensino especializado. Relativamente à programação prevista, Julho e Agosto são meses quentes no Museu. Descobrir diferentes movimentos e tendências; conhecer as principais preocupações dos artistas; explorar materiais e técnicas, e aprender novos conceitos são algumas das nossas propostas. É neste sentido que desafiamos o público a inscrever-se nos nossos Percursos Temáticos nas Tardes ou Serões no Museu, a colocar as suas questões aos nossos Assistentes de Exposição; reservar um lugar para os seus filhos numa das nossas Oficinas de Verão ou a percorrer o Museu com uma das nossas Malas Temáticas. Aprender, jogar e rir são os verbos desta estação.
Ainda, durante de verão, as noites de Sexta e Sábado, também aquecem com as intervenções do CCB FORA DE SI. No interior do Museu poderá explorar diferentes temáticas, realizar exercícios, ter conversas, ou simplesmente passear.

AMD: Apesar de tudo, algumas vozes continuam a ser contra a ocupação total do Centro de Exposições com a sua colecção. Como vê estas críticas?
JB: Eu não gostaria de comentar esses assuntos. A única coisa que posso dizer é que quem quiser poderá consultar o programa e constatar que haverá exposições variadíssimas. Será o desenvolver da nossa acção que responderá a essa questão. No entanto, gostaria de salientar que a Colecção Berardo não se esgota no CCB, vamos continuar a fazer empréstimos e a receber obras de outros museus nacionais e internacionais. E, se a Câmara de Lisboa continuar interessada em que a Colecção seja exposta no Pavilhão de Portugal, reunindo vontades políticas, económicas e culturais, continuaremos de porta aberta. O espólio além de possuir uma grande diversidade de obras, continua em crescimento, sendo que poderemos tê-lo exposto em dois ou três espaços simultaneamente.

AMD: A partilha do mesmo espaço com o CCB e as negociações não correram da melhor maneira, sendo que não está a existir um cruzamento programático e uma união de esforços para trabalhar objectivos comuns. Não seria do interesse público haver uma espécie de acordo em que a programação e as iniciativas do Museu se cruzassem com as do CCB?
JB: De acordo com os últimos desenvolvimentos esse acordo não é possível. Eu diria mesmo, que dois volantes, num só carro só são possíveis nas escolas de aprendizagem.

AMD: Considera que o Estado Português possa vir a investir e a comprar a sua colecção no final do período acordado?
JB: Essa questão deverá ser feita a quem de respeito, aos nossos governantes. No entanto, não vejo necessidade de tanta pressa, estamos no primeiro ano do acordo e o Estado Português tem 10 anos para responder.

Artigo publicado no Jornal Semanário - Julho 2007

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