segunda-feira, 25 de agosto de 2008

New York - Lisbon » "Homem-Legenda"

“Homem-legenda” nasce no contexto do programa de criatividade e criação artística do C.A.M. da Gulbenkian, assinado por Pedro Gil e Diogo Mesquita, com produção de Barba Azul Companhia Teatral. Um verdadeiro “One man show” que brinca com o público, explorando conflitos do homem comum. O Semanário esteve à conversa com Pedro Carmo, o actor que sobe a palco com o projecto.

Em palco um homem e uma legenda interagem entre si e com o espectador. Ensaios de auto-reflexão: sou o que quero ser ou o que a sociedade espera que eu seja? Qual o problema de assumir o que sou? Posso deitar cá para fora tudo aquilo que penso?
“Homem-legenda” é um espectáculo que consegue ser provocador de uma forma subtil. Ricardo (Pedro Carmo) dialoga com uma voz, a das legendas projectadas. Pedro Carmo neste espectáculo demonstra uma vez mais a sua fantástica força e energia de performance contagiante. Entrou neste espectáculo a convite de Pedro Gil, encenador em co-criação com Diogo Mesquita. “As ideias já estavam mais ou menos definidas, mas sempre senti ao longo do projecto de criação que estavamos a iniciar algo juntos.” Relativamente ao espectáculo apresentado na Gulbenkian e na Fábrica da Pólvora, as alterações têm mais a ver com o próprio espaço. “O espaço agora é mais intimista, na altura era um teatro convencional, agora é um café-teatro. A energia que eu ponho no espectáculo é diferente.” O contacto com as pessoas diverge devido a essa maior esfera de intimidade que o próprio Bar Teatro permite. “Antes eu olhava para eles do palco para a plateia e aqui vou para o pé do público, olho mais nos olhos. Quando saio sinto-me mais livre.”
Pedro Carmo dá voz a Ricardo, um homem comum, de 34 anos, consultor numa multinacional, com medo de assumir a sua identidade e compromissos. “Há muitas coisas com que me identifico, até porque o personagem foi construído por mim e é inevitável, mas acho que ele é mais um alter-ego do Pedro Gil. Todos os homens se identificam com alguma coisa.”
O objectivo do espectáculo é fazer as pessoas questionarem-se mesmo sobre coisas aparentemente inúteis. “Tudo tem um sentido e se pararem para pensar, talvez se consigam ouvir e compreender-se melhor. Há comportamentos tipificados do homem, mas a personagem toca profundamente o público feminino. Não é algo sexista.”
O percurso de Pedro Carmo como actor inicia-se no I.S.E.G, onde aliás se licenciou em economia, mas a sua formação teatral passa pela E.S.T.C., pela Gulbenkian e por Nova Iorque. Foi para esta cidade fazer um curso de representação para cinema. “Há um ano tive necessidade de parar. Fui estudar representação para cinema, com uma bolsa da Gulbenkian. Quanto a outras profissões pensei em voltar à economia, ou ser cozinheiro (risos), não fosse o facto de ter de voltar a estudar.”
Relativamente a projectos futuros, passam por regressar a Nova Iorque porque a cidade realmente o fascina. “Gosto de viver lá, mas o trabalho é cá. O ideal era andar cá e lá.” Provavelmente a fazer cinema, a grande paixão. Depois de ter entrado em “António, um rapaz de Lisboa” de Jorge Silva Melo e “Portugal S.A.” de Ruy Guerra e algumas curtas, confessa: “É a minha grande paixão, mas é díficil entrar nos meandros do cinema. O mercado em Portugal é pequeno e funciona muito pela química entre quem dirige e o actor. Tenho feito, mas não tanto como queria”.
Em termos de representação considera que NI e Portugal têm grandes diferenças. “95% do que se faz de teatro em NI não me diz nada. É um teatro pobre, muito realista, em desuso e não traz nada de novo. Mas na representação vão mais longe, mais fundo no trabalho de actor. Gostava mais de trabalhar ao nível do cinema.”
Pedro Carmo já esteve no papel de encenador, com o grupo de teatro amador teatroàparte e o Grupo de Teatro Focus. “Quando me convidaram, a minha primeira resposta foi “não estou preparado!”, mas depois descobri muito sobre mim. É algo que vai estar sempre lá. Quando deixei o grupo teatroàparte foi muito complicado, porque já tinhamos desenvolvido uma relação afectiva muito forte. Foram quatro anos muito intensos para mim, e espero que para eles também (risos), mas tinha de largar a encenação. Queria romper com tudo. Agora tenho de encontrar a minha veia estilistica. Encenar só por encenar não faz sentido. Assim como estava a precisar de parar como actor e agora sinto necessidade de voltar, também tem de haver essa urgência com essa urgência.”
Pedro Carmo é movido por paixões, pela intensidade de representar e isso sente-se e vê-se no brilho dos olhos quando fala dos seus projectos. Antes de voltar a Nova Iorque, entrega-se ao “Homem-legenda”, que vai ficar neste espaço até dia 24 de Junho, passando pelo “Serralves em Festa”. Uma excelente oportunidade para conhecer o talento deste actor e para parar e pensar.


Artigo publicado no Jornal Semanário - Maio 2006

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