quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A crítica de arte em Portugal - Entrevista à Professora Yolanda Espiña

Inovação no Ensino Especializado

Surge este ano o primeiro Mestrado em Crítica de Arte a nível ibérico. Tratando-se de algo único e inovador, numa área que nos é tão específica e que toca em muitos aspectos o estado da arte não só em Portugal, mas de um modo geral. Falei com a Professora Yolanda Espiña, que está à frente deste projecto, no sentido de compreender os objectivos do Mestrado e a avaliação que é feita à crítica de arte. Quem avança como pioneira é a Universidade Católica do Porto.

Ana Maria Duarte: Sendo este Mestrado em Crítica de Arte inovador e único a nível ibérico, foi seguido algum modelo internacional na sua definição?

Professora Yolanda Espiña: Não, de facto não temos conhecimento de um modelo semelhante. Existem com certeza programas de teoria e crítica de arte em diferentes universidades, alguns deles com forte abordagem teóarica. No entanto, não sabemos de outro programa com estas características integradoras das suas áreas científicas.

AMD: Que lacunas encontra em Portugal em termos da crítica da arte contemporânea?

PYF: Penso que as lacunas que originam a necessidade de ter lançado este Mestrado não são só de Portugal, mas de uma situação geral da crítica de arte, produto de uma mudança nas categorias artísticas da contemporaneidade, que se reflectem, consequentemente, no próprio exercício da crítica de arte. Esta mudança implica a necessidade de pensar novas categorias artísticas para as artes tradicionais e estabelecer categorias próprias para as artes emergentes.

AMD: A quem se dirige esta formação? O currículo do mestrado foi desenvolvido a pensar principalmente em que núcleos?

PYF: A formação está pensada em dois tipos de públicos, que marcam duas direcções: uma, profissionalizante, isto é, será um primeiro passo para uma formação sistemática, com metodologias próprias, neste campo.

A outra direcção é o factor de forte e até indispensável complementaridade em relação a outras profissões: jornalistas e especialistas da informação cultural; actividades de curadoria e organização de conteúdos expositivos: historiadores e estudiosos da arte; artistas em exercício que queiram uma base teórica organizada; coleccionadores privados de arte contemporânea que queiram assegurar um discernimento nos seus investimentos; e, como não, críticos de arte em exercício, que possam junto de nós e com nós pensar de modo inovador neste campo. 

AMD: Na apresentação deste Mestrado os jornalistas são um ponto fulcral do público a que se dirige. Considera que existem muitas falhas ao nível da formação da comunicação social nestas áreas?

PYF: Os jornalistas dos diversos meios são um público alvo fulcral, com efeito. Não se trata da falar de falhas, mas de fornecer um necessário complemento de formação aos especialistas da informação cultural em duas vertentes fundamentais: a compreensão da complexidade interdisciplinar da arte contemporânea, na sua dimensão estético/teórica, e na sua dimensão material (o que nós chamamos de “gramáticas” das artes, as suas leituras formais); e o aprofundamento no próprio exercício da crítica de arte, em relação directa aos médios da sua comunicação.

AMD: Muitos estudantes de artes chegam ao final das suas licenciaturas sem terem muitas saídas profissionais. Este mestrado pretende ser uma resposta a jovens licenciados que se queiram especializar?

PYF: Desde o ponto de vista estritamente profissionalizante, constitui com certeza uma forte especialização. Neste sentido, quanto melhor preparados possam estar num âmbito interdisciplinar como é o das artes, mais possibilidades vão ter de desenvolver mais cedo um percurso profissional. Este Mestrado não só vai fornecer os meios teóricos e práticos para o exercício de uma actividade, mas também preparar o “olho e a cabeça” para um modo de abordar a realidade artística e a realidade cultural. Isso pode ter com certeza aplicações ainda imprevisíveis no campo da actividade profissional, além do mencionado acima em relação aos públicos alvo deste Mestrado.

AMD: Considera que, caso haja uma procura por estes jovens licenciados, esta será uma oportunidade que deverão ver como um meio para chegar à profissão de críticos de arte?

PYF: Com certeza, se um jovem licenciado quer ser crítico de arte, vai encontrar neste Mestrado o que busca, isto é: a base sistemática e prática para o exercício de uma profissão, e as bases científicas para aprofundar nas diferentes vertentes deste âmbito.

AMD: Tendo em conta que também não existe um ensino da crítica de outras artes, como o teatro ou o cinema, considera que este será um exemplo a seguir para outras áreas de ensino especializado?

PYF: Ainda bem que me faz esta pergunta, porque me permite sublinhar que este Mestrado se orienta fundamentalmente para a análise e conhecimento da arte rigorosamente contemporânea, precisamente na sua interdisciplinaridade e intersecções, Não falamos explicitamente, por exemplo, de teatro ou dança, mas sim falaremos de artes que adquirem um carácter performativo no seu jogo com os novos meios artísticos. Não falamos explicitamente ou só de cinema numa cadeira, mas ligamos o conceito cinema ao desenvolvimento de artes que apresentam uma origem e um desenvolvimento com algumas semelhanças claras, como a fotografia e o vídeo, e tentamos aprofundar nelas desde o ponto de vista da sua projecção actual, particularmente no advento do digital. Falamos, sim, de artes plásticas tradicionais, como a pintura ou a escultura, mas encontrando nelas uma perspectiva renovada, que integre categorias do presente, sem deixar de reconhecer nelas o perene da sua imanência material. Falamos de artes sonoras, porque queremos dar conta de fenómenos contemporâneos que, além de um conceito de música que com certeza os próprios críticos e teóricos devem ainda explorar mais a fundo, como dar conta de expressões sonoras que desconstróiem o próprio conceito de composição, em jogo com as novas tecnologias.

AMD: Qual o futuro da arte e da formação artística em Portugal e Espanha?

PYF: Desde a nossa perspectiva, estamos numa magnifica situação para afrontar a “crise” sob a perspectiva de preparação para a mudança, que não deve significar outra coisa que um aprofundamento nesta formação, aprendendo e ensinando a ler sem premissas prévias a realidade contemporânea.

Artigo publicado no Jornal Semanário - Agosto | ed.01.08.2008

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