segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Silêncio, os sons respiram


Rabih, o mestre do oud

Este sábado na Culturgest calam-se as vozes para dar espaço aos sons jazz e cosmopolitas do trio de Rabih Abou-Khalil. Apontado como uma explosão de criatividade, este trio apresentará um concerto baseado no disco “Journey to the Centre of an Egg”. Silêncio, os sons respiram.

Rabih Abou-Khalil vem de um clima cosmopolita. Nasceu (1957) e cresceu em Beirute, bebendo todo aquele ambiente dos anos 60 e 70. Foi ali que aprendeu a tocar oud, um instrumento semelhante ao alaúde, aquele que é o instrumento árabe por excelência, tão popular como o piano ou a guitarra no ocidente. A primeira vez que tocou tinha quatro anos de idade e talvez por isso hoje seja um dos mestres deste objecto musical.
Em 1978, pelos movimentos da guerra civil do Líbano, é forçado a sair do seu país, tendo viajado e passado a viver em Munique, cidade também cosmopolita e onde provavelmente foi influenciado por uma educação e formação mais rígidas. Naquela cidade estudou flauta clássica na Academia de Música. O clima europeu e toda a preocupação analítica relativa à tradição clássica europeia permitiu-lhe compreender a música árabe de um ponto de vista exterior e teórico, dando-lhe a descobrir a possibilidade de operar em simultâneo com sistemas musicais divergentes. Foi também na Alemanha que acabou por conhecer o tal homem do jazz, Joachim Kuhn, que, à sua semelhança, tem formação clássica e um trajecto multidireccional. O seu percurso passa pelo jazz-rock, com colaborações com Jan Akkerman, líder do grupo de rock progressivo Focus, e esteve envolvido na fase de expansão do free jazz, acompanhando músicos de renome como Don Cherry, Karl Berger e Gato Barbieri nas suas digressões. Além disso, contribuiu no período em que viveu em Paris para a solidificação do chamado “jazz francês”, na companhia de Michel Portal, Daniel Humair e Jean-François Jenny Clark, entre outros, e foi o primeiro pianista a tocar com uma lenda viva do jazz americano, Ornette Coleman, que o convenceu a também utilizar o saxofone alto. Percebe-se por todas estas colaborações e integrações de movimentos musicais novos e de renovação de estilos, que Kuhn, além de um alto sentido de aprendizagem, possui uma facilidade de movimentação e de liderança em movimentos artísticos. Numa crítica de música de Rui Eduardo Paes, pode mesmo ler-se “Regendo-se Kuhn pela máxima “aprender tudo para tudo esquecer” no momento em que se toca, o certo é que o oudista libanês não poderia encontrar melhor parceiro.”
Desta forma e com este percurso o músico tem limitações menores, ao nível da criatividade e da exploração musical. Deixa-se viajar pela investigação de novos sons do seu instrumento e torna-nos privilegiados por o ouvir tocar. Este concerto será seguramente um privilégio e uma honra na nossa noite de sábado, pois enquanto os instrumentistas árabes se satisfazem com a imitação das técnicas da voz humana, Abou-Khalil dedica-se a explorar novas formas de tocar o seu instrumento. A improvisação é algo sempre presente, e ambos os músicos se lançam em explorações livres.
Rabih Abou-Khalil afirmou-se na cena de vanguarda como compositor e como instrumentista. Com uma larga e aclamada discografia, editada sobretudo pelas editoras MMP, ECM e, de há uns anos a esta parte, Enja, Abou-Khalil tem-se apresentado em mais de 100 festivais de jazz e de outras música pelo mundo fora, com diversos projectos e enorme sucesso.
O concerto de sábado tem como ponto de partida o disco “Journey to the Centre of an Egg” (o 13.º álbum gravado para a Enja) e junta um dos mais conhecidos pianistas de jazz europeus, o alemão Joachim Kühn (que também toca saxofone), cujas origens musicais estão tanto em Bach como em Ornette Coleman, com o baterista Jarrod Cagwin, que desde há muitos anos faz parte de bandas de Abou-Khalil e conhece profundamente os ritmos turcos, árabes e africanos. Em “Journey to the Centre of an Egg” pela primeira vez Abou-Khalil compõe em colaboração, escrevendo com Kühn todas as faixas do álbum mais recente.
Sábado às 21h30 no Grande Auditório da Culturgest, um concerto que apresenta músicos de extrema intensidade e criatividade artística, tendo como base um álbum de cruzamento de culturas (cross-cultural) que transmite liberdade e que foi considerado pela All about Jazz como o mais bem sucedido que este músico gravou. Este concerto será também apresentado no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, na sexta-feira, dia 18, pelas 22h00.

Artigo publicado no Jornal Semanário - Janeiro 2008

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