segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Fusão entre corpos de actores e marionetas

“Intimae” é um espectáculo da companhia francesa Turak que estreou no CCB ontem à noite e que estará em palco até 3 de Fevereiro. Trata-se de um espectáculo com marionetas que explora os temas da insularidade e da intimidade, num ambiente muito peculiar que caracteriza todos os espectáculos dos Turak. Este regresso ao CCB revela-se num espectáculo íntimo para todo o público.

O autor, encenador e cenógrafo do espectáculo, Michel Laubu, apresenta “pequenas obras/óperas oblíquas e insulares”. Tudo parte de um desejo de ter um “grande palco íntimo”, como diz o encenador e essa é uma das suas grandes preocupações, que o levaram a investigar qual a forma que o espectáculo deveria assumir. A peça ou as pequenas peças vão-se criando, com cinco manipuladores de marionetas, são actores que tomam formas diversas à medida que vamos vendo a sua manipulação e os seus gestos com as marionetas. Muitas vezes parecem fundir-se: actores e marionetas numa só forma, numa incrível união que nos deixa perplexos. As personagens que se apresentam são as “grandes figuras desta mitologia invulgar, insular, feita à medida – uma espécie de mitologia de bolso, uma mitologia canivete-suiço”, descreve Michel Laubu.
O que devemos entender por esta lógica insular de que tanto se fala em torno da companhia Turak? Ao olhar um mapa do grande norte quebequense Michel Laubu e o seu grupo de manipuladores depara-se com a existência de uma ilha “Tukarak”, situada no centro das ilhas Belcher, na baía de Hudson. Desde então todos os espectáculos da companhia “pormenorizam, imaginam e declinam os microcosmos, as entidades, os povos, as autarcias. O desejo de traçar, de inventar os contornos de uma ilha Turak tornou-se evidente. A vontade de estudar, de experimentar, de nos aproximarmos do “síndrome insular” levou-nos a construir um projecto de residências em ilhas reais e imaginárias”. Esta abordagem acaba por os levar a uma tentativa de cartografia do íntimo, uma espécie de geometria dos espaços da intimidade, caminhando para a compreensão e o desenho sentimental. Desta vez o Turak Théâtre fez a residência de criação e co-produção com Les Subsistances – Lyon.
Este trabalho tem vindo a ser construído desde 2006, com residências em diversos locais, para que possam beber essas influências, para que, ao passarem tempo com os habitantes, consigam trazer a sua história da forma mais natural e mais verdadeira possível, levando notícias de um lugar ao outro, de uma ilha para a outra. Os espectáculos escrevem-se e criam-se nesses espaços de residência, fazendo-os viajar com reconstruções de lugares únicos. “Como esticar um fio, dessa ilha TUKARAK real ou TURAK imaginária, que passaria por Bali, Islândia, Houat e Ouessant, Japão, ilhas suecas, Martinica... e sobre este fio esticado, fazer deslizar páginas de cadernos em espiral. Não diários de viagem, de passagem.” No início da companhia estas pequenas obras que apresentam, os espectáculos-miniatura que construíam dava-lhes esta natureza intimista, este carácter de relação única com os espectadores. Esta natureza vinha não só dos espectáculos, mas também do número reduzido de privilegiados que era permitido na assistência. Depois o desejo foi de avançar, alargar este carácter a palcos maiores, fazendo teatro íntimo em grandes palcos, com mais público. O palco continua íntimo, elaborando diferentes relações com os espectadores, com universos e palcos únicos, que utilizam os recursos de cada lugar. Michel Laubu conta com a cumplicidade de Emili Hufnagel e com a participação de Laurent Bastide, Carlo Bondi, Patrick Murys, Emmeline Beaussier.
“Com os Turak, propusemos sempre um teatro aberto a todos, um teatro praticável por todos, acessível a cada um utilizando os seus próprios meios, as suas ferramentas pessoais.”, diz Michel Labu, que acrescenta que “Hoje, este desejo concreto de um "grande palco intimista" preocupa-me e leva-me a questionar a forma deste novo espectáculo. Aqui, sonho com um espectáculo despojado, lúdico e misterioso. Um teatro rudimentar num palco diante de uma bancada. Um teatro rudimentar, uma poesia que vai beber às fontes do teatro de objectos.”
Esta concretização do espectáculo, entendido como poesia arranjada, é completa por música que é tocada ao vivo. Dois músicos. Um clarinete, um clarinete baixo e um violino alto. É construída, arranjada e interpretada a partir de instrumentos de música e de máquinas. São objectos do quotidiano e outros mais encarados como instrumentos, como guitarras, que servem de sinalização e que dão força ao espectáculo. Para a concretização desta poesia arranjada, dispomos de uma equipa de dez pessoas, actores-manipuladores, músicos, directores de cena e técnicos.” O palco vai-se transformando: velhos armários, objectos de vida quotidiana, adaptações. Objectos que vamos reconhecendo de algum lugar. Janelas que delimitam uma geografia de territórios íntimos. As personagens vão emitindo sons, poesia e bricolagem, técnicas à vista, música ao vivo. Cada um deles usufrui de um espaço único, e a história vai-se desenrolando... vai acontecendo, em vários ambientes. E o nosso olhar, os nossos ouvidos e a nossa capacidade de cruzamento com a arte vão sendo alimentados e espicaçados de uma forma muito criativa, muito própria, muito especial.
Até 3 de Fevereiro, no Pequeno Auditório do CCB. A 1 e 2 de Fevereiro às 21h e dia 3 às 16h.


Artigo publicado no Jornal Semanário - Fevereiro 2008

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