segunda-feira, 25 de agosto de 2008

“O Avarento ou a Última Festa”


A peça de teatro “O Avarento ou a Última Festa” de José Maria Vieira Mendes, vai estar em cena de 11 a 19 de Janeiro no Pequeno Auditório do CCB. Esta é uma nova abordagem da peça de Moliére, que data de 1668 e que mistura várias linguagens e estilos numa reflexão sobre o conflito entre a geração pós-25 de Abril e a geração dos pais dessa mesma geração. Uma comédia em cinco actos que sobe aos palcos pela mão do Teatro Praga.

A ideia deste texto e deste espectáculo surgiu de uma conversa sobre o modo como o Teatro Praga pensa e trabalha o texto. O espectáculo “O Avarento” introduz uma realidade diferente no trabalho do Teatro Praga: a realidade da interacção e do trabalho com o próprio autor, já que José Maria Vieira Mendes não só faz a dramaturgia, mas a própria construção da peça.
O Teatro Praga tem um percurso artístico evolutivo e de qualidade, numa primeira fase do seu trabalho focavam-se mais no texto, depois passam a focar-se mais em peças que demonstram um afastamento da narrativa. Desta vez, sendo que trabalham de uma forma tão intensa com o autor, o próprio espectáculo apresenta outras linhas e uma nova dinâmica. A participação do grupo é menor do que em peças anteriores, pelo menos na concepção do espectáculo. José Maria Vieira Mendes escreveu o texto durante os ensaios, os ensaios foram feitos na sua presença e o próprio texto foi sofrendo algumas alterações. Toda esta presença e inter-relação só podia ter criado uma peça intensa e dinâmica.
José Maria Vieira Mendes, escritor e tradutor de teatro, assume a dramaturgia. Os seus trabalhos mais recentes incluem “Intervalo” (2006), encomendada pelo International Short Text Challenge, por ocasião do centenário da morte de Henrik Ibsen; “Domingo”, para o projecto Urgências 2007; “Duas Páginas” (2007), encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian/Artistas Unidos para o projecto Mecenas, Mecenas; e “A Minha Mulher”, estreado no D. Maria, em Setembro do ano passado. O seu trabalho no teatro está desde sempre e de vários modos ligado à companhia Artistas Unidos e também, mais recentemente, ao Teatro Praga. “O Avarento ou A Última Festa” – Comédia em Cinco Actos, a partir de “O Avarento”, de Molière, marca a sua segunda colaboração com o Teatro Praga, depois de “Super-Gorila” (2005), peça escrita em colaboração com André E. Teodósio para o projecto “Shall We Dance Shall We Dance”.
O autor revisita o texto do século XVII, escrito por Molière, mas aquele é apenas uma espécie de esqueleto, uma linha que lhe serve de estrutura. José Maria Vieira Mendes pegou no texto, um clássico, e quis dar-lhe uma nova visão, partiu a estrutura original e deixa na sua reconstrução buracos propositados, peças soltas, colocadas ali reflectidamente, misturando linguagens, estilos que no fundo nos mostram um novo texto.
A perspectiva, essa tal estrutura de que há pouco falava, é a do conflito entre duas gerações: pré e pós revolução portuguesa, que pôs fim ao regime ditatorial. “A Minha Mulher”, com estreia em Setembro do ano passado no Teatro Nacional D. Maria II, focava-se no mesmo tema. “O Avarento” avança essa reflexão, passando a pensar nas pessoas da mesma geração.
Quem está à espera de um espectáculo na linha que o Teatro Praga tinha “habituado” o seu público, pode começar a preparar-se para a mudança, sendo que esta é positiva, qualitativa, uma vez que demonstra uma passagem para uma outra fase, uma capacidade evolutiva. Agora mostram-se mais intérpretes, havendo uma maior clareza nos papéis de cada um, algo que não estava presente nos últimos espectáculos dos Praga. Esta é também provavelmente a peça e o espectáculo em que esta companhia se mostra tão conflituosa, no sentido de politicamente incorrecta.
Nas peças de Vieira Mendes, o autor trabalha muito narrativas e histórias. Disse recentemente numa entrevista “(…) gosto de procurar nas histórias a teoria ou o discurso sobre o próprio texto. Todas as questões teóricas deste texto encontram-se integradas na narrativa. E era disso que eu às vezes sentia falta nos espectáculos do Teatro Praga. Via dois discursos paralelos que eles não queriam fundir. No “Avarento” todos os textos que vou buscar são justificados pela narrativa: existe um bocado de “Os Irmãos Karamazov” [de Dostoievski], porque o Cleanto é um leitor compulsivo à procura da solução nas páginas dos livros, a tentar ler o mundo, respigando trechos roubados ao seu contexto e pedindo de empréstimo discurso para se “organizar”. Sem grande sucesso, diga-se.” Outro dos textos integrado na peça é o “Édipo” que surge duas vezes na peça e que mostra a problemática do choque entre pais e filhos e das mortes de ambos. Mas todas estas leituras que vão sendo integradas na peça relacionam-se com o tema principal de alguma forma e são tratadas com alguma ironia. A política é uma das linhas de força do texto. Em todas as personagens há controlo e submissão.
A base do espectáculo e uma linha que já vem sendo habitual nos Praga é “a conflituosidade para chegar a um mesmo objecto”. Neste espectáculo são mais actores e as preocupações deles têm mais a ver com resolução de cenas, menos de construção, mais práticas. Aqui o texto já oferecia muito do que precisavam, ou seja, não precisavam de construir ou acrescentar, porque o diálogo já é intenso e completo. As secções no texto definidas claramente permitindo essa consciência da mudança de registos e da interpretação. As questões programáticas e as respostas estão na narrativas.
“Uma nova versão da peça, livre e esquiva, ou a escrita daquilo que se gostaria de ler já na obra original.
Testar ou minar a intemporalidade dos clássicos? Um desafio à altura de um colectivo que se tem vindo a distinguir por uma questionadora e provocatória desmontagem das convenções teatrais.”, esta é a forma como a instituição que o recebe apresenta o espectáculo.
Será sem dúvida uma das apostas deste ano ao nível do teatro. A peça estará em cena nos dias 11,12,14,16,17,18 e 19 de Janeiro às 21 horas, e no dia 13 de Janeiro de 2008 às 16 horas, no Pequeno Auditório do CCB.

Artigo publicado no Jornal Semanário - Janeiro 2008

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