segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A reflexão da dança sobre o uníssono


Confronto aos tabus da dança contemporânea
Mathilde Monnier na Culturgest

“Tempo 76” é um espectáculo de Mathilde Monnier. Nos dias 4 e 5 de Abril, subirá ao palco do Grande Auditório da Culturgest, às 21h30. Este é um espectáculo de dança que pesquisa em torno do uníssono e que faz reflectir o universo da dança contemporânea.

Este é o mais recente trabalho da coreógrafa francesa, que desta vez inova em palco através de um corte com os tabus e da contradição intencional que nos faz reflectir. O uníssono tornou-se de certa forma um tabu para a comunidade de dança contemporânea e perdeu a sua magia, dando lugar à desconstrução e a uma nova utilização do espaço. “Tempo 76”, cujo título se refere às 76 pulsações por minuto, explora as possibilidades da mesma organização de movimentos em corpos diferentes. Aqui Mathilde Monnier aborda o conceito do uníssono de uma forma crítica, que chega até a ser jubilatória. Aborda-o como forma coreográfica, mas também ao serviço de uma geografia espacial, de um espaço a construir, mas também a destruir, onde o indivíduo interage com o ambiente e o espaço está em uníssono com o gesto. Esta forma do uníssono, da dança e da música, ainda é hoje muito utilizada quando se quer chegar a um conceito de espectacularidade, pela ideia (não errada) da dificuldade de atingir com perfeição e qualidade o tal uníssono, aqui em reflexão. Esta forma é muitas vezes utilizada para finalidades espectaculares em manifestações diversas, como desfiles de carnaval, paradas militares, bailados clássicos, operetas, espectáculos de revista, musicais, entre outros.
A coreógrafa ocupa um lugar de destaque no panorama da dança contemporânea. Formou-se com Viola Farber, uma das figuras mais importantes da companhia Merce Cunningham. Em 1986 recebeu o prémio do Ministério da Cultura no concurso coreográfico de Bagnolet. Em 1994 foi nomeada para dirigir o Centro Coreográfico Nacional de Montpellier Languedoc-Roussillon, cargo que actualmente ocupa. Esta é a quinta vez que Mathilde Monnier se apresenta na Culturgest. Depois de “L’Atelier en pièces” (1997), “Les lieux de là” (2000), “Signé, signés” (2003) e “Publique” (2005), traz-nos agora “Tempo 76”, uma criação para o Festival Montpellier Danse 2007.
“A coreografia de “Tempo 76” constrói-se em torno da produção de gestos que vão do minimal ao gigantesco. A mise en âbime do uníssono como forma é explorada através de uma permanente reconfiguração que se aproxima da partitura musical e que gera a sua própria mecânica poética.
A ideia deste projecto é reinterpretar uma forma estética abandonada, questionando-a, retirando-a do seu contexto inicial e levando-a por um caminho aventureiro e portador de sentidos. Como escrita coreográfica, será conduzida por todos sem hierarquias, desviada e afastada que foi do seu objectivo espectacular.
Para reforçar esta ideia de uníssono de gestos e movimentos, há como que um comentário em directo, espécie de contraponto jovial que permite ora precisar uma acção enquanto é executada (por efeito de ampliação) ora, pelo contrário, deslocando-a no tempo (por efeito de dissociação).”
Nove bailarinos em cena rompem com os padrões dos mecanismos rítmicos através de uma releitura dos padrões sincrónicos e dos gestos repetitivos do quotidiano. No entanto, o uníssono de Monnier ganha outras dimensões ao apresentar, no palco, bailarinos com diferentes estruturas corporais, diferentes idades e diferentes figurinos. É justamente nesse jogo de quebra de tabus e de contradições intencionais que se dá a inovação em “Tempo 76”. Bem aclamado pela crítica, este espectáculo revela a reinvenção da forma do uníssono, através da qual a coreógrafa demonstra uma inovadora maneira de transformar o comum em único. Os bailarinos demonstram prazer ao executar os mesmos passos, ao mesmo tempo. Mesmo se o uníssono não é algo a que os espectadores de Monnier estejam habituados. Mathilde descreve assim o conceito do uníssono no seu mais recente trabalho: “Vivemos desajeitadamente em uníssono com o mundo. Tentamos agarrar-nos ao ritmo de um mundo que nos ultrapassa pelo afastamento, pelo desfasamento, pelo reenquadramento […]. Tentamos adaptar-nos a um meio ambiente cada vez mais hostil, mais rápido, menos apreensível e perceptível nos seus sentidos”.
Os billhetes custam 18 euros, sendo que para menores de 30 custa apenas 5 euros.
Artigo publicado no Jornal Semanário - Abril 2008

Sem comentários: